Filho 3 de Bolsonaro é recordista de processos no Conselho de Ética
Foto: Fátima Meira/Futura Press/Folhapress
Prestes a ser investigado por colegas deputados por ironizar uma sessão de tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão na ditadura, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e seu partido —o mesmo do pai— são os campeões de denúncias protocoladas no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados na atual legislatura (2019-2022).
No período, o órgão recebeu 55 representações protocoladas contra 26 deputados. Com dez casos, Eduardo Bolsonaro lidera o ranking, seguido pelo também bolsonarista Daniel Silveira (PTB), com nove. Os dados foram coletados pelo gabinete do deputado Elias Vaz (PSB) e confirmados pelo UOL.
Embora Eduardo Bolsonaro seja o líder em denúncias no conselho, é raro que as representações contra ele se transformem em processo, como aconteceu no caso Míriam Leitão.
Órgão encarregado de aplicar penalidades aos deputados que descumprem as normas de decoro (ética), o conselho, composto por 23 deputados, é dominado pela base governista: 16 do centrão —base de apoio a Jair Bolsonaro (PL)—, um do PSDB, um do Novo e cinco de partidos de esquerda.
“A seleção dos nomes para compor o Conselho de Ética deveria contemplar os parlamentares comprometidos com a pauta de integridade e moralidade, mas no Congresso brasileiro há negligência nos conselhos, que não punem seus membros de acordo com o que prevê a Constituição e o regimento interno”, avalia o cientista político Antonio Augusto de Queiroz, do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).
Procurado por e-mail e mensagem no WhatsApp, o filho do presidente não respondeu até a publicação desta reportagem. O UOL também procurou o presidente do Conselho de Ética, deputado Paulo Azi (União Brasil-BA), por e-mail, telefone e WhatsApp, mas também não recebeu resposta.
Das dez representações contra Eduardo, três tratam da ironia contra Míriam Leitão e, por isso, duas delas foram juntadas à denúncia original que resultou no processo disciplinar aberto no último dia 4.
Trinta dias antes, Eduardo compartilhou em redes sociais uma publicação da jornalista seguida da frase: “Ainda com pena da [emoji de cobra]”. O emoji remete à violência sofrida por Míriam, que, grávida, foi deixada nua em uma sala com uma jiboia durante sessão de tortura.
As duas primeiras representações contra Eduardo foram ainda em 2019, também após aceno à ditadura. Em entrevista a um canal no YouTube, o deputado afirmou que, se a esquerda brasileira “radicalizar”, “a gente vai precisar ter uma resposta. E a resposta, ela pode ser via um novo AI-5”, o ato institucional mais rigoroso de todo o período de exceção (1964-1985). A representação terminou arquivada pelo conselho.
No mesmo ano, o filho zero três do presidente foi duas vezes acusado de misoginia (repulsa a mulheres). A ex-bolsonarista Joice Hasselmann (PSDB-SP) diz em sua representação ter perdido 500 mil seguidores no Twitter depois de Eduardo lançar uma campanha com a hashtag #DeixeDeSeguirAPeppa, em referência à Peppa Pig, um desenho animado que conta a história de uma família de porcos. O pedido também foi arquivado.
Este ano, Eduardo foi chamado de “preconceituoso e misógino” depois de sair em defesa do deputado bolsonarista Delegado Éder Mauro (PSD-PA), que teria sugerido na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) chamar um médico para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), insinuando problemas psiquiátricos.
Novamente pelas redes sociais, Eduardo se referiu às mulheres envolvidas na polêmica como “pessoas portadoras de vagina”. A representação ainda não andou porque aguarda a escolha do relator.
Parece, mas não é a gaiola das loucas, são só as pessoas portadoras de vagina na CCJ sendo levadas à loucura pelas verdades ditas pelo deputado Eder Mauro.” Eduardo Bolsonaro, no Twitter
O parlamentar também foi representado duas vezes por criticar reportagens que recomendavam o uso de máscaras na pandemia. “Enfia [a máscara] no rabo”, escreveu. O senador Humberto Costa (PT-PE) também recorreu ao conselho ao ter sido associado pelo deputado à Operação Lava Jato mesmo depois de as denúncias contra ele terem sido arquivadas.
“Drácula da Odebrecht”, postou Eduardo em abril de 2021 no Instagram e Twitter. As duas representações ainda aguardam escolha do relator.
O segundo deputado com mais representações no Conselho de Ética é Daniel Silveira. Em junho do ano passado, o conselho chegou a aprovar a suspensão do parlamentar por dois meses depois de ser condenado por gravar e vazar uma reunião com “desavenças entre lideranças” do PSL, então seu partido, rachando a legenda em outubro de 2019.
Apesar da decisão, o caso não foi julgado até hoje pelo plenário.
Em julho do ano passado, o conselho também aprovou suspensão de Silveira por seis meses, mas a Mesa Diretora da Casa ainda não levou o tema à votação. Trata-se do mesmo caso absolvido por decreto por Bolsonaro após o STF (Supremo Tribunal Federal) condená-lo a oito anos e nove meses de prisão, perda do mandato e pagamento de multa.
Sete das nove representações contra ele no conselho são sobre esse assunto. Elas pedem a condenação do parlamentar por atacar os membros do Supremo, defender o AI-5 e a “adoção de medidas violentas contra a vida e a segurança dos ministros”, diz uma das representações.
O principal alvo foi o ministro Edson Fachin:
O que acontece, Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta que tu tem, essa cara de vagabundo… Várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte… Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra.” Daniel Silveira, deputado federal
A outra denúncia originou-se também nas redes sociais, quando Silveira mandou “um recado” aos antifascistas que protestavam contra uma manifestação em favor do governo em maio de 2020.
“Vocês me peguem na rua em um dia muito ruim e eu descarrego minha arma em cima de um filho da puta comunista que tentar me agredir”, afirmou. Por 11 votos a 5, o Conselho de Ética recomendou a aplicação de censura escrita.
Procurado, Silveira disse ao UOL que “a quantidade de denúncias não se sustenta em base legal, são ações puramente ideológicas” que usariam o conselho “como ferramenta de ‘lacração'”.
Nenhuma ação contra mim foi movida por deputados sérios, e todas, sem exceção, não têm fundamento real, concreto, fático, plausível, aprovável ou que ao menos possa estabelecer debate maduro para sustentar denúncias, que mostram esvaziamento da qualificação na Câmara dos Deputados.” Daniel Silveira, deputado
O partido político com mais parlamentares representados no Conselho de Ética é o PL, do presidente Jair Bolsonaro e do filho zero três. Das 55 denúncias, 28 (51%) atingem nove deputados filiados atualmente à legenda, ou 34% dos parlamentares representados.
Se contar apenas uma representação por parlamentar, o PL segue na frente, com nove, seguido de Republicanos (quatro) e PSOL (três). Além do PT, com uma, os outros partidos representados são da centro-direita: PP, PROS, PSD, PTB e União Brasil.
Procurada por e-mail, telefone e WhatsApp, a sigla não respondeu até a publicação desta reportagem.
Queiroz, do Diap, duvida que o processo aberto contra Eduardo Bolsonaro por ironizar Míriam Leitão seja julgado ainda este ano. O processo teria sido aberto “para fazer uma cena, dar uma satisfação à sociedade, mas não haverá seguimento na investigação”.
“Um caso desse justificaria cassação, mas dificilmente sairá mesmo uma advertência ou suspensão, principalmente agora com o próprio presidente dando indulto a esse tipo de comportamento”, afirma Queiroz em referência ao perdão concedido a Silveira.
Na maioria das vezes as punições a parlamentares vêm do judiciário. O Congresso é muito corporativista. O parlamentar faz um pedido de desculpas, diz que teve um impulso e os colegas passam a mão na cabeça.” Antonio Augusto de Queiroz, cientista político do Diap