Candidato petista ao senado fluminense é aceito por bolsonaristas
O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), André Ceciliano (PT), recebia no ano passado em seu sítio em Mendes (RJ) o deputado federal bolsonarista Otoni de Paula (MDB-RJ) quando o convidado precisou usar a rede wi-fi da casa, localizada num ponto em que o sinal das companhias telefônicas não pega.
“Disse a ele a senha: Lulameupresidente”, contou à Folha, rindo, Ceciliano.
“Preferi continuar sem internet”, disse Otoni à reportagem.
O episódio sintetiza as aparentes contradições do pré-candidato ao Senado do PT no estado: devoção a Lula e trânsito, considerado por alguns excessivo, com políticos bolsonaristas.
Filiado há 26 anos ao PT, único em sua trajetória política, ele também acumula punições da sigla por posicionamentos que destoam da orientação do partido.
O perfil pouco ideológico é o que provoca resistência na militância petista e, ao mesmo tempo, o aproxima de Lula. O ex-presidente no ano passado passou dois dias no sítio de Ceciliano, onde teve uma série de encontros políticos com lideranças até então distantes do petismo, como o líder evangélico Manoel Ferreira. Desde então, conversam semanalmente.
“O que é a esquerda hoje? Defender a saúde, a educação, a cultura como uma forma de mudar a vida do sujeito. Essa coisa de esquerda e direita…”, afirmou Ceciliano, encerrando a reflexão com uma careta em sua sala na Alerj.
“Na Baixada Fluminense, o sujeito vota em você porque conhece a sua história, a história de sua família. Não é porque você é de esquerda ou direita que ele vai votar. Lá a realidade é diferente. Pé no chão, pé na lama. Gente passando necessidade, fome, falta de emprego.”
André Ceciliano (à esquerda), ao lado de Benedita da Silva, Lula, Gleisi Hoffmann e o bispo primaz da Assembleia de Deus de Madureira, Manoel Ferreira (sem máscara) – Arquivo pessoal
Ceciliano foi prefeito por duas vezes de Paracambi, cidade de 50 mil habitantes na Baixada Fluminense em que cresceu. Foi lá que se aproximou da política e do PT. “O pessoal com quem eu trocava livros, discos, era todo mundo do PT”.
O trânsito político no estado foi construído ao longo de seus quatro mandatos como deputado estadual no qual, em todos, fez parte da Mesa Diretora da Alerj.
“O grande jogo da política é juntar gente. Político que espanta gente…”, disse ele, concluindo mais uma vez o raciocínio com o silêncio.
A presidência da Assembleia caiu em seu colo em 2017, após a doença e posterior prisão do então chefe do Poder Legislativo fluminense Jorge Picciani, morto no ano passado. O substituto imediato, Wagner Montes, morto em 2019, estava licenciado em razão de problemas de saúde, deixando o posto para Ceciliano. Ele acabou eleito para a presidência mais duas vezes.
Foram alguns de seus posicionamentos na Alerj que o colocaram em rota de colisão com o partido.
Ele sofreu censura pública da sigla ao votar favorável à privatização da Cedae e foi suspenso por seis meses por ter pautado o projeto de lei da gestão Luiz Fernando Pezão (2015-2018) que aumentou a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%.
“Tinha três, quatro meses de atraso dos servidores. Não tinha dinheiro. Imagina se a polícia para de sair dos batalhões? Eu ajudei naquelas votações difíceis e votei”, afirma o petista.
Em todos os casos alguns setores do PT pediram sua expulsão. Pesou em seu favor junto à direção da sigla sua fidelidade nos momentos de crise. Na mesma nota em que teve anunciou a suspensão do deputado, a Executiva estadual elogiou o compromisso de Ceciliano com o partido “nos piores momentos”.
“Enquanto muitos fugiram com medo de defender o partido junto ao eleitorado e saíram por oportunismo eleitoral, André ficou e defendeu o PT”, afirmou a Executiva estadual na ocasião.
“Muitos deputados falavam: ‘Quero votar em você [para presidência da Alerj], mas não posso por causa do PT’. Outro sugeria: ‘Pede licença do partido’. Eu sempre disse que seria candidato no PT. Não tenho vergonha do meu partido, assim como não tenho de ser político. Não quis e não quero sair do PT. Eu amo o Lula. Gosto da história dele. É meu ídolo”, diz ele.
A partir de 2018, o alvo deixou de ser o PT para se tornar o próprio Ceciliano. Os assessores do gabinete do deputado lideravam em valor as movimentações consideradas atípicas pelo Coaf, cujo relatório gerou o escândalo das “rachadinhas”.
Enquanto a movimentação suspeita do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL) somava R$ 1,2 milhão, a de assessores de Ceciliano atingia R$ 49 milhões. A desproporção passou a ser argumento dos bolsonarista.
Dois anos depois, o Ministério Público do Rio de Janeiro considerou que não havia indícios contra Ceciliano. Flávio foi denunciado, mas as provas acabaram anuladas.
O presidente da Alerj também foi um dos alvos de buscas na Operação Tris In Idem, que levou ao afastamento de Wilson Witzel do governo estadual. Ele é investigado sob suspeita de direcionamento de verbas da saúde em troca de apoio político, a partir de delação do ex-secretário de Saúde Edmar Santos.
“No âmbito da Justiça Federal, já foram apresentadas denúncias baseadas na referida delação e eu não fui acusado, por absoluta ausência de elementos minimamente probatórios. O ex-secretário tentou transformar em ato suspeito o que é, na verdade, uma virtude da nossa gestão à frente da Alerj”, disse Ceciliano.
O presidente da Alerj e Lula se aproximaram no ano passado, e o ex-presidente vem defendendo o nome do deputado para o Senado. Ele trava uma disputa nos bastidores com Alessandro Molon (PSB) sobre quem disputará a vaga na chapa que tem Marcelo Freixo (PSB) como candidato ao governo.
O petista vem se apoiando na pré-campanha numa articulação política que envolve prefeitos do interior e deputados estaduais. Ele calcula ter atraído mais de 50 dos 92 chefes municipais do estado para o lançamento de sua pré-candidatura ao Senado, numa casa de shows em São João de Meriti, também na Baixada Fluminense.
Alguns de seus apoiadores defendem a reeleição de Jair Bolsonaro, como o ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis. Os dois viajaram juntos para Israel no mês passado.
Otoni de Paula, atualmente vice-líder de Bolsonaro na Câmara, esteve com o petista no principal templo da Assembleia de Deus no estado no início do mês.
“Apesar de estarmos em campos ideológicos opostos, tenho uma relação muito boa com o André. Hoje ele é um dos políticos fluminenses que mais conhecem o Rio de Janeiro e seus problemas. É conhecido pela sua capacidade de diálogo, de cumprimento de acordos”, afirmou Otoni.
O governador Cláudio Castro (PL), que vai tentar a reeleição contra Freixo, é outro com quem Ceciliano mantém proximidade, tendo indicado nomes para o governo.
O petista não esconde a dificuldade em defender Freixo como seu candidato ao governo. Questionado sobre quem é o melhor nome para assumir o Rio de Janeiro, ele respondeu: “Melhor candidato tem que ser para o povo.”
Marcelo Freixo recebe Lula, o deputado estadual André Ceciliano e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em sua casa
André Ceciliano (à esquerda), ao lado de Lula, Marcelo Freixo e Gleisi Hoffmann em jantar no Rio de Janeiro – Ricardo Stuckert – 28.mar.2022/Divulgação
À insistência na pergunta, ele responde: “A gente sempre torce que o nome eleito seja melhor que o anterior”. Por fim, capitula.
“Não tenho essa preferência. Vou com Freixo, que é o candidato do meu partido. Mas não é por isso que vou xingar o Cláudio. Eu me sinto um pouco responsável pelo que o Rio de Janeiro está vivendo agora. Essa tranquilidade depois de cair um governador”, afirma.
Questionado sobre como defenderia Freixo junto ao eleitor, ele disse: “Freixo está na nossa aliança, no nosso campo político, defende o que nós defendemos. Não estou dizendo que o Cláudio Castro não defenda. Vou fazer a defesa do meu candidato.”
Folha de SP