Juruna diz que Bolsonaro está “estragando o Brasil”

Todos os posts, Últimas notícias

Foto de Jamil Bittar/Agência O GLOBO

Os povos indígenas vêm promovendo lições públicas de articulação política, com manifestações em Brasília, denúncias de invasão de seus territórios em redes sociais e a atuação direta em ações judiciais envolvendo seus direitos. Mas, até pouco tempo atrás, os líderes das muitas etnias do Brasil, soterrados pelo descaso da sociedade, só conseguiam se fazer ouvidos uma vez por ano, em 19 de abril, o Dia do Índio. Por isso, naquela terça-feira de 1983, quando subiu à tribuna da Câmara, em Brasília, o deputado federal Mario Juruna (PDT-RJ) não perdeu sua chance.

Primeiro parlamentar de origem indígena no país, o cacique Xavante nascido numa aldeia no Mato Grosso em 1943 só teve contato com um homem branco aos 15 anos. Engajou-se na luta daquele povo por suas terras tradicionais e, durante os anos 1970, ficou conhecido por circular pelos corredores da Funai com um gravador. Ele registrava tudo que o “homem branco dizia” e, mais à frente no tempo, constatava que as autoridades não cumpriam a palavra. Em 1982, foi feito deputado pelo Rio de Janeiro com 31 mil votos, numa eleição que ganhou repercussão mundial.

Juruna havia tomado posse em 1° de fevereiro de 1983, mas só no 19 de abril teve a oportunidade de fazer um longo discurso na tribuna. Em sua oratória, observada de perto por colegas como Abdias do Nascimento (PDT-RJ) e Eduardo Suplicy (PT-SP), o deputado criticou o governo militar por insistir em “tutelar” os povos indígenas e denunciou ser alvo de preconceito por parte dos demais parlamentares. Em seguida, o cacique Xavante fez queixas duras do general João Figueiredo, afirmando que o então presidente da República estava “estragando o Brasil”.

“O presidente foi eleito com empresário, presidente foi eleito compromisso com multinacional, com fazendeiro, com empresário e grande empresário”, disse ele. “E aqui gente tá morrendo. E por quê? Porque não tem presidente, não tem autoridade. E toda autoridade é comprada, toda autoridade está se vendendo, quer o dinheiro, quer ganhar dinheiro”.

“Eu quero apresentar exemplo com minha candidatura, porque hoje já podia ter deputado índio. Podia ter deputado aqui no Brasil, mas nós não somos culpados. Quem é culpado, é responsável, é essas pessoas que não dão oportunidade pra índio. É por isso que nós só aprende, só estuda o primário.

Então primeiro eu quero falar em nome do companheiro trabalhador, porque vocês é a mesma coisa como índio, como posseiro, é a mesma coisa como lavrador e é a mesma coisa como a tribo. Esse pessoal que está lá em cima, que a gente sofre repressão da autoridade, esse pessoal é o filho do empresário, o filho do deputado, o filho do senador. Esse resto que é o pessoal filho de pobre, eu quero considerar mais ainda esse pessoal que leva sacrifício, pessoal que sofre muito mais que gente que está vivendo muito bem aqui na Câmara Federal.

E muita gente que achava, quando eu entrei na política, muita gente falava contra Juruna, falava: ‘Imagina como que Juruna vai entrar no plenário, imagina, o índio, o que é que vai resolver no plenário, como é que índio vai representar índio?’ E eu quero saber: imagina, o que é que o branco pode? Talvez índio pode representar melhor do que qualquer deputado, qualquer senador e qualquer da República.

Juruna é o primeiro índio que está representando brasileiro, porque o governo brasileiro não dá oportunidade pra índio, porque ele quer continuar tutelar toda vida índio. E nós não somos tutelados, somos responsáveis, nós somos gente, nós somos ser humano.

Quem não tem consciência me trata como objeto, me trata como boneca. E quando eu passo aqui dentro de plenário e alguns companheiros à frente de mim e faz cara emburrada é ridículo. Eu não vim aqui fuxicar com ninguém, eu vim aqui pra trabalhar, pra defender povo, eu vim aqui pra lutar. Eu quero que gente começa a respeitar nome de Juruna. Eu quero que gente trata índio brasileiro o mais possível dentro do melhor.

Cada um de nós tem consciência e cada um de nós tem capacidade. Ninguém tem menos capacidade. Todos nós tem capacidade e todos nós tem inteligência e todos nós tem a vontade para assumir onde que existe poder. Eu acho esse já é fruto está nascendo aqui dentro do Brasil, esse já é sinal está nascendo aqui dentro do plenário. Único índio que tá falando hoje, único deputado que tá falando hoje: não é terceiro, não é quinto deputado, não é cinquenta deputado. Se tiver ao menos mais cinquenta Juruna, o Juruna já tinha mudado o Brasil.

Governo da República não pode ser indicado por uma pessoa. Presidente da República tem que ser mais votado com povo brasileiro. Até eu me lembro muito bem que antes de 64 Brasil tinha muito ouro, era muito sagrado e hoje Brasil não em mais muito ouro não. Está estragado. O Brasil não tem mais ouro. Quem está estragando o Brasil é o próprio governo federal, é este presidente da República que está estragando nosso Brasil, junto com Delfim, esse responsável pelo Brasil.

Quero falar problema do Brizola. O Brizola é homem, foi cassado, como acontece com o índio, por isso eu apoio Brizola e por isso quero dar liberdade para Brizola, porque, como acontece com o posseiro, como acontece com o índio, o Brizola foi expulso do Brasil sem necessidade. E por que o governo não expulsa outro agora? Expulsa todo o ministério, tira todo o ministério! Bota na rua todo mundo!

Se o governo federal, ele tem capacidade, ao lado do povo, se o governo federal assume, como homem, tira meia dúzia de ministro que atrapalha o nosso Brasil. Tirava meia dúzia, o presidente da República, qualquer um de nós apoiava ele. Nós apoiamos o presidente da República e nós levava para crescer mais ainda o nome dele. Desse jeito, ninguém vai apoiar o presidente. Ninguém pode apoiar sujeira. Eu mesmo não pode apoiar sujeira porque eu quero que o presidente muda o nosso Brasil. Porque o presidente é responsável da Nação, o presidente é juízo do povo, o presidente é o pai do povo, o pai do Brasil. Agora, como está hoje, o presidente é o pai do povo? Não existe pai do povo, não. Aqui não tem pai do povo, não.

O presidente foi eleito com empresário, presidente foi eleito compromisso com multinacional, com fazendeiro, com empresário e grande empresário. Se presidente pai do Brasil, presidente segurava toda barra que está acontecendo no Brasil. E aqui gente tá morrendo. E por quê? Porque não tem presidente, não tem autoridade. E toda autoridade é comprada, toda autoridade está se vendendo, quer o dinheiro, quer ganhar dinheiro.

Às vezes, presidente é bom e assessor diretor quem engana o presidente, assessor que não leva verdade para presidente. Por isso que presidente passa mal assessorado. Se tiver assessor bom, se tiver diretor bom que levava recomendação do povo, eu acredito que presidente atendia pedido do povo.

Sou homem do povo, sou homem de campo, quando me criei não encontrei nem um branco, não encontrei nem um avião, nem automóvel, nem estrada; onde me criei era sertão, eu só escutava canto do passarinho, e hoje eu encontro muito pressão contra índio, e invasor, e estrada. A gente está recebendo muita pressão.

Quando eu tive na Holanda, é país pequeno, todo holandês vive igual. Aqui Brasil é muito grande e muita gente tá precisando da terra. Aqui eu quero pedir a V.Excia., presidente, vamos pensar juntos, vamos reformar o nosso Brasil, viu? Vamos dividir, terra é para posseiro, é terra para fazendeiro, é terra para índio, vamos dividir a nossa terra.”

O Globo