
Conselheiro da campanha de Lula vê Temer “refém” do Centrão
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Ex-governador do Piauí e um dos conselheiros da pré-campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, o petista Wellington Dias defendeu em entrevista ao GLOBO ser possível “separar o joio do trigo” na busca pelo apoio de siglas, como MDB, PSD e Republicanos, que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Dias, que é pré-candidato ao Senado, fez uma espécie de desagravo ao ex-presidente Michel Temer (MDB), que tem sido procurado por interlocutores de Lula, e disse que ele “foi feito de refém” pelo centrão, que “se apropriou do governo”.
Na entrevista, Dias afirmou que Lula discutirá em viagem ao Piauí, prevista para o início de junho, propostas para reformular o Bolsa Família, renomeado de Auxílio Brasil por Bolsonaro. Ele afirmou ainda que Bolsonaro agiu de forma “populista” ao expandir o benefício para R$ 400 e, mais recentemente, no decreto de redução do IPI – iniciativa também feita no governo Lula para algumas áreas, como a indústria automobilística.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
A comunicação da pré-campanha de Lula foi trocada após uma série de críticas, inclusive à declaração do ex-presidente sobre aborto, que foi vista como “dar munição” a bolsonaristas. O que é preciso para colocar a campanha nos eixos?
Entendo que houve uma falsa crise. Franklin (Martins, ex-coordenador da comunicação) tem a confiança de Lula e de todo esse campo. Agora estamos nos reorganizando com o conjunto de partidos que estarão na coligação. O que tínhamos até então era um grupo ligado ao próprio PT e a Lula. Os bolsonaristas vão tentar o tempo todo criar cortinas de fumaça para (evitar) temas como a grave realidade da fome e da miséria. Não vamos trazer para a disputa política a pauta que ele (Bolsonaro) quer.
Quem coordenará a campanha?
Lula é o coordenador-geral junto com seu candidato a vice, Geraldo Alckmin. A partir desta semana, com o apoio oficial dos partidos na aliança, definiremos a coordenação política e os grupos de trabalho para diversas áreas, incluindo a comunicação, com seus coordenadores, além de um grupo executivo, menor, que possa tomar decisões na velocidade que a campanha exige.
Lula tem sinalizado que indicará um político para o Ministério da Economia. Este nome poderia surgir entre os governadores do Nordeste em fim de mandato?
Lula foi presidente duas vezes e somente depois de conclamado o resultado das eleições tratou de composição do governo. Ele não tratou disso comigo, e tenho certeza que nem com o (governador da Bahia) Rui Costa, ou Camilo (Santana, ex-governador do Ceará), ou Flávio (Dino, ex-governador do Maranhão), que são pessoas experientes e preparadas.
O senhor acredita que a economia será um fator determinante na eleição presidencial?
Economia sempre pesa. É claro que temos um legado nessa área, não só do governo Lula, mas também de governos estaduais e municipais desse conjunto de partidos. Esse legado prosseguiu até as pautas-bomba começarem a inviabilizar o governo da presidenta Dilma.
Ela não aceitou ser refém de um grupo no Congresso, que se acostumou a colocar presidentes como reféns e depois se apropriou do governo. Fizeram o presidente Michel Temer de refém. Eu era governador, fui parlamentar junto com ele e pude ver a mudança. Hoje, se algum gestor quer liberar verba para uma obra ou ação, vai falar com o presidente da Câmara ou o relator do orçamento.
O PT tem buscado lideranças de siglas como MDB, PSD e Republicanos, partidos que têm forte presença no Congresso e se envolveram no impeachment. Há limites nessa busca?
O segredo é não olhar para siglas partidárias. A partir da realidade de cada estado, é possível separar o joio do trigo. E há ampla maioria no Congresso que tem compromisso com o Brasil. No caso do MDB, respeitando o nome da senadora Simone Tebet, estamos aqui acenando que queremos esse diálogo até para o primeiro turno, caso resolvam não ter candidatura.
Com o PSD, estivemos na última terça em São Paulo conversando com o ex-ministro (Gilberto) Kassab, que relatou algumas situações nesse e naquele estado. O André Janones (Avante) também tem tido posições coerentes com nosso campo. O próprio João Doria (PSDB) mantém uma posição em defesa da democracia. Ele não se situa no campo bolsonarista. É preciso um entendimento amplo.
Há correlação entre a expansão de benefícios promovida por Bolsonaro, inclusive com o Auxílio Brasil, e a melhora recente da avaliação do governo em pesquisas?
Houve, é verdade, uma política de expansão do Bolsa Família. Pode ser que uma parcela da população tenha se sentido contemplada, e isso tenha gerado algum efeito? Sim. Mas, do ponto de vista da rejeição, ele segue num patamar elevado. Bolsonaro faz um governo sem planejamento e focado no puro populismo, no poder pelo poder. Em linguagem mais simples, o interesse de ganhar votos está acima de qualquer outro. Voltamos ao patamar de endividamento na casa de 80% do PIB, e num momento em que temos juros elevados. Quem não quer uma maior rede de proteção aos mais pobres? Eu quero. Mas precisamos fazer com critérios adequados, planejamento, garantia de capacidade de recursos.
Está no radar do ex-presidente Lula fazer novas mudanças no Bolsa Família, incluindo até a retomada deste nome no lugar do atual Auxílio Brasil?
Quando a gente fala “Bolsa Família” é porque tem o objetivo de tratar integralmente a família, com projetos de vida envolvendo saúde e educação, e não apenas os indivíduos. O que o presidente Lula tem dito é que precisamos avançar nessa perspectiva, de acelerar alternativas para renda, habitação, para outros caminhos. Ninguém quer, nem Lula, nem as famílias, que as pessoas fiquem pelo resto da vida dependendo de transferência de renda.
A ideia então é mudar o programa pensando em portas de saída?
Correto. O que a gente trabalha é com uma pactuação. O Bolsa Família (Auxílio Brasil) tinha lá um prazo de validade, está até terminando agora em dezembro de 2022, e defendemos que haja uma prorrogação (do benefício mínimo de R$ 400). Lula virá ao Piauí possivelmente no começo de junho. Aqui no estado ele lançou ainda em 2003, junto com o então ministro (José) Graziano, o Fome Zero. E foi um dos estados que teve uma das melhores evoluções na erradicação da pobreza, não só pelo Bolsa Família, mas também pela renda do trabalho, já que tem uma das menores taxas de desemprego do Nordeste. Aqui vamos discutir novos compromissos nesse tema.
O PT tem falado em revisão ou “revogação” da reforma trabalhista. O que deve mudar nesta área?
As alterações nesta área passarão por um entendimento tripartite: trabalhadores, setor público e setor privado. É preciso uma política de estímulo ao emprego sem a falsa ideia de que o trabalho precarizado e temporário seja a meta brasileira. Estamos falando de gerar emprego por mais de 12 meses, com recolhimento de encargos à Previdência, 13º e férias.
A proposta de ampliar a desoneração da folha de pagamento de forma linear, atingindo cerca de 30 milhões que ganham até um salário mínimo, chegou a ser cogitada no atual governo, mas foi descartada. Ela pode ser retomada num eventual governo Lula?
A desoneração da folha tem a ver com um custo menor para estimular mais empregos. E reduzir o custo por empregado é, sim, um ponto que a gente está sempre discutindo. Ainda não há proposta pactuada, mas é um tema que vamos tratar. Da mesma forma, a redução de tributos no consumo. É isso que o presidente Lula quer dizer quando fala em trazer o gás de cozinha para a cesta básica, desonerar produtos que ajudem a impactar o poder de compra da população de baixa renda e também da classe média.
O objetivo é desonerar e subsidiar, o que foi um dos pontos centrais do governo Dilma, ou promover uma reforma tributária?
Temos interesse de tratar esse pacto sobre os tributos em relação ao consumo, iincluindo o ICMS, porque entendemos que isso hoje gera desigualdade. Seguramente a proposta do Confaz (Conselho Nacional de Secretários de Fazenda) para reforma tributária que está no Congresso será uma referência num futuro governo Lula.
Lamento muito, por exemplo, a forma atabalhoada e populista do decreto de redução do IPI assinado por Bolsonaro. O estudo mostra que aproximadamente 20 setores da indústria, como bebidas, cosméticos e automobilística, compõem quase a totalidade da receita do IPI. E que é possível fazer isenção do IPI nas outras 90 áreas, que trazem uma arrecadação de R$ 6 bilhões, numa pactuação com os entes federativos e setor privado, de forma que estimule o crescimento e, com isso, melhore as receitas.