ONU quer que Brasil revogue Lei da Anistia

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Foto: Kaoru/CPDoc

Membros do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) revelaram com exclusividade à coluna que avaliam recomendar ao Brasil que coloque um fim à Lei de Anistia no país, permitindo que crimes como o da tortura ou de desaparecimentos possam ser investigados. Pela primeira vez em quase duas décadas, o órgão realiza um exame da situação de direitos humanos no Brasil e, nos próximos meses, chamará o governo para uma sabatina. A partir da coleta de informações e respostas dadas pelas autoridades, o Comitê apresentará suas recomendações.

Nas últimas semanas, o órgão sinalizou que, de fato, a questão do regime militar entre 1964 e 1985 está em foco, além de temas como violência policial, indígenas, movimento negro e a própria democracia. No caso da recuperação do passado, a meta do órgão não é apenas escrever a história do país.

Mas principalmente lidar com a questão da impunidade, até hoje sem uma resposta. O Comitê não tem como obrigar um estado a seguir suas recomendações, uma realidade que a ONU vive em diversos setores. Mas um gesto neste sentido ampliaria a pressão política e o constrangimento internacional sobre o país.

No início de abril, num documento enviado ao Itamaraty e que já serve de indicação do que será o foco dos peritos, o Comitê da ONU pede ao governo “informações sobre o progresso feito para responsabilizar os autores de abusos históricos dos direitos humanos durante o período da ditadura militar (1964-1985), incluindo a elaboração da implementação concreta das recomendações da Comissão de Anistia e da Comissão Nacional da Verdade”.

O pedido foi interpretado em Brasília como um sinal de que os peritos vão tentar reabrir o debate. Para o governo Bolsonaro, o evento de 1964 não foi um golpe e mecanismos que existiam para examinar a questão da tortura foram minados, o que abriu um profundo mal-estar entre os departamentos de direitos humanos dos organismos internacionais e os corredores de Brasília.

O órgão ainda quer saber sobre as condenações obtidas por tais violações e os pagamentos de indenização feitos às vítimas, incluindo a reparação fornecida aos povos indígenas nos casos em que foram identificadas violações de seus direitos.

Outro aspecto do documento vai direto no centro do debate. O Comitê pede para que o governo comente “sobre a compatibilidade da Lei de Anistia de 1979 com as recomendações das comissões da verdade relevantes e as disposições das leis internacionais”. Peritos ouvidos pela coluna confirmaram que existe um consenso entre os juristas internacionais de que uma lei de anistia não pode ser usada para impedir a punição de crimes, como o da tortura.

Ao longo dos últimos três anos, o governo Bolsonaro passou a ser acusado por relatores da ONU de estar violando pactos internacionais e de tentar rescrever o passado do país, minimizando a tortura e outros crimes. Em diferentes cartas, as entidades solicitaram um posicionamento do governo e criticaram o que acreditam que sejam graves violações de direitos humanos. Essa não é a primeira vez que a Lei de Anistia aparece no debate na ONU.

Mas, diante das novas revelações que confirmam a tortura no Brasil durante os Anos de Chumbo, o exame internacional ganha uma nova dimensão. Em 2021, o Comitê da ONU sobre Desaparecimentos Forçados recomendou que a Lei de Anistia não possa ser usada para impedir que casos de crimes da ditadura militar (1964-1985) sejam investigados e punidos.

Entre as propostas, a entidade pede ao estado brasileiro:

(b) remover quaisquer impedimentos legais às investigações sobre os desaparecimentos forçados perpetrados durante o regime militar que ainda não cessaram, em particular no que diz respeito à aplicação da Lei de Anistia.

Dois anos antes, um documento elaborado pelo governo de Jair Bolsonaro sobre desaparecimentos forçados no Brasil simplesmente omitiu a existência da ditadura militar no país entre 1964 e 1985. O informe entregue pelo Itamaraty em junho de 2019 sobre a situação do crime de desaparecimento no país ainda deixa claro que defende que qualquer tipificação do crime no Brasil seja limitada pela Lei de Anistia.

Também chamou a atenção de peritos o fato de o governo insistir que, caso o desaparecimento forçado seja tipificado na lei brasileira, ele terá de se ater aos limites impostos pela Lei de Anistia.

Ou seja, qualquer pessoa envolvida num tal ato não poderia ser punida. Um projeto de lei tramita neste sentido no Congresso. Naquele momento, o Instituto Vladimir Herzog alertou a ONU sobre o caráter “extremamente grave e problemático” de apresentar a questão da tipificação do crime limitada à Lei de Anistia.

“É uma interpretação extremamente equivocada que está em absoluto desacordo com os regulamentos e tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que postulam que as leis de anistia não podem e não devem ser aplicadas em casos de crimes como tortura e desaparecimento forçado”, afirmou o instituto.

“Como já apresentado pela Comissão Nacional da Verdade em sua recomendação, o Estado brasileiro deve proceder com a determinação da responsabilidade criminal, civil e/ou administrativa dos agentes públicos que praticaram graves violações de direitos humanos”, insiste a entidade.”É urgente que o país enfrente uma vergonhosa e imperdoável história de impunidade para os crimes da ditadura.”

Uol