Novo dono do Twitter pode eliminar perfis satíricos

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Foto: Myke Sena/Especial Metropoles

Acompanhar “celebridades” que na verdade ninguém sabe quem são faz parte da rotina dos usuários do Twitter. A rede (por enquanto) não tem uma política que proíba a prática e é lar de inúmeros perfis que fazem sátira de pessoas que existem ou criam personagens que só “vivem” no mundo virtual (além de perfis que fingem ser outras pessoas). Sob o novo comando de Elon Musk, é possível que tudo isso mude.

O homem mais rico do mundo e que está comprando a rede social do passarinho azul por US$ 44 bilhões (cerca de R$ 215 bilhões) deu apenas declarações vagas sobre seus planos, mas é de conhecimento geral seu ódio por perfis automatizados e inautênticos, os robôs. Para além disso, o bilionário já disse que pretende “autenticar todos os humanos”. O que isso pode significar virou um dos grandes debates sobre as consequências da troca de mãos do Twitter, que, se o negócio for concluído, se tornará uma empresa de capital fechado.

 

O cardápio de perfis “não humanos” no Twitter é amplo. Na maioria dos casos, ele pertencem a usuários que buscam aproveitar uma das primeiras características da internet: a possibilidade de se expressar anonimamente. Alguns perfis anônimos são humorísticos, outros religiosos e outros tantos tratam de divulgar notícias e opiniões sobre assuntos específicos, como esportes ou ciência. Boa parte deles se movimenta no mundo político.

Tanto entre militantes progressistas de esquerda quanto conservadores de direita, o anonimato é usado como uma ferramenta para expressar opiniões e visões políticas sem o risco de sofrer ataques que podem descambar para fora do mundo real, além de ameaçar relacionamentos e empregos.

Alguns desses perfis anônimos de fundo políticos são usados para divulgar denúncias e críticas sobre problemas em órgãos públicos. É o caso do perfil intitulado O Fiscal do Ibama, que somava 144 mil seguidores no Twitter na última terça-feira (26/4). Criado em julho de 2015, essa arroba se concentra em denunciar irregularidades na área ambiental do governo de Jair Bolsonaro (PL) e alega ser resultado de um trabalho colaborativo que inclui servidores de órgãos federais.

Sem o anonimato garantido pelas regras atuais, esses servidores estariam sujeitos a vários tipos de constrangimentos se realizassem as postagens “de cara limpa”.

Possíveis barreiras à liberdade dada pelo anonimato já causam preocupação globalmente. As Federações Internacional e Europeia de Jornalistas (IFJ/EFJ, nas siglas em inglês), por exemplo, divulgaram comunicado alertando que “autenticar todos os humanos” é algo que “desafiaria seriamente a proteção daqueles cujas opiniões ou identidades não se alinham com aqueles no poder, entre os quais muitos jornalistas e fontes em todo o mundo que incomodam os poderosos”.

Entre as arrobas anônimas que podem entrar na mira das mudanças planejadas por Elon Musk estão perfis com dezenas ou centenas de milhares de seguidores, com influência no debate político tanto no governismo quanto na oposição.

Um dos maiores, com mais de um milhão de seguidores, é o que ficou conhecido como Dilma Bolada. Até tem um “dono” não anônimo, o publicitário Jefferson Monteiro, mas que não teria condições de provar sua identidade com um documento, por exemplo, já que Dilma Bolada não existe.

Perfis críticos ao presidente Bolsonaro, como o Agenda do Jair (56,5 mil seguidores), que cobra o chefe do Executivo pelas supostas poucas horas de trabalho, se tornaram célebres até fora do mundo virtual em 2021, quando trabalharam para fornecer material aos senadores da CPI da Pandemia e foram citados várias vezes pelos senadores opositores.

Outros fazem críticas só por meio da zoeira, como as arrobas Luiz Patriota (61 mil seguidores) e Coronel Siqueira (226,5 mil), que fingem ser militantes bolsonaristas para, na verdade, denunciar atos e omissões do governo ou brincar com os verdadeiros militantes.

Entre os militantes bolsonaristas, a mudança de mãos da rede do passarinho está sendo comemorada com muita empolgação, já que Elon Musk se diz contra a moderação de conteúdo nas redes para além do que é exigido por lei. Nessa militância virtual governista, porém, o possível fim do anonimato também pode ter consequências para perfis com muitos seguidores.

É o caso do perfil satírico que se identifica como Joaquim Teixeira (328,1 mil seguidores) e usa e abusa do politicamente incorreto para fazer piadas e divulgar pautas bolsonaristas, o que já lhe rendeu alguns retuítes do perfil do próprio presidente da República.

Usando a ex-primeira ministra inglesa Margaret Thatcher, o perfil Dama de Ferro (396,8 mil seguidores) é outro que usa o anonimato para defender o governo e seus membros, além de advogar por pautas conservadoras. O mesmo ocorre com a arroba intitulada Patriotas, que defende Bolsonaro para seus 336,5 mil seguidores.

Profissional da internet, Thoran Rodrigues, CEO e fundador da BigDataCorp, disse ao Metrópoles que ainda há muito mais dúvidas do que certezas sobre o que pode acontecer com o Twitter nas mãos de Elon Musk.

“A primeira coisa é ter certeza de que realmente a empresa irá para as mãos dele”, alertou. “Embora a empresa tenha aceitado a oferta de compra, a provação regulatória nos Estados Unidos é complicada e deve durar meses”, explica ele, que também tem muitas dúvidas sobre a chamada “autenticação de humanos”.

“Difícil saber o que virá, pois muito do crescimento e do engajamento do Twitter vem de contas automatizadas ou anônimas. E como ele fará? Vai pedir documento ou reconhecimento facial? Será que isso não poderá afastar pessoas da plataforma?”, questiona ele, que acredita que a possível autenticação não precisa significar obrigatoriamente a exclusão de contas anônimas e robôs.

“Talvez a autenticação tenha a ver com um novo modelo de negócios, afinal um dos objetivos de Musk deverá ser melhorar a estratégia comercial da plataforma. Talvez ele venda anúncios garantindo que só vai entregá-los para pessoas reais. Ou talvez livre quem se autenticar de receber anúncios”, exemplifica Thoran Rodrigues.

Para a especialista em democracia e comunicação digital Maria Carolina Lopes, o novo dono ainda terá de pensar muito sobre as consequências de uma mudança tão drástica nas regras da rede. “Se ele tiver o objetivo de manter a plataforma comercialmente ativa, ele precisa de engajamento e perfis anônimos fazem parte da estrutura que leva ao engajamento dessa plataforma”, afirma ela.

“Ao perceber isso, é possível que ele volte um pouco atrás. Se ele fala tanto em liberdade de expressão, por que cercear perfis anônimos?”, questiona ainda a pesquisadora, que é mestre em democracia pela Universidad de Salamanca e em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB).

Metrópoles