Prefeitos aliados de Bolsonaro miram R$ 11 bi do orçamento secreto
Prefeituras de diferentes regiões do País negociaram com o governo uma lista de pedidos para usar R$ 13,1 bilhões do orçamento secreto neste ano eleitoral. De asfalto em rua a trator novo, as indicações apresentadas por prefeitos podem injetar recursos em redutos de aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato a novo mandato.
Os prefeitos são importantes cabos eleitorais, principalmente numa campanha como a de agora, com uma disputa acirrada entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nesse cenário, líderes de partidos no Congresso admitem que o orçamento secreto é fundamental para alavancar a candidatura do chefe do Executivo. O esquema, revelado pelo Estadão, prevê a distribuição de recursos de emendas de relator, as chamadas RP-9, sem critérios transparentes, em troca de apoio parlamentar ao governo.
Para que as reivindicações sejam concretizadas, porém, é necessária a chancela de Arthur Lira, na Câmara; do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco; e do relator-geral do Orçamento, Hugo Leal. Foto: Paulo Sérgio/Agência Câmara
O dinheiro é sempre distribuído para redutos eleitorais de deputados federais e senadores. De março ao início de abril deste ano – período da chamada “janela partidária” –, a base de apoio de Bolsonaro no Congresso cresceu por causa da migração de parlamentares para o Progressistas, PL e Republicanos, legendas que compõem o Centrão. Na prática, é o bloco do Centrão – tendo à frente o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) – que comanda o orçamento secreto.
Ao participar de encontro com prefeitos no mês passado, em Brasília, o próprio Bolsonaro fez questão de destacar que, em seu governo, todos eles são bem atendidos. O presidente afirmou, ainda, que isso lhe garante uma “retribuição”.
“Estou aqui (em Brasília) desde 91 e sei como os senhores eram tratados e como são hoje em dia. Hoje em dia, o tratamento é aquele que tem que ser dado aos senhores, obviamente. Os senhores retribuem isso para conosco”, disse o presidente na ocasião.
As verbas do orçamento secreto fazem a campanha de Bolsonaro chegar ao interior e representam a salvação para congressistas que buscam mais um mandato, especialmente aqueles que têm votos em cidades menores, mais dependentes dos repasses de recursos públicos de Brasília.
A área que concentra mais pedidos é a da saúde. Das cinco rubricas do orçamento mais requisitadas, duas estão relacionadas ao tema: custeio da atenção primária (R$ 5,7 bilhões) e dos hospitais (R$ 2,5 bilhões). São comuns também solicitações de verbas para fomento à agricultura (R$ 2 bilhões), pavimentação e reforma de vias (R$ 3,9 bilhões) e compra de maquinário (R$ 2 bilhões).
Em março, o Congresso Nacional criou o Sistema de Indicações Orçamentárias para centralizar tanto pedidos de prefeitos como de parlamentares. Mesmo assim, há dificuldades para identificar o verdadeiro padrinho da distribuição do dinheiro público.
A planilha não impõe limite às solicitações de repasses. Além dos R$ 13,1 bilhões registrados em nome de prefeituras, há pedidos de 336 dos 513 deputados, somando R$ 7,2 bilhões. No Senado, 38 dos 81 parlamentares reivindicaram transferências que somam R$ 2,2 bilhões. Com isso, o total de verbas já está em R$ 22,6 bilhões. A cifra representa R$ 6,1 bilhões acima do dinheiro previsto neste ano para o orçamento secreto.
Para que as reivindicações sejam concretizadas, porém, é necessária a chancela de Arthur Lira, na Câmara; do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e do relator-geral do Orçamento, Hugo Leal (PSD-RJ).
Como não há qualquer controle ou revisão sobre os pedidos, possíveis erros de digitação resultam em solicitações questionáveis no sistema. No último dia 28, por exemplo, a prefeita de Tauá (CE), Patrícia Aguiar (PSD), inscreveu uma demanda de R$ 15 bilhões para a “construção do museu audiovisual da Caatinga”. Para fins de comparação, o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, custou R$ 130 milhões.
A prefeita é mãe do deputado federal Domingos Neto (PSD-CE), relator do Orçamento de 2020, o primeiro com emendas de relator nos moldes atuais. Desde aquele ano, o governo reservou R$ 160,6 milhões do orçamento secreto para Tauá. Ao Estadão, Domingos Neto disse que o pedido será excluído por ter havido “erro” da assessoria.
Em outro provável “equívoco”, uma servidora da prefeitura de São João do Piauí (PI) inscreveu um pedido de R$ 7,8 bilhões para a construção de moradias destinadas a pessoas pobres. O valor é maior que o empregado por Bolsonaro no Minha Casa Minha Vida, em 2019. Naquele ano, a faixa 1 do programa, que atende famílias de baixa renda, recebeu R$ 4,6 bilhões. Procurado, o prefeito Ednei Modesto Amorim (MDB) disse acreditar que o valor estava errado.
Se os pedidos com erros de Tauá e São João do Piauí forem computados, o valor total pleiteado pelas prefeituras alcança a astronômica cifra de R$ 35,9 bilhões.
Entre os deputados, o campeão dos pedidos é José Nelto (Progressistas-GO). São 42 solicitações para municípios goianos, totalizando R$ 176,1 milhões.
“Os prefeitos foram me pedindo e eu fui colocando”, disse Nelto. “Até agora, nada (de liberação das verbas). Só cadastrei. O relator (Hugo Leal) pediu para cadastrar, e eu cadastrei. Os prefeitos me pediram e eu coloquei lá. Prefeito pede asfalto, patrol, trator, posto de saúde. Um bocado de coisas aí, viu?”, disse.
Josi Nunes (União Brasil), prefeita de Gurupi (TO) e ex-deputada federal, foi uma das que mais pleitearam recursos das emendas de relator até o momento: R$ 214,9 milhões. A maior parte do valor foi reivindicada para obras de pavimentação de ruas e construção de estradas, como o anel viário da cidade, que tem pouco menos de 90 mil habitantes. No fim do mês passado, Nunes esteve em Brasília para a 23.ª edição da Marcha dos Prefeitos. Todas os pedidos cadastrados por ela foram feitos em 28 e 29 de abril, enquanto o evento estava em curso. No Instagram, ela disse que o momento era de “adquirir conhecimentos” para o trabalho na prefeitura.
Até agora, o Estado com mais solicitações é o Maranhão (R$ 1,8 bilhão), seguido pela Bahia (R$ 1,6 bilhão) e por Pernambuco, também com R$ 1,6 bilhão. Procurados, Lira, Pacheco e Hugo Leal não se manifestaram.
Estadão