Bolsonaro afasta diplomacia de países simpáticos a Lula
Em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem pautado movimentos da diplomacia brasileira do ponto de vista eleitoral, o que inclui o afastamento de governos que demonstram simpatia pelo ex-presidente e pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em reserva, diplomatas demonstram preocupação de que isso possa atrapalhar negociações importantes para a economia brasileira.
A discussão em Brasília nas últimas semanas sobre a participação do Brasil na Cúpula das Américas, sediada pelos Estados Unidos, passou longe dos debates sobre interesse nacional em se aproximar ou não do presidente americano. Joe Biden é visto como um representante da esquerda global para a base bolsonarista.
Bolsonaro aceitou o encontro com o presidente americano Joe Biden depois de os EUA assegurarem que ele poderá levantar temas de interesse do lado brasileiro. Fotos: Wilton Junior/Estadão – Kevin Lamarque/Reuters
Bolsonaro aceitou o encontro com o presidente americano Joe Biden depois de os EUA assegurarem que ele poderá levantar temas de interesse do lado brasileiro. Fotos: Wilton Junior/Estadão – Kevin Lamarque/Reuters
Por isso, até a semana passada, Bolsonaro resistia em fazer a viagem. O plano mudou quando os EUA asseguraram que ele terá um encontro bilateral com o presidente americano e que poderá levantar temas de interesse do lado brasileiro. Agora, a campanha de Bolsonaro pretende usar a viagem como um sinal de que ele não é um pária internacional, como adversários o descrevem.
A ideia é provocar declarações que possam ajudá-lo na campanha, como a intermediação de compra de fertilizantes do Canadá, um tema que agrada ao agronegócio. O outro é o debate sobre a alta inflação compartilhada por Brasil e EUA na pandemia, o que corrobora o discurso que Bolsonaro tem adotado de que o País não é o único a conviver com a disparada nos preços e a carestia.
A pauta eleitoral não entra na conta só nos casos de marketing político favorável. Há um freio de mão puxado no Itamaraty quando o assunto é a relação com governos com simpatia declarada a Lula, especialmente os que receberam o ex-presidente em suas incursões estrangeiras desde o ano passado.
México
O governo brasileiro desmarcou, de última hora, uma agenda que teria com o governo do México em abril. A decisão foi tomada logo depois de o presidente López Obrador receber Lula no país. O Estadão apurou que o adiamento pegou de surpresa diplomatas envolvidos na negociação.
Tanto Brasil como México davam como certa a realização da V Comissão Binacional entre os países. Em 8 de fevereiro, o Ministério das Relações Exteriores publicou uma foto do chanceler Carlos França com o então embaixador do México em Brasília, José Ignacio Piña Rojas.
A Comissão Binacional vinha sendo negociada por meses. O comércio entre Brasil e México – as economias mais relevantes da América Latina – é tímido. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a participação mútua de mercado é de 1,5% do Brasil nas importações do México e de 2,4% daquele país nas importações brasileiras. A retirada de barreiras comerciais, considerada crucial pelo setor industrial para melhorar a balança entre os dois países, é um dos temas do encontro.
Cerca de uma semana depois da foto de França com Piña Rojas em Brasília, a imprensa passou a noticiar que Lula visitaria o México, o que se confirmou no dia 28 do mesmo mês. Em 2 de março, o petista foi recebido pelo presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, por quase quatro horas, na sede do governo. Depois disso, a comissão binacional foi adiada. Não há nova data para a reunião.
Fontes envolvidas na negociação dizem que o Itamaraty informou que havia incompatibilidade na agenda do chanceler. Os diplomatas dos dois países trabalhavam para que o encontro entre chanceleres na Cidade do México acontecesse dia 22 de abril. Entre os dias 21 e 26 de abril, a agenda de França se resumiu a despachos internos ou atos políticos ao lado de Bolsonaro, como uma viagem ao Rio de Janeiro para uma cerimônia militar. O único compromisso com autoridade estrangeira foi a recepção do ministro da Turquia, representando o governo do líder autoritário Recep Erdogan.
Questionada pela reportagem, a assessoria do Itamaraty informou que “idealmente, a Comissão Binacional se reuniria após a reunião de todas as quatro subcomissões” de trabalho entre os países, que ainda não ocorreram, e que cabe ao México a prerrogativa de oferecer a data para o próximo encontro. “Não houve propriamente adiamento da V Reunião da Comissão Binacional Brasil-México. No momento, a data de realização da reunião encontra-se em fase de tratativas, diante da necessidade de se buscar convergência na agenda das autoridades, ainda no corrente ano”, diz a pasta.
Diplomatas críticos a Bolsonaro ouvidos pelo Estadão dizem não ter dúvida de que as visitas de Lula pesam de maneira definitiva no cálculo do Itamaraty.
A política externa foi importante pilar da agenda política e ideológica do governo na primeira metade do mandato de Bolsonaro, quando o ministério era comandado por Ernesto Araújo. A troca no comando da diplomacia há pouco mais de um ano mudou o estilo do Itamaraty. O novo chanceler, Carlos França, adota tom discreto e discurso moderado, mas a agenda doméstica continua a influenciar a política da pasta.
Aliados de França ponderam, por outro lado, que ele fez viagem a Madrid neste ano, cerca de três meses após Lula ser recebido pelo presidente espanhol, Pedro Sánchez. Também argumentam que é natural que haja “correlação entre a política externa e a interna”, já que o Itamaraty segue as diretrizes do presidente eleito, e que a agenda permanente com os países continua em vigor, independentemente do impulso de proximidade ou afastamento dado pelo governo.
Mercosul
Situação parecida à do México já havia acontecido em dezembro, quando o Brasil, na presidência pro tempore do Mercosul, avisou a Argentina, Uruguai e Paraguai que a cúpula do grupo agendada para uma semana depois seria realizada virtualmente e não mais presencialmente. O comunicado foi feito durante os dias em que Lula visitava a Argentina, a convite do presidente Alberto Fernández.
O motivo oficial do adiamento foi a pandemia e a circulação da variante ômicron no País. No dia anterior à reunião, entretanto, Carlos França participou de um culto evangélico no Santuário Nacional em Brasília em homenagem a André Mendonça, recém-empossado como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Nenhum protocolo sanitário de contenção da covid foi seguido no palco.
A demora para conceder o agrément ao embaixador chileno em Brasília, Sebástian Depolo, está na lista de situações elencadas dentro do Itamaraty como uma ingerência da pauta eleitoral na política externa. O diplomata foi escolhido pelo esquerdista Gabriel Boric, que, além de ter feito críticas a Bolsonaro, convidou Lula para sua cerimônia de posse. O petista não foi, mas a ex-presidente Dilma Rousseff marcou presença. O Itamaraty não comenta casos de agrément, que correm em sigilo.
Observadores internacionais
Outros dois posicionamentos recentes do Itamaraty também ligaram o sinal de alerta entre membros da carreira. Primeiro, quando a pasta se incomodou com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de buscar apoio de observadores internacionais nas eleições. O Ministério das Relações Exteriores criticou especialmente um convite do TSE à comunidade europeia e divulgou uma nota na qual afirmou que não é “da tradição do Brasil ser avaliado por organização internacional da qual não faz parte”. A Corte eleitoral acabou recuando após a pressão do governo.
O posicionamento do Itamaraty ocorreu em meio à investida de Bolsonaro contra o sistema eleitoral. Na mesma época, o ministério colocou sob sigilo, por cinco anos, os detalhes da viagem feita por Bolsonaro à Rússia na iminência da invasão da Ucrânia.
Estadão