Ambientalistas desapareceram em região da Amazônia ligada a criminosos

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Foto: Lalo de Almeida – 18.jun.21/Folhapress

O município de Atalaia do Norte, no Amazonas, onde desapareceram o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips no domingo (5), fica em uma região no extremo oeste do Amazonas marcada pela presença do maior número de indígenas em isolamento voluntário do mundo e pela rota de escoamento de tráfico de cocaína do Peru que é distribuída para o Brasil, Europa e África.

Segundo o pesquisador da UFPA (Universidade Federal do Pará) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Aiala Colares, a região de fronteira por si só costuma ser uma área de conflito, mas as especificidades de Atalaia do Norte potencializam o quadro.

“Estamos falando de uma região com uma série de problemas e conflitos ambientais e sociais. Estamos mergulhados em conflitos sociais, na Amazônia. Temos, nestes locais, populações transfronteiriças e uma região que é estratégica para o tráfico de drogas, sobretudo do Peru”, afirmou o pesquisador.

As organizações criminosas diversificam sua atuação e, segundo o pesquisador, homicídios contra quem se contrapõe aos interesses delas integram a lista.

De acordo com estudo feito pelo procurador da República em Mato Grosso do Sul Ricardo Pael Ardengui sobre o impacto do crime transnacional organizado sobre as comunidades indígenas, delitos ambientais, também característica de toda Amazônia, se tornaram mais um braço do lucro para o crime organizado que usa a região como rota de tráfico.

Segundo o procurador, nos últimos anos se observa o aumento de registros de crimes na Amazônia relacionados ao tráfico de drogas, o desmatamento e a violência contra os povos indígenas. Ele afirma que o Estado costuma tratar os três de forma isolada, mas o crime organizado atua nas três frentes.

O procurador disse que, no início da atuação de facções criminosas na Amazônia, o objetivo era usar a região para criar rotas de escoamento e que os crimes ambientais eram praticados como forma de inserção nos locais para ter alternativas de trajetos. Atualmente, segundo ele, a exploração ilegal de recursos da floresta, como ouro e madeira, é feita para ampliar os lucros dos grupos criminosos.

“No início, o PCC entrou em choque com a Família do Norte no Amazonas e começou, na tríplice fronteira. Depois diversificou o mercado e suas aplicações. A gente vê, com isso, o risco grande que correm as populações tradicionais, como os yanomami, cujo choque é evidente entre garimpeiros e indígenas”, disse.

O pesquisador da UFPA afirma que nos últimos levantamentos da Cartografia da Violência na Amazônia a região da fronteira, em Atalaia, já registrava a presença de Crias, uma facção criminosa que surgiu do desmembramento de pessoas ligadas à FDN, ao PCC e a grupos do narcotráfico da Bolívia e do Peru.

“O PCC vem de uma atuação no crime que tem uma visão mais empresarial, mais ampla do capital. O contrabando de madeira e o garimpo são usados na mesma rota e diversificam os negócios”, disse.

Aiala Colares afirma que o crime organizado se aproveita de uma atuação estatal precária na Amazônia. Também critica o governo Bolsonaro por ter facilitado e incentivado muito a atuação de garimpeiros.

O procurador afirma que a ausência de Estado é um catalisador da atuação de facções criminosas maior do “que o conceito de vazio demográfico da região”.

Só o Vale do Javari, onde ocorreu o desaparecimento, tem área equivalente a 56 vezes o tamanho do município de São Paulo.

“Nos pelotões de fronteiras, há uma atuação de combate ao tráfico de drogas, mas não há a mesma preocupação da degradação do meio ambiente. A gente vê o Exército e a Polícia Rodoviária Federal fortalecidos em alguns pontos, mas onde há degradação ambiental, na demarcação de terras indígenas, a gente não vê o mesmo empenho.”

O procurador destaca ainda que o tráfico, como em qualquer região do mundo, faz cooptação da população para dominar a região. Algumas vezes atuando nas necessidades dela outras avançando sobre a cultura dos povos tradicionais.

Ele citou o exemplo do Acre, onde houve registros de narcotraficantes que buscaram casar com mulheres indígenas para passar a ter direitos sobre as terras e iniciar plantação de coca.

Todos esses conflitos cercam e ameaçam o direito e a decisão de vários grupos e etnias que optaram pelo não contato com não indígenas e até mesmo com populações indígenas, no Vale do Javari.

Em 2021, reportagem da Folha mostrou que Atalaia do Norte concentrava em sua área urbana precária um número desproporcional de igrejas e missionários para a população de 20 mil habitantes.

O interesse dos missionários era a evangelização dos indígenas isolados no momento em que o governo Bolsonaro havia nomeado o pastor, antropólogo e ex-missionário Ricardo Lopes Dias para chefiar a coordenação-geral de Índios Isolados da Funai (Fundação Nacional do Índio).

Ricardo Dias substituiu justamente o indigenista Bruno Pereira, que defende o direito os indígenas ao isolamento. Na ocasião, um grupo de 14 indigenistas denunciou que a exoneração de Bruno, um dos mais experientes da Funai em relação aos isolados, era prenúncio de problemas na proteção a esses povos.

Folha