Prefeitos renovam denúncias sobre “balcão de negócios” no MEC
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Em depoimento a senadores, prefeitos de diferentes regiões do país confirmaram indícios de tráfico de influência na distribuição de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), citando reunião na casa do ex-ministro Milton Ribeiro, a participação de pastores na intermediação e pedido de propina em ouro.
O pedido de propina em ouro foi confirmado pelo prefeito de Luis Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), segundo quem um dos pastores cobrou “um quilo de ouro” em um restaurante de Brasília. Já José Manoel de Souza, de Boa Esperança do Sul (SP), disse que a liberação de recursos para uma escola profissionalizante foi condicionada ao adiantamento de R$ 40 mil “na conta da igreja evangélica”.
A Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado realizou nesta terça-feira (5) uma audiência para ouvir prefeitos que apontaram as irregularidades nas negociações para distribuição de recursos.
Os prefeitos foram convidados após confirmarem indícios da existência de um balcão de negócios para a distribuição de recursos no âmbito do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
As negociações seriam intermediadas por dois pastores, Arílton Moura e Gilmar Santos, que não tinham nenhuma conexão com o Ministério da Educação.
Os dois pastores, próximos ao presidente Jair Bolsonaro (PL), priorizariam a liberação de valores para gestores próximos a eles e a prefeituras indicadas pelo centrão, bloco político de sustentação ao governo.
A crise ganhou novas proporções com a divulgação de um áudio pela Folha, no qual o então ministro Milton Ribeiro afirma que prioriza amigos e indicações do pastor Gilmar Santos, a pedido do presidente Jair Bolsonaro.
Ele ainda indica haver uma contrapartida supostamente direcionada à construção de igrejas.
Na segunda-feira (28), Milton Ribeiro foi exonerado do cargo, em uma tentativa de diminuir o desgaste do governo. Os dois pastores têm proximidade com Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Vários prefeitos na sequência apresentaram novas denúncias, como o pedido de propina de um quilo de ouro por parte dos pastores, para conseguir liberar verbas de obras de educação para as cidades. Um quilo de euro equivale a cerca de R$ 300 mil.
Participaram de audiência no Senado nesta terça-feira (5) cinco prefeitos, dos quais três confirmaram pedidos de propina feitos pelos pastores: Gilberto Braga, de Luís Domingues (MA); Kelton Pinheiro, de Bonfinópolis (GO) e José Manoel de Souza, de Boa Esperança Do Sul (SP).
Por outro lado, disseram não ter ouvido nenhum pedido de propina Calvet Filho, de Rosário (MA); e Helder Aragão, de Anajatuba (MA). Os municípios governadores por esses dois prefeitos, no entanto, obtiveram recursos do FNDE.
“Três dos cinco prefeitos disseram que foram achacados pelo pastor Arílton, que solicitava propina em troca de empenho de recursos, R$ 15 mil na conta dele, um quilo de ouro por ocasião do empenho, R$ 40 mil na conta da igreja para liberar uma escola profissionalizante […] Todos esses prefeitos que não toparam dar a propina, os municípios desses prefeitos nenhum recebeu nenhum centavo do FNDE”., afirmou o presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, Marcelo Castro (MDB-PI).
“Dois outros prefeitos que receberam recursos vultosos, um deles recebeu quatro obras novas quando tinham três obras paralisadas no seu município, sendo que o dever do FNDE seria concluir as obras inadequadas, mas colocou recursos para quatro obras novas. Outro prefeito que disse que não recebeu pedidos de propina teve cinco obras novas no seu município, onde havia duas obras paralisadas”, completou.
O pedido de propina em ouro foi confirmado aos senadores pelo prefeito de Luis Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB).
Ele descreveu que participou de um evento no Ministério da Educação, no dia 7 de abril, no qual os pastores estavam na mesa principal, ao lado do ministro. Na sequência, todos os prefeitos participantes, cerca de 20 a 30, foram convidados para um almoço pelo pastor Arílton Moura.
Braga disse que o então ministro Milton Ribeiro não participou, mas os pastores Moura e Gilmar Santos estavam lá.
“A conversa lá era muito aberta. Ele [Arilton] virou para mim e disse: ‘Cadê suas demandas?’. Eu apresentei minhas demandas para ele e ele falou rapidamente: ‘Você vai me arrumar R$ 15 mil para protocolar suas demandas e, depois que o recurso tiver empenhado, como sua região é de mineração, você vai me trazer 1 kg de ouro'”, afirmou durante a sessão no Senado.
O prefeito então disse que não respondeu “nem sim e nem não”, apenas se afastando. A conversa, no entanto, prosseguiu com outros prefeitos, de maneira “aberta”, sem reservas.
O chefe do Executivo de Luis Domingues então disse que não recebeu nenhuma liberação de recursos desde então.
Desfecho diferente foi vivenciado pelo prefeito Calvet Filho (PSC), de Rosário (MA).
O dirigente municipal conta que obteve empenhos de cerca de R$ 8 milhões, para obras em duas creches e três escolas, que ele conta terem sido abandonadas pelo governo do PT e que estavam “virando elefante branco”.
Calvet Filho negou qualquer pedido ou pagamento de propina. Também disse não ter nenhuma negociação com os pastores Gilmar Santos e Arílton Moura e que não os conhece pessoalmente. Por outro lado, o prefeito manteve uma relação mais próxima com o então ministro Milton Ribeiro.
A negociação para a liberação dos recursos se deu diretamente com Milton Ribeiro, no dia 5 de janeiro, no apartamento do ministro e não na sede do MEC.
“Conseguimos essa agenda para falar com o ministro. Não foi uma agenda formal, para falar no ministério. Foi aonde ele estivesse”, afirmou aos senadores o prefeito, evangélico, que abriu sua fala louvando “a Deus pela oportunidade”.
O prefeito afirma que não houve tráfico de influência. Disse que os recursos apenas estavam presos por causa de “burocracia” e que o governo Bolsonaro foi eficiente para destravar essas questões. Também disse não conhecer o pastor pessoalmente.
“Não conheço o pastor Gilmar Santos pessoalmente. Conversei com o pastor para tratar de uma agenda evangélica aqui na minha cidade. Ele é uma figura nacional”, afirmou.
“Foram liberados recursos, as empresas estão fazendo as obras, fazendo as medições, estão sendo liberadas. As creches estão sim sendo concluídas, graças a Deus”, completou.
O prefeito José Manoel de Souza, de Boa Esperança do Sul (SP), confirmou a participação dos pastores em um QG instalado no hotel Grand Bittar, como revelado pela Folha. Os prefeitos seguiram para um almoço no restaurante do hotel, após evento no Ministério da Educação.
O chefe do executivo municipal disse que recebeu uma ofensiva do pastor Arílton, que disse que ele poderia ajudar com a liberação de recursos para uma escola profissionalizante, mas precisaria adiantar R$ 40 mil “na conta da igreja evangélica”.
O prefeito apontou a participação de uma assistente do pastor, chamada Neli, que daria encaminhamento ao recebimento dos valores e assinatura da liberação das verbas naquele momento.
“Neli faria um ofício para eu assinar naquele presente momento e liberaria essa escola de curso profissionalizante [solicitada por ele]”, disse o prefeito, que recusou o acerto.
Os membros da Comissão de Educação apontaram que os fatos elencados são graves e que merecem uma apuração mais profunda. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pediu uma instalação imediata de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), que tem poder para convocar as autoridades civis envolvidas.
“Não tem como desvendar todo esse esquema que não seja com uma CPI”, afirmou.
O parlamentar é autor do requerimento para a instalação da comissão. Até a manhã desta terça-feira (5), o documento contava com a assinatura de 12 senadores. É necessário o endosso de 27 senadores para a instalação da CPI.
O presidente da Comissão de Educação, Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que os pastores Gilmar Santos e Arílton Moura, além do presidente do FNDE Marcelo Lopes da Fonte, estão previstos para prestarem esclarecimentos em sessão na quinta-feira (7).
“Eu entendo isso [eventual ausência dos convidados] quase como um convite a uma CPI, uma provocação ao Senado Federal”, disse.
Os pastores Arílton Moura e Gilmar Santos foram procuradores, mas não se manifestaram até a publicação dessa reportagem