ONU e OEA veem risco de golpe no Brasil

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Foto: REUTERS/Andressa Anholete

Órgãos internacionais não irão esperar até outubro para monitorar o processo eleitoral no Brasil, considerado por observadores estrangeiros como um dos mais tensos em décadas no país. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, OEA (Organização dos Estados Americanos) e o escritório regional do Alto Comissariado da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos já iniciaram contatos para poder acompanhar as campanhas no país, enquanto reuniões se proliferam entre membros da sociedade civil e organismos internacionais para monitorar e acompanhar os riscos do processo eleitoral.

Tanto para ativistas de direitos humanos, grupos políticos e mesmo para os órgãos estrangeiros, as ameaças e a violência política já são realidades do país. Desembarcar apenas em outubro para avaliar o funcionamento das urnas, segundo observadores, pode ser tarde demais.

Na semana passada, relatores da ONU receberam informações e mantiveram encontros com ativistas que denunciaram os ataques do presidente Jair Bolsonaro contra o Judiciário, em pleno ano eleitoral.

Nesta quinta-feira, o tema da campanha já foi alvo de uma reunião fechada entre grupos de ativistas brasileiros e a presidência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. As entidades pediram que o órgão regional garantisse que seus representantes estivessem na delegação de observadores que a OEA pretende enviar para monitorar as violações de direito humanos que ocorram durante as eleições. As entidades também solicitaram que haja uma articulação com órgãos da ONU para monitoramento e alerta sobre a situação nacional.

O encontro terminou com o compromisso assumido pela Comissão Interamericana de irá realizar uma reunião a cada dois meses para que possa ser atualizada sobre o cenário brasileiro. Haverá também uma reunião interna para avaliação das questões relatadas pela sociedade civil, além de uma análise a partir deste momento dos relatos a partir de um olhar interseccional, com prioridade para reconhecimento das violências contra mulheres negras, indígenas e LGBTQIA+.

Durante o encontro, a presidente da Comissão Interamericana, Julissa Mantilla Falcón, relatou que já está em diálogo com a OEA e com o Alto Comissariado da ONU para realização de observação das eleições brasileiras pelos órgãos estrangeiros.

A representante estrangeira, porém, ouviu dos participantes relatos apontando que as ameaças ao sistema eleitoral vão muito além das urnas e que já começaram com intensidade no país.

Camila Gomes, da entidade Terra de Direitos/ Plataforma Dhesca, foi uma das participantes e, segundo ela, os riscos já estão presentes. “As eleições de 2018 já foram marcadas por níveis de violência sem precedentes, como assassinatos. Temos a leitura que esta eleição será mais violenta, houve aumento em duas vezes da armamentização, aumento de violência contra defensores de direitos humanos e aumento da violência política”, disse a representante.

Benny Briolly, vereadora trans pelo município de Niterói-RJ, apresentou seu relato de como já vem sofrendo ataques. “Venho de uma sessão na qual acabei de ser agredida”, disse. “Talvez eu nem consiga falar muito. Venho sendo vítima de uma série de ameaças de morte, xingamentos, perseguições. Esta semana, um carro perseguiu meu motorista”, contou.

Segundo ela, já foram realizados quatro boletins de ocorrência e mais de 20 ameaças de morte. “É cada vez mais difícil exercer a atividade legislativa. Sou a primeira mulher trans a exercer um cargo legislativo no estado do Rio de Janeiro, berço do bolsonarismo. Isto tem sido um peso constante no cotidiano. Não consigo andar na rua sem ser vítima de violência, como acabou de acontecer”, relatou.

“Eu estava na plenária falando sobre racismo religioso e a sessão foi interrompida, invadida. E nada foi feito, não há nenhum amparo. A polícia está aqui dentro da Câmara. E isto só aumenta, a ponto de eu não conseguir viver minha vida”, disse.

Pré-candidata no Rio, ela conta que isso já ampliou a série de ataques e de fake news. “Há uma série de limitações ao meu direito de ir e vir. É a minha integridade sob ameaça, a todo momento”, declarou. Segundo ela, 60% do que ela recebe vai para bancar seus custos de segurança e combustível de um carro blindado. “Meu salário vai todo para garantir minha integridade física. Várias atuações minhas são limitadas, não posso fazer uma série de atividades no legislativo porque não há segurança. As investigações não apresentam respostas aos casos. Isso chega em um ponto de explosão”, lamentou.

Valdecir Nascimento, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, também participou da reunião.

“A partir do momento em que as mulheres negras entraram nos espaços de poder, passamos a experimentar o fenômeno da violência política, porque essas mulheres já vinham sofrendo violência política ao longo de sua história de militância, e passaram a sofrer um tipo de violência específica que ocorre no âmbito do Parlamento, que vai desde uma violência vinculada com o racismo, como também a violência do ponto de vista da concepção política e ideológica que nós representamos”, disse.

Thiago Firbida, representante do Comitê Brasileiro de Defesa dos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, destacou ao órgão internacional que existe um processo intenso de criminalização e assédio judicial contra defensores, aliado agora a um “projeto de ódio” que atingiu um patamar nunca antes visto. “Falamos de ataques digitais, que não são novos, mas atingem hoje um nível de sofisticação —tanto de vigilância e monitoramento ativo, quanto ataques diretos com hackeamento de contas e acesso a dados sigilosos”, alertou.

Segundo ele, o Brasil vive hoje um aumento da violência política. “Já estamos atingindo recordes de casos em vários níveis. Tudo isso num contexto de completa ausência de resposta do estado a este tipo de violação”, disse.

Gisele Barbieri, da Plataforma Dhesca, destacou à presidência da Comissão Interamericana a aliança entre partidos dentro do Congresso e o governo Bolsonaro para seu projeto de “militarização do Estado, propondo e votando propostas que reforçam o aumento do autoritarismo, dos discursos de ódio, dos altos índices de violência, inclusive de parte de agentes estatais, do aumento da letalidade policial, fechamento do espaço cívico e de participação social e de aumento da violência e criminalização de defensores e defensoras de direitos humanos”.

“Tudo isso em um cenário que bem antes da realização processo eleitoral já se mostra violento e perigoso seja para candidatos e candidatas ou simplesmente para quem demonstra suas insatisfações com o atual governo”, alertou.

Nesse contexto, o governo se mostra indiferente aos inúmeros alertas feitos pela sociedade civil sobre os riscos dessas legislações no processo democrático, principalmente em um ano eleitoral.

Segundo ela, em junho, a Câmara de Deputados já anunciou que fará uma semana para a votação em plenário de propostas na área da segurança pública e já esperamos uma ofensiva nesse sentido de dar mais poder aos agentes de segurança para atos de violência e redução das possibilidades de manifestação.

Uol