Governador de SP recua de eliminar câmeras dos uniformes da PM
Os primeiros testes com câmeras corporais acopladas ao uniforme de policiais estavam em andamento em outubro de 2018 em São Paulo nas regiões do Jardim Ângela e Capão Redondo, na Zona Sul, que estão entre as mais violentas da cidade. Ali também havia a maior taxa de denúncias, reclamações, mortes após intervenção policial e lesões corporais durante as operações. A experiência agradou ao comando da PM. O programa ganhou uma expansão cerca de dois anos depois, e os resultados não demoraram a aparecer. Em junho de 2021, pela primeira vez na história, não foi registrada nenhuma morte de suspeito em choque com policiais dos dezoito batalhões que usam o aparelho. O número de confrontos caiu mais de 80%. As mortes de PMs em serviço chegaram à menor taxa em 31 anos: uma foi registrada em confronto em 2021, e em uma unidade que não usava câmera — outras três foram em acidentes de trânsito.
Apesar dos bons resultados, a utilização dos equipamentos entrou na linha de fogo da campanha ao governo. O primeiro a atirar foi o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro — segundo Tarcísio, a câmera inibe os agentes, o que é rebatido por comandantes das polícias. Márcio França (PSB), que era o governador quando o projeto-piloto foi lançado, quer reformular o programa por considerar o formato “caríssimo e invasivo”: “são doze horas por dia filmando todo policial”. Já o governador Rodrigo Garcia (PSDB) se equilibra na discussão: chegou a dizer que tem dúvidas sobre o uso em operações especiais e no Batalhão de Choque, mas recuou após conversar com comandantes da PM — agora defende a implementação em todas as unidades. Fernando Haddad (PT) também é a favor da utilização.
O discurso dos candidatos contrários à medida não se sustenta. As câmeras são programadas para gravar com alta resolução, som e localização georreferenciada apenas as ocorrências policiais, e assim preservar momentos de privacidade, como conversas pessoais e refeições. Os números de produtividade também mostram que o trabalho não fica inibido: batalhões com câmeras fizeram 41% mais flagrantes e 13% mais apreensões de armas do que aqueles sem o equipamento, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Outra consequência é que a polícia intensificou o treinamento. “Os policiais começaram a se comportar mais na conformidade com aquilo que é estabelecido como regra”, avalia o coronel reformado José Vicente da Silva Filho, professor de mestrado em estudos de segurança da PM-SP e ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo FHC.
Os exemplos de sucesso vão além do caso paulista. A PM de Santa Catarina tem um programa similar desde 2019 e hoje já conta com câmeras em todos os batalhões. Pesquisadores brasileiros em universidades britânicas e na PUC-Rio mostraram que a medida reduziu em 61% o uso da força pela polícia local. “Essa fase de discussão sobre implementar ou não a câmera nós já superamos”, diz o coronel Evandro Fraga, subcomandante-geral da PM-SC. No Rio de Janeiro, o governo anunciou a implantação de 8 000 aparelhos em dez batalhões da PM a partir de maio — os primeiros testes foram feitos no réveillon.
CONTRÁRIOS – França e Tarcísio: críticas que não se sustentam na realidade – Antonio Molina/Fotoarena; Roberto Gardinalli/Futura Press Ainda que com algum atraso, o Brasil tomou a atitude correta de copiar o bom exemplo que vem de fora. O Reino Unido foi o primeiro país a utilizar o sistema, em 2005, com melhora da performance policial em vários tipos de ocorrências. Nos Estados Unidos, é lei federal desde 2014 na esteira de protestos em Ferguson (Missouri) após um policial branco matar um jovem negro. Estudo pioneiro na cidade de Rialto (Califórnia) em 2012 mostrou a eficácia das câmeras para evitar que situações de baixo risco escalem para casos de violência.
Lamentavelmente, a motivação para politizar o assunto é eleitoral — e ideológica. Uma parcela da tropa é contrária e é acompanhada de um contingente da população (e do eleitorado) guiado por um discurso que pretende justificar abusos e mortes praticados fora dos protocolos de atuação da polícia — exatamente o que a cúpula da corporação trabalha para coibir. A entrada do tema na eleição, portanto, não se pauta por motivo técnico. Os números deixam pouca margem a dúvidas de que as câmeras protegem tanto policiais quanto a população. É um assunto importante demais para virar alvo de um tiroteio demagógico.
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