Mourão acha pouco militares gastarem R$ 3,5 milhões com viagra

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Foto: Bruno Batista/VPR

O vice-presidente Hamilton Mourão quer o presidente Jair Bolsonaro ao seu lado no palanque na campanha eleitoral deste ano. Recém-filiado ao Republicanos, ele concorrerá a uma vaga no Senado pelo Rio Grande do Sul. O mais provável é que componha chapa com o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL), pré-candidato ao governo.

Mourão, entretanto, acredita que precisará não somente dos votos bolsonaristas para se reeleger. Em conversas no Estado, ele identificou que há uma parcela significativa de eleitores que votou em Bolsonaro em 2018, mas que está arrependida sobretudo por conta da “conduta do presidente”.

“Eu preciso reconquistar esses eleitores para o nosso lado”, diz Mourão em entrevista ao Valor.

Ele deve ser substituído na chapa presidencial em 2022 por outro general, o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, Braga Netto. Entretanto, Mourão ainda vê “pressões” para que Bolsonaro escolha um político para o posto.

Para Mourão, apesar dos discursos do presidente, as Forças Armadas não são alinhadas ideologicamente a Bolsonaro. Mas reconhece que o presidente tem o voto da maioria dos militares.

O vice também comentou a compra de 35 mil comprimidos de Viagra pelas Forças Armadas, classificando a polêmica em torno do caso como “coisa de tablóide sensacionalista”. Mourão defende as aquisições e argumenta que boa parte da verba utilizada sai de um fundo alimentado por descontos nos salários dos militares. E faz graça com o assunto. “Então, tem o velhinho aqui [aponta para si próprio]. Eu não posso usar o meu Viagra, pô?”

A compra teve como justificativa oficial o uso da droga para casos de hipertensão arterial pulmonar. É uma doença grave, mais comum em mulheres, em que há casos de prescrição da droga em doses mais baixas do que as adquiridas e para uso em pacientes muito jovens. A incidência da hipertensão arterial pulmonar é de um caso a cada 250 mil pessoas o que permite classificá-la como doença incomum, de acordo com a pneumologista Margareth Dalcomo, segundo o site “G1”.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Por que o senhor escolheu o Rio Grande do Sul e qual será a sua plataforma de campanha?

Hamilton Mourão: O Rio Grande do Sul é meu Estado natal, é onde eu tenho família, passei grande parte da minha vida lá. Então, foi uma decisão muito simples. O que eu vejo no Rio Grande do Sul – e onde eu posso tentar auxiliar – é a questão do planejamento integrado para a questão da estiagem, a questão de infraestrutura, os projetos de infraestrutura, principalmente a questão das rodovias.

Valor: Vai compor chapa com o ex-ministro Onyx Lorenzoni?

Mourão: O nosso partido está conversando com o PL. Isso deverá ser definido até as convenções, mas em um primeiro momento nós estamos alinhados. É o cenário mais provável.

Valor: Existe um cenário com muitos candidatos da direita e centro-direita para o Senado no Estado. Isso pode favorecer a Manuela d’Ávila, provável candidata da esquerda?

Mourão: A gente não sabe se a Manuela irá concorrer ao Senado. O PCdoB corre sério risco de ser extinto ou não ter mais participação na vida do Congresso, se ele não atingir a cláusula de barreira. E a Manuela é uma puxadora de votos. Então, talvez ela seja convocada para ser eleita deputada federal.

Preciso não só dos votos dos eleitores do presidente, mas também dos que votaram nele em 2018 e hoje não votariam nele

Valor: O senhor vai querer o presidente Bolsonaro no seu palanque?

Mourão: Claro que vou! O presidente tem um eleitorado bolsonarista forte no Rio Grande do Sul. Vamos lembrar que, na eleição passada, ele teve 3,5 milhões de votos lá no Rio Grande do Sul. Eu calculo que preciso de 2,5 milhões. Então, se ele manteve parte significativa desse eleitorado lá, como parece, eu preciso dele.

Valor: É uma boa colar a sua imagem à dele?

Mourão: É um boa, sim. Estaremos juntos, sem dúvida nenhuma. E, independentemente disso, se ele não tivesse força lá no Estado, eu fui vice-presidente dele e jamais iria atuar contra ele.

Valor: Mas o senhor ao longo do mandato, em alguns momentos, se descolou e divergiu dele. Isso não seria um trunfo, caso precisasse ter essa marca de independência?

Mourão: Eu, na realidade, preciso não só dos eleitores do presidente, como também de outro grupo de eleitores. Talvez aqueles que votaram no presidente em 2018 e hoje não votariam nele. Eu preciso reconquistar esses eleitores para o nosso lado. Isso é um trabalho que eu tenho que fazer.

Valor: O senhor identificou esse tipo de eleitor no Rio Grande do Sul?

Mourão: Identifiquei. Tem uma parcela da classe média, pessoas que eu conheço, que não votariam nele agora.

Valor: O foco de insatisfação [com o presidente] está onde?

Mourão: São coisas da própria conduta dele, pessoas que não compreendiam a maneira dele agir e que ficaram um tanto insatisfeitas. Não votam no Lula, mas também não votam nele.

Valor: A conjuntura econômica também pesa?

Mourão: Eu acho que é mais a questão pessoal, não é uma questão de conjuntura econômica. Até porque essas pessoas não foram tão afetadas pela questão da pandemia, não perderam o emprego. É mais o pessoal que é funcionário público ou aposentado. Não é gente que passe dificuldade.

Valor: O senhor acha que o presidente poderia repensar essa questão do comportamento? Ele vai precisar atrair esses eleitores…

Mourão: Eu acho que ele vem fazendo isso. Ele vem sendo aconselhado pelo grupo que está próximo a ele nessa questão da campanha para que, nos pronunciamentos, ele fale mais das realizações. E o governo tem uma ficha boa de realizações para mostrar. Então, é ele se ater mais a isso aí do que aquelas discussões na pauta de costumes, que ele muitas vezes envereda por esse caminho.

Valor: Mas, depois de um tempo mais comedido, ele tem voltado a atacar o Supremo Tribunal Federal.

Mourão: A questão do Supremo é delicada. Os ministros têm ultrapassado muitas vezes o limite para a atuação do magistrado. Agora mesmo, o ministro [Luís Roberto] Barroso lá em Harvard foi um tanto forte, quando ele fala que o presidente é um inimigo. Eu acho que isso é um troço forte para um ministro do STF falar, ainda mais num palco internacional. [No domingo, sem citar nominalmente Bolsonaro, Barroso disse o seguinte: “Eu não gostaria de ter uma narrativa que está tudo desmoronando. É preciso ter uma compreensão crítica de que há coisas ruins acontecendo, mas é preciso não supervalorizar o inimigo. Nós somos muito poderosos”].

Valor: A questão das urnas eletrônicas já deveria estar encerrada?

Mourão: Todo processo que usa o meio eletrônico e usa transmissão de dados pela internet está sujeito a algum tipo de ataque. Isso é uma realidade. Eu, no ano passado, quando fui falar com o ministro Barroso, e que gerou um certo mal-estar com o presidente, um dos temas que eu tratei com ele é que deveria haver uma maior transparência nesse processo de como funcionam as urnas. Exatamente para dirimir qualquer disse-me-disse em relação à legitimidade desse processo. Ele chamou uma comissão para avaliar as urnas. Teve representantes das Forças Armadas. Isso são formas de a gente melhorar esse processo. Mas, eu até hoje digo que não houve ainda uma evidência clara de que ocorreu alguma fraude no processo eleitoral. Se tivesse ocorrido, esse segredo não teria permanecido por tanto tempo.

Eu não posso usar o meu Viagra, pô? Esse não é um recurso orçamentário. É recurso nosso, eu coloquei dinheiro lá
Valor: Qual a participação dos partidos nesse processo?

Mourão: A partir do momento em que a votação enveredou para esse meio eletrônico, os partidos deixaram de ter uma fiscalização efetiva. Eu acho que os partidos deveriam, a cada urna, verificar o boletim da urna. E eles fazerem uma totalização paralela, de modo que pudesse bater com o resultado final. Porque, se o voto fosse contado, os partidos fariam isso.

Valor: Como é que o senhor vê o atual quadro eleitoral, com o ex-presidente Lula à frente nas pesquisas, Bolsonaro começando uma reação e uma tentativa de geração de um candidato da terceira via?

Mourão: Eu acho que as pesquisas estão um tanto quanto distorcidas. Pode ser que o Lula esteja na frente, efetivamente, mas não com essa diferença que aparece.

Valor: O senhor tem alguma pesquisa interna a esse respeito?

Mourão: Não. É por andar na rua. A partir de agora, quando o Lula tem que se mostrar, porque o Lula estava jogando parado, quietinho, dentro da moita dele, e o presidente Bolsonaro tomando tiro todo dia. Acho que ele [Lula] começa a falar algumas coisas que não são perfeitamente coerentes, e aí começa a tomar o contravapor dele. Começa, então, a haver uma aproximação do presidente em cima do Lula.

Valor: E a questão da pandemia?

Mourão: A pandemia ficou para trás. O número de óbitos caindo cada vez mais, a vacinação foi um sucesso e aí as pessoas esquecem. As pessoas passaram dois anos dentro de casa com raiva, e onde é que elas descontavam a raiva? Em cima do governo, é o cachorro a ser chutado. [Houve] uma série de medidas econômicas que foram tomadas para tentar aliviar a situação inflacionária e o problema do desemprego. O auxílio emergencial está pagando R$ 400. A liberação do recurso do FGTS, o adiantamento do 13º do aposentado. Isso leva à subida do presidente.

Valor: Tem espaço para uma terceira via?

Mourão: A terceira via não conseguiu seduzir a população até agora. Aí todo mundo fala que tem um grupo de 25% a 30% que não vota nem em A nem em B. Mas esse grupo também não conseguiu se sentir seduzido pela terceira via. Tem o Ciro [Gomes], variando na faixa de 7% a 8%. Tinha o [Sergio] Moro, com 8% a 9%. E o resto está com 2%, 1%. O Ciro não compõe com esses caras. Esses caras também não conseguem se entender. Há uma tentativa de um golpe dentro do PSDB para tirarem o [João] Doria e o Eduardo Leite aparecer como candidato, se juntar com o MDB. Difícil.

Valor: Como o senhor viu a fala do Lula sobre demitir 8 mil militares do governo?

Mourão: Esse número não corresponde à realidade. Você tem em todo o governo 2 mil, 2 mil e poucos militares que estão dentro do Ministério da Defesa, que são cargos de natureza militar. O GSI tem mais de mil. Todo governo tem esse plantel. Aí você tem a turma que está dentro dos ministérios. Quando você fala militar, você olha para as Forças Armadas, mas está cheio de policial militar nisso. Ele fala isso para tentar agradar o nicho da esquerda. Ele vai tirar os militares de dentro do governo e volta aquela turma que estava com ele, dos sindicalistas, que foi o que aconteceu no governo do PT. Havia sindicalista espalhado por tudo quanto é lugar.

Valor: Essa declaração aumenta a animosidade em relação ao PT?

Mourão: As Forças Armadas são naturalmente disciplinadas. Isso é da natureza das Forças. As Forças Armadas já viveram 13 anos sob o governo do PT. Não concordaram com muitas das coisas que foram realizadas, principalmente aquelas questões ligadas à Comissão da Verdade, PNDH 3 [Plano Nacional de Direitos Humanos 3]. Mas não passaram de protestos formais e dentro da cadeia de comando.

Valor: A Comissão da Verdade contribuiu para o alinhamento das Forças Armadas ao bolsonarismo?

Mourão: As Forças Armadas não são alinhadas ao Bolsonaro nessa questão ideológica. O que as Forças Armadas pensam é dentro de sua missão constitucional: defesa da pátria, garantia da lei e da ordem, dos poderes constitucionais. E, obviamente, qualquer regime, qualquer grupo que tenha ideias totalitárias, as Forças Armadas não concordam. Seja de extrema direita, seja de extrema esquerda.

Valor: O presidente Bolsonaro vende que há um alinhamento…

Mourão: É uma forma dele expressar, perante a população brasileira, que ele tem um apoio significativo. É óbvio que dentro das Forças o militar eleitor vota majoritariamente com o Bolsonaro.

Valor: Bolsonaro repetirá a fórmula de ter na vice um general da reserva. O senhor acha acertado?

Mourão: O presidente deve ter feito o estudo de situação e chegado à conclusão de que não precisaria agregar mais valor à chapa. Agregar valor seria trazer um político ou uma política que trouxesse um outro grupo para apoiá-lo. Ele julgou que poderia ficar com a mesma constituição de chapa.

Valor: Se ele trouxesse alguém do Centrão, isso não o prejudicaria entre o eleitor que é “anticorrupção”?

Mourão: Isso depende de quem, de qual nome seria. Acho que houve e ainda há uma pressão porque ele não disse ainda que o Braga Netto é 100%. Ele disse que é 90%. Então, ainda tem 10% aí de margem. Há uma pressão da ala política para que ele escolha uma outra pessoa, até uma mulher…

Valor: Como o senhor vê a presença do Centrão no governo?

Mourão: O Centrão é um ponto de equilíbrio dentro do Congresso. Para você conseguir governar hoje, é preciso ter uma maioria estável dentro do Congresso. Isso é uma realidade, ainda mais num sistema fragmentado como o nosso. O Centrão soube entender esse papel dele e, ao longo de todos os últimos governos, ele manteve essa posição. Quem quis alijar o Centrão não conseguiu governar, teve que ir lá fazer um acordo com eles.

Valor: Nas últimas semanas, houve uma série de denúncias de corrupção no governo. Isso tira a bandeira do governo de combate à corrupção?

Mourão: Se há algum indício de que está ocorrendo alguma ilegalidade, tem que ser investigada. É para isso que está aí o Ministério Público, a Polícia Federal. Que se investigue. Esses problemas de Codevasf, de FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimeto da Educação), que se apure. Em relação ao FNDE, logo no começo de 2019 houve aquela questão da compra de laptops e a própria CGU pegou e cortou o processo de licitação. Houve essa questão dos ônibus: a mesma coisa, controle interno foi em cima. Há tentativas de gente que está lá dentro. Você nunca consegue tirar todo mundo que está num esquema. E o caso do Ministério da Educação, dos pastores, que se investigue. Agora, que vai ser explorado na campanha eleitoral, vai.

Valor: A economia será o principal tema da eleição?

Mourão: A questão econômica é claro que vai estar. Mas qualquer um dos candidatos, seja Bolsonaro, o Lula ou o cara da terceira via, ele se vier a prometer coisas que serão impossíveis estará cometendo estelionato eleitoral. Ele não conseguirá mudar o país se não fizer as reformas estruturantes que a gente tem que fazer. Nós temos que melhorar o nosso sistema tributário, que é complicado, caótico. Tem uma evasão, sonegação, é caro, regressivo, tem uma série de problemas. Temos que fazer uma efetiva reforma do Estado, de forma que o Estado custe menos para a população e preste melhores serviços. E outras pequenas reformas infralegais que melhorem o ambiente de negócios. Quem sair desse pacote não vai conseguir levar este país para a frente.

Valor: A pauta de costumes não será central?

Mourão: Haverá uma questão “sideline” [lateral]. Vai ter essa questão de aborto, racismo… Mas são problemas que, no conjunto da obra que nós vivemos no Brasil, são de menor importância. Outra questão que também vai estar em pauta nesta campanha é a do meio ambiente.

Valor: E como o senhor vê isso? A pauta ambiental gerou muito noticiário negativo para o governo…

Mourão: Nós estamos entrando numa melhor fase da questão do combate ao desmatamento na Amazônia. Depois de muito vaivém, o Ministério do Meio Ambiente tem a operação Guardiões do Bioma. Montaram um planejamento sério hoje, com meia dúzia de bases localizadas nas principais áreas onde ocorrem ilegalidades, com ações fortes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, as agências ambientais. Começaram realmente a trabalhar integrados o tempo todo. É um esforço que vai custar cerca de R$ 250 milhões a R$ 260 milhões, um gasto significativo para encarar essa questão do desmatamento..

Valor: O ministro Joaquim Leite faz um trabalho melhor do que o Ricardo Salles?

Mourão: Eu não gosto de criticar o Salles. Ele tem as características dele, é um cara mais aguerrido. O Leite é mais formiguinha, tem sabido fazer esse papel, esse diálogo com as diferentes instituições. Lá na COP-26 (Conferência do Clima) ficou aquela história de que o Brasil não iria apresentar… Nós estamos avançando em coisas que os outros países não estão. A questão da guerra da Rússia e da Ucrânia esse assunto meio que mergulhou. Porque a questão energética na Europa se tornou um problema capital lá. E eles têm um problema lá. Porque as emissões maiores são dos combustíveis fósseis. Quem queima carvão, petróleo são eles.

Valor: Como o senhor vê esse noticiário da compra de Viagra pelas Forças Armadas?

Mourão: Isso é uma coisa de tabloide sensacionalista.

Valor: Está havendo um exagero na repercussão?

Mourão: Lógico que está havendo exagero. Mesmo que seja para o cara usar [para disfunção erétil]. Vamos colocar como funciona o sistema de saúde do Exército: um terço é recurso da União, que é o chamado fator de custo, é a contrapartida da União para os militares. E dois terços é o fundo de saúde que é bancado pela gente. Então, eu desconto 3% do meu salário para o fundo de saúde. E todos os procedimentos que eu faço a gente paga 20%, além dos 3% que ele desconta. Nós temos farmácias. A farmácia vende medicamentos. E o medicamento é comprado com recursos do fundo. Então, tem o velhinho aqui [aponta para si próprio]. Eu não posso usar o meu Viagra, pô? O que são 35 mil comprimidos de Viagra para 110 mil velhinhos que tem? Não é nada.

Valor Econômico