Advogada de Bolsonaro defendeu vitória por um voto graças a mulher morta
Foto: Reuters e Daniel Marenco/Agência O Globo
Mesmo sem provas, o presidente Jair Bolsonaro lança frequentes suspeitas sobre a segurança do sistema eleitoral brasileiro, diz que as as últimas eleições (vencidas por ele mesmo, convém ressaltar) foram fraudadas e sugere que poderão ser novamente.
Mas sua advogada, Karina Kufa, já foi contra a anulação de uma eleição em que havia uma fraude comprovada e o vitorioso venceu por um voto.
O caso, julgado em 2017 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), envolvia uma fraude não em torno da urna, mas do voto de uma eleitora morta.
Aconteceu na eleição para prefeito da pacata Pescaria Brava, cidade com 10 mil habitantes no litoral sul de Santa Catarina, conhecida pela produção de camarão.
O prefeito Deyvisonn da Silva de Souza (MDB) venceu por um voto – ele teve 2.751 votos, ante 2.750 do seu principal adversário, o então prefeito Antônio Avelino Filho (PSDB).
E foi por causa de um voto que o resultado do pleito foi contestado – mais especificamente o de Maria Justina Costa, que havia morrido sete anos antes do pleito, mas constava como tendo comparecido e votado no boletim de sua seção. Ou seja, alguém votou como se fosse a falecida no dia da eleição.
Após os indícios de fraude, o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC) anulou todos os 183 votos depositados na mesma urna de Maria Justina.
Isso fez a vantagem de Deyvisson aumentar para 76 votos. A defesa de Avelino Filho recorreu então ao TSE, pedindo a realização de novas eleições apenas entre aqueles que compareceram à seção onde a confusão foi instalada.
Durante o julgamento, a hoje advogada de Bolsonaro tentou minimizar a gravidade do episódio.
“É importante ressaltar que não há prova alguma de que houve outras fraudes em relação a essa seção. Apenas de um único voto. E também não há qualquer indício de prova, não há prova cabal de que houve a participação do candidato”, disse na sessão.
Na ocasião, Karina Kufa ainda demonstrou “muito receio” das consequências do julgamento.
“Se permitirmos a renovação (nova convocação) de eleições por uma suposta fraude, sem a prova de participação de candidato, sem prova de uma fraude grande, como se está sendo alegado, (isso) pode abrir uma oportunidade para candidatos que saibam que não têm condições de ganhar eleição ou que não estão tão bem na pesquisa passem a cooptar eleitores ou mesários não éticos para que façam uma única fraude, para que se anule uma eleição”.
Procurada pela coluna, Kufa alegou que o caso não tratou “de fraude à eleição, muito menos se suscitou fraude às urnas eletrônicas”. No acórdão do julgamento, porém, a palavra “fraude” é mencionada 40 vezes.
“Ali, houve suposto conluio de mesários de uma única sessão, numa eleição de uma pequena cidade, o que não justificaria anular todo um pleito, como bem salientou o ministro Gilmar Mendes”, disse Karina Kufa à equipe da coluna por mensagem de celular. Para ela, a anulação “abriria precedente para viabilizar uma prática perigosa, na qual candidatos praticariam atos ilícitos em uma única sessão para, em caso de não eleição, buscar uma anulação judicial”, disse a advogada.
O recurso de Avelino Filho foi negado pelo TSE, por 5 a 2.
Acolheram a tese de Karina Kufa os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Rosa Weber, Napoleão Nunes, e o relator do caso, Admar Gonzaga, que chegou a advogar para o clã Bolsonaro.
Outro ministro que também se tornou depois advogado de Bolsonaro, Tarcísio Vieira, foi pela anulação da eleição e pela realização de novo pleito na seção da fraude.
“Esta é a hora precisa do magistrado ter uma visão de consequência do que faz. Esse é um caso muito especial, até porque, trazendo isso para o nosso tempo de urna eletrônica, isso atinge outra dimensão”, disse Admar.
Para dois advogados eleitorais experientes ouvidos pela equipe da coluna, esse caso pode vir a ser usado como precedente em uma eventual contestação da eleição presidencial por Jair Bolsonaro.
“Embora não tenha relação com as urnas eletrônicas, existe o risco de alguém alegar fraudes nos votos para pedir a anulação do pleito”, diz um desses advogados.
Se isso de fato acontecer, a advogada de Bolsonaro terá sido responsável por forjar a formação de um entendimento jurídico que pode se voltar contra os interesses do próprio presidente da República.