Polícia omite de relatório sobre escuta dados que comprometem Bolsonaro

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Foto: Reprodução

A Polícia Civil do Rio de Janeiro omitiu do relatório sobre as escutas telefônicas da Operação Gárgula a menção ao Palácio do Planalto feita pela irmã do ex-policial militar Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro de 2020.

A conversa entre Daniela da Nóbrega, irmã do ex-PM, e uma tia é classificada como de prioridade alta. Contudo, apenas um resumo do diálogo entre Tatiana, outra irmã de Adriano, e a tia ocorrido na mesma ligação é descrito no documento.

Como a Folha revelou nesta quarta-feira (6), Daniela afirma a uma tia, dois dias após a morte do irmão numa operação policial na Bahia, que ele soube de uma reunião envolvendo seu nome no palácio e do desejo de que se tornasse um “arquivo morto”.

“Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disso, já. Foi um complô mesmo”, disse ela na gravação autorizada pela Justiça.

Procurados, o Palácio do Planalto e a defesa de Daniela não se posicionaram sobre o conteúdo das escutas. A Polícia Civil não comentou o caso até a publicação da reportagem.

A conversa de 6 minutos e 51 segundos ocorreu no dia 11 de fevereiro de 2020 por meio do telefone de Tatiana, alvo das escutas.

O relatório da polícia enviado para o Ministério Público do Rio de Janeiro, responsável por conduzir a Operação Gárgula, menciona que o arquivo contém uma conversa entre Daniela e a tia, por meio do aparelho da irmã.

Contudo, o resumo descrito tem apenas os trechos da parte em que Tatiana conversa com a tia, relatados em três frases.

O texto descreve acusações da irmã de Adriano contra o Tribunal de Justiça e que um bicheiro pagou pela absolvição de seu irmão num processo em que era acusado de homicídio de um flanelinha durante uma operação policial. Na gravação, não há referência ao nome do magistrado.

O comentário dos agentes de inteligência, porém, inclui a fala da tia a Tatiana após a conversa com Daniela, atribuindo de forma equivocada a fala à irmã de Adriano.

“Tatiana diz que Daniela sabe de muitas coisas”, diz o texto.

Os resumos do relatório de transcrições, feito pela Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil, servem para descrever aos responsáveis pela investigação o conteúdo das conversas mais relevantes. Ele ajuda a orientar os rumos da apuração e dados a serem aprofundados.

Em muitos casos, os promotores ou delegados sequer ouvem a íntegra das escutas, usando como base para suas análises o resumo feito pelos agentes da polícia. Apenas algumas das conversas são ouvidas diretamente pelo responsável da investigação, geralmente aquelas com ligação direta com o crime apurado.

A Operação Gárgula tinha como objetivo apurar a lavagem de dinheiro do ex-PM e a estrutura para escondê-lo até fevereiro de 2020, quando foi morto após mais de um ano foragido sob acusação de comandar a maior milícia do Rio de Janeiro. Ele também era suspeito de envolvimento no esquema da “rachadinha” no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa fluminense.

Nem Daniela nem Tatiana são acusadas pelos crimes investigados no procedimento.

O relatório, por sua vez, descreve duas passagens em que o presidente Jair Bolsonaro é mencionado pelos investigados, como revelado pelo site The Intercept em fevereiro do ano passado. Uma é o trecho em que Tatiana diz que Adriano era acusado de integrar uma milícia apenas para vincular o presidente aos grupos paramilitares.

“Pessoal cisma que ele era miliciano. Ele não era miliciano não. Era bicheiro. […] Querem pintar o cara numa coisa que ele não era por causa de coisa política. Porque querem ligar ele ao Bolsonaro. Querem ligar ele a todo custo ao Bolsonaro.”

“Aí querem botar ele como uma pessoa muito ruim para poderem ligar ao Bolsonaro. Aí já disseram que foi o Bolsonaro quem assassinou. Quando a gente queria cremar diziam que e a família queria cremar rápido porque não era o Adriano. Uma confusão.”

A fala é resumida pelos agentes da seguinte forma: “Tatiana diz que querem ligar ele ao Bolsonaro”.

Outra menção ao presidente presente no relatório é a feita por Luiz Carlos Felipe Martins, sargento da PM acusado de ser braço-direito de Adriano, e um homem não identificado.

“Ele falava para mim: ‘Orelha, nunca vi isso. Estamos se fudendo por ser amigo do presidente da República. Porra, todo mundo queria uma porra dessa. Sou amigo do presidente da República e to me fudendo’. Morreu por causa disso”, disse o sargento.

O resumo descreve a menção à amizade entre os dois, mas não cita que a relação foi, para o PM, a causa da morte.

Orelha, como era conhecido o sargento PM, foi morto numa emboscada no dia 20 de março de 2020, dois dias antes do cumprimento de mandados de prisão e busca da Operação Gárgula. O homicídio ainda não foi esclarecido.

Um dia antes do assassinato, o site The Intercept Brasil revelou informações do relatório da Polícia Civil que descrevia a disputa pelos bens deixados por Adriano após sua morte. Dez dias antes, o site também havia revelado os resumos dos diálogos em que Orelha e Tatiana mencionavam o presidente.

Folha