Mulher de 89 anos receberá R$ 1 mi por ter sido escravizada

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Foto: Google Street View/ Reprodução

O Ministério Público do Trabalho entrou com ação civil pública contra pessoas de uma mesma família de Santos por submeterem uma mulher negra de 89 anos a trabalho análogo à escravidão desde os anos 1970, por cerca de 50 anos. A Procuradoria requereu à Justiça que reconheça a submissão da vítima à situação de trabalho análogo ao escravo, com a condenação do grupo ao pagamento de indenização de R$ 1 milhão por danos morais coletivos. O MPT pediu o bloqueio de bens da família, para garantir o pagamento dos valores, e diz que o montante será revertido a programas específicos de combate ao trabalho escravo.

A Procuradoria tomou conhecimento do caso em 2021, através da 2ª Vara do Trabalho de Santos, após denúncia de maus tratos feita à Delegacia de Proteção às Pessoas Idosas. Hoje, após investigação, a senhora está sob cuidados de seus parentes e recebe, por ordem da Justiça do Trabalho, pensão mensal no valor de um salário mínimo. Também foi determinado que a família acusada custeie o plano de saúde da vítima.

“A dita escravidão contemporânea tem cor, raça, e no caso do trabalho doméstico, gênero. São as mulheres negras, em sua maioria nordestinas, vítimas de uma vulnerabilidade social extrema que aceitam o trabalho doméstico, muitas vezes em troca apenas de comida e moradia”, alerta o procurador do MPT Rodrigo Lestrade Pedroso, apontando ainda os ‘ares de crueldade criminosa’ do caso.

As informações forma divulgadas pela Procuradoria nesta segunda-feira, 4. O MPT não divulgou a íntegra da ação para preservar a identidade da vítima. O caso corre sob segredo de Justiça.

De acordo com o MPT, a mulher de 89 anos trabalhava como empregada doméstica na casa situada no litoral paulista, mas nunca recebeu salário, era impedida de sair de casa sozinha e sofria abusos físicos e verbais por parte da ‘empregadora’ e de suas filhas.

A vítima narrou à Justiça que, que época em que começou a trabalhar na casa da família, havia perdido sua carteira de identidade, sendo que os ‘empregadores’ prometeram que a ajudariam a providenciar uma nova – o que não ocorreu. A família ainda impedia a senhora de guardar valores e de sair para solicitar novas vias de seus documentos.

De acordo com a Procuradoria, a anciã chegava a implorar que a deixassem procurar sues familiares, as os ‘empregadores’ respondiam que, se ela buscasse seus parentes, perderia para sempre o abrigo e alimentação que recebia ali.

A ação trabalhista indica que as duas filhas da idosa resgatada a procuraram durante as cinco décadas, sem saber se a mãe estava viva ou morta. Uma delas faleceu antes do reencontro. A outra desenvolveu ‘graves problemas psicológicos por conta do abalo com o desaparecimento da mãe e hoje precisa de cuidados especiais’, relata o MPT.

“Com os anos, a situação de saúde de Laura piorou e a violência física e psicológica se intensificou. As filhas da patroa proferiam xingamentos e humilhações constantes aos gritos contra ambas as idosas. Laura relatou após seu resgate ter sofrido também agressões físicas com “tapas e socos”. Em uma dessas ocasiões, uma vizinha de apartamento resolveu denunciar o caso em 2020 à Delegacia de Proteção às Pessoas Idosas, para onde enviou gravação das agressões verbais em que se ouvia uma das filhas gritando: “(…) essa sua empregada vagabunda; essa cretina, demônia (…)””, narrou a Procuradoria.

Na ação civil pública contra a família, a Procuradoria do Trabalho explica que a ‘ex-empregadora’ da vítima faleceu em 2021, assim como duas de suas três filhas. O MPT defende que toda a família se beneficiou da ‘situação degradante’ da idosa, ‘já que também administravam a casa e lhe davam ordens diretas, aproveitando-se do fato de que havia alguém para cuidar da mãe em tempo integral, sem custo algum’.

Nessa linha, a Procuradoria pediu o bloqueio de bens de todos os familiares, inclusive os inventários das falecidas. O procurador Rodrigo Lestrade Pedroso destaca que o fato de os réus não morarem no local onde a vítima prestava os serviços não afasta o vínculo empregatício, uma vez que o trabalho era destinado ao núcleo familiar.

Estadão