Impopular na PF, Bolsonaro bajula PMs

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Foto: Isac Nóbrega/PR

Em meio a protestos dos policiais federais por causa do descumprimento da promessa de reajuste de 20% para a categoria, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) já tem engatilhadas outras medidas que visam fortalecer seus vínculos com os agentes de segurança pública, uma de suas principais bases de apoio tanto no Congresso como entre o eleitorado. Desta vez, o agrado se destina aos policiais militares, que são os mais numerosos dentro desse segmento no país. Enquanto acena ao conjunto de seus apoiadores com projetos que falam em dificultar a soltura de presos e reduzir a maioridade penal, o governo atua de fato pela aprovação de uma proposta que é tratada como prioritária pelos PMs. Ela tramita em regime de urgência desde dezembro, quando teve o aval do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em forma de um projeto que cria a Lei Orgânica das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros — na prática, medida que vai significar mais dinheiro no bolso da categoria e, claro, um ativo importante de Bolsonaro na campanha pela reeleição. De quebra, ainda reforça as diferenças entre o atual mandatário e seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que na semana passada disse que Bolsonaro “não gosta de gente, gosta de policial”.

A iniciativa deslanchou, depois de ficar anos parada, porque foi selado um acordo entre oficiais das PMs e delegados para que, em seguida, avance também um texto de interesse dos policiais civis. As tratativas tiveram a participação do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres. A aprovação de uma nova lei para as PMs é necessária e urgente — a que está em vigor é de 1969, feita na ditadura. Mas o texto traz pontos polêmicos, como o que promove qualquer oficial para o próximo grau hierárquico, de forma quase automática, a cada cinco anos. A ideia é garantir que todos possam chegar ao posto máximo de coronel (cuja remuneração é maior) no final da carreira, segundo o relator do projeto, Capitão Augusto (SP), vice-presidente do PL, partido de Bolsonaro. O objetivo, de acordo com o deputado, é motivar os policiais – hoje, eles podem levar até trinta anos para chegar a coronel –, aproximá-los de outros setores do funcionalismo que têm planos de carreira e padronizar a grade curricular em todo o país, o que, em tese, ajudaria a melhorar a qualificação. Os críticos, contudo, apontam que a mudança vai gerar problemas de gestão de pessoal e produzir o que na expressão popular se chama de “muito cacique para pouco índio”.

O agrado de Bolsonaro aos PMs tem também um outro efeito perigoso: o de criar uma bomba-relógio que vai estourar no cofre dos estados. Para a oposição, o projeto atende aos desejos do presidente de fortalecer a sua relação com policiais e enfraquecer a ascendência dos Executivos estaduais sobre a categoria. “Isso a poucos meses da eleição. Bolsonaro está organizando o banquete e passando a conta para os governadores, como ele fez com os professores”, diz o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), referindo-se ao aumento de 33% que o presidente deu em fevereiro aos docentes da educação básica, cujos salários são pagos pelos municípios e pelos estados. Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima lista outro ponto crítico nesse sentido. O projeto define as PMs como instituições “essenciais à Justiça”, o que muda o seu status no funcionalismo e pode levar a aumento dos gastos estaduais. “Quando eleva a polícia a carreira jurídica, você a tira do teto salarial do Poder Executivo e a inclui no do Judiciário, fazendo com que um coronel passe a ter como referência o salário de um desembargador, que é mais alto”, aponta.

O projeto tinha outras tentativas de intervenções na esfera estadual que acabaram retiradas, após muitas críticas, como a que previa que o comandante-geral da PM fosse indicado pelo governador a partir de uma lista tríplice e tivesse mandato de dois anos — hoje, a nomeação é de livre escolha do chefe do Executivo estadual. O texto, no entanto, ainda mantém algumas “soluções equivocadas”, na avaliação de Lima, como a da “porta giratória”, que permite que um PM saia candidato numa eleição e volte à função se não for eleito — o que pode possibilitar o aumento da influência política nas corporações. Além disso, o projeto não trata dos protocolos operacionais de interação entre a PM e a população e erra ao dar às polícias militares o poder de fiscalizar empresas de segurança privada (hoje com a Polícia Federal) sem reforçar sistemas de compliance, o que é temerário porque muitos policiais fazem “bico” como seguranças.

A expectativa da “bancada da bala”, presidida por Capitão Augusto, era a de votar o projeto no plenário da Câmara ainda neste mês, mas houve atraso por falta de consenso na Casa. O relator do texto pediu a Arthur Lira para pautá-lo logo e aguarda uma atuação mais incisiva do governo e do ministro da Justiça para que o plano se concretize. Capitão Augusto informou nesta quinta, 5, que solicitou uma audiência com Anderson Torres para tratar do assunto. Apesar dos pontos polêmicos, o que não falta é justificativa política para esse aceno de Bolsonaro, a começar pelo tamanho do eleitorado. Os agentes de todas as forças de segurança (da ativa e aposentados) somavam 5,6 milhões de eleitores em 2018 (3,81% do total) — considerando as famílias, o contingente impactado pode chegar a 18,5 milhões de votos.

Outro ponto é reforçar a velha relação entre o bolsonarismo e as polícias. Um estudo do Fórum, divulgado em agosto do ano passado, mostrou que 44% dos oficiais das PMs de todo o país interagiam em redes sociais bolsonaristas — 23% em ambientes do bolsonarismo radical, onde circulam ideias de ruptura institucional. Entre os soldados e cabos, esses números sobem para 51% e 30%. Em um momento em que vários estados enfrentaram pressões recentes de policiais militares por aumento de salários, como Minas Gerais, Sergipe e Rio Grande do Norte, qualquer afago federal nesse sentido pode reforçar as afinidades entre esses agentes e o bolsonarismo. Afinal, saudações monetárias às tropas podem render bons dividendos.

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