Se Bolsonaro não for reeleito, perde proteção da PGR

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Foto: Adriano Machado-4.mai.22/Reuters

Jair Bolsonaro é investigado em quatro inquéritos no Supremo Tribunal Federal, instituição responsável por acompanhar investigações e ações penais contra quem ocupar a Presidência da República –e apenas enquanto durar seu mandato—, em razão da prerrogativa de foro por função, vulgarmente conhecido como foro privilegiado.

Não se trata de uma escolha: o Supremo julga aquilo que a Constituição determina, como inquéritos e ações penais contra o presidente da República, o que faz com Bolsonaro e parlamentares, tal como fez com Daniel Silveira, desde que sejam acusados pela prática de crimes no exercício do mandato e em função do mesmo –exata hipótese dos inquéritos e ações em questão.

Dentre as várias frentes de ataques à Constituição contabilizadas pelo presidente, os temas dos inquéritos mostram aquelas que mais conturbaram o país nos últimos anos: os seguidos ataques ao Estado Democrático de Direito e os desmandos na pandemia de Covid-19.

Destes quatro inquéritos, apenas o que coloca tanto Bolsonaro quanto Sergio Moro como investigados (o primeiro por advocacia administrativa e outros crimes relativos à interferência na direção-geral da Polícia Federal e o segundo por eventual denunciação caluniosa relativa aos mesmos fatos) foi aberto por solicitação da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Os demais foram abertos diante da necessidade de apuração de graves ocorrências, por solicitação de outras instituições que não a PGR: TSE (Tribunal Superior Eleitoral), CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) e o próprio Supremo.

Há ainda no STF o inquérito dos atos antidemocráticos, aberto a pedido da PGR no início de 2020, mas que não tem o presidente como alvo direto, apesar de seus aliados estarem todos sob o foco das investigações.

Apenas um inquérito se debruça sobre as revelações da CPI da Covid: o que avalia potenciais crimes cometidos por Bolsonaro ao associar vacina com contaminação por HIV.

Um outro inquérito sobre possível prevaricação do presidente diante de denúncias de corrupção na compra de vacinas acabou de ser arquivado.

Os outros inúmeros atos investigados pela CPI, sobretudo aqueles que apontam para prática de crime de propagação intencional de pandemia, permanecem sob avaliação preliminar extraoficial na PGR.

Já os dois inquéritos que têm o presidente como investigado e que tratam dos ataques contra as instituições e o estado democrático de direito (conhecidos como “fake news” e “ataques às eleições”, inquéritos 4781 e 4878, respectivamente) são compartilhados e mostram um movimento sistemático de atos contra as instâncias judiciais, comuns e eleitorais, abrangendo apoiadores do presidente (como blogueiros e empresários), parlamentares de sua base e a cúpula do governo, além do próprio presidente.

O inquérito sobre “ataques às eleições” foi instaurado a partir de notícia-crime do TSE e tem por objetivo analisar a divulgação de dados sigilosos, diretamente pelo presidente, “por meio de perfis verificados nas redes sociais, com o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta contra o processo eleitoral brasileiro, com objetivo de tumultuá-lo, dificultá-lo, frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas ou indícios, caráter duvidoso sobre a lisura do sistema de votação no Brasil”.

No despacho de abertura da investigação, o ministro Alexandre de Moraes registrou que “observou-se, como consequência das condutas do presidente da República, o mesmo modus operandi de divulgação utilizado pela organização criminosa investigada em ambos os inquéritos, com intensas reações por meio das redes virtuais, pregando discursos de ódio e contrários às Instituições, ao Estado de Direito e à Democracia, inclusive defendendo de maneira absurda e inconstitucional a ausência de eleições em 2022”.

As revelações mais recentes, extraídas das investigações destes inquéritos, mostram que as Forças Armadas –ou a parte delas que é governo– corroboram as tentativas do presidente de frustrar as eleições de 2022, seja a partir de perguntas que são um roteiro para as narrativas falsas e criminosas contra as eleições, seja desviando a finalidade de aparatos de inteligência e informação, como a Abin e o GSI.

Em relatório, a Polícia Federal concluiu que as falas do presidente tiveram “nítido propósito de desinformar e de levar parcelas da população a erro quanto à lisura do sistema de votação”.

A maior parte dos inquéritos que investiga o presidente se originou das instâncias de controle que conseguiram atuar no país, ainda que com limitações: STF, TSE e CPI da Covid. Não é à toa que sejam justamente os alvos de novos crimes.

Em resposta às provas juntadas aos inquéritos, os investigados reagem com mais ataques contra a Justiça Eleitoral e contra o STF. E, como um dos investigados, o presidente segue o mesmo roteiro: busca minar a autoridade dos tribunais que têm exercido controle sobre seus atos e investigando as denúncias que lhe imputam crimes.

Na hipótese destes inquéritos serem concluídos com relatórios que apontam a prática criminosa envolvendo o presidente, enquanto este ainda exercer o mandato, caberá primeiramente à Procuradoria-Geral da República oferecer uma denúncia e à Câmara dos Deputados autorizar seu processamento, por dois terços de seus membros, e só então haveria julgamento pelo Supremo.

Diante da ausência de quaisquer sinais de que a PGR irá denunciar o presidente e de uma Câmara dos Deputados que não deu nenhum andamento a mais de uma centena de pedidos de impeachment contra Bolsonaro, é pouco provável que avanços no âmbito de investigações criminais ocorram ainda este ano, mesmo que os inquéritos estejam avançados.

O mesmo não ocorre para outros investigados, como ministros, generais, blogueiros, parlamentares e empresários, que não possuem as mesmas imunidades.

Porém, caso estes inquéritos sejam concluídos uma vez findo o mandato, a investigação contra Bolsonaro poderá seguir no Supremo se houver conexão essencial com outros investigados que detenham foro por prerrogativa de função; caso contrário, serão enviados às instâncias ordinárias da Justiça, assim como seus ministros e generais. Dessa vez, não haverá anistia.

Folha