Bolsonaro deixou má imagem nos EUA
Foto: Alan Santos/PR
Professor assistente de Estudos Internacionais e professor Wick Cary de Estudos Brasileiros na Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, Fábio Costa Morais de Sá e Silva considera limitados os efeitos da visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA. “Bolsonaro continua empenhado em vender ao seu eleitorado um faz de conta. Vai dizer que a reunião foi boa, espalhar clipes de motociata, enfim, vender como uma vitória. Na prática, sabemos que não foi nada disso”, disse, em entrevista ao Correio. Ele alerta também sobre os ataques do presidente brasileiro às urnas eletrônicas, ao que caracterizou como uma possível “versão tupiniquim da invasão ao Capitólio”. Sobre as eleições, Sá e Silva afirma que o governo não conseguirá dar respostas econômicas satisfatórias para o eleitor. Leia os principais pontos da entrevista.
Como avalia a atual relação entre Brasil e EUA?
É uma relação desgastada. Bolsonaro cometeu um erro; alinhou-se a uma candidatura que foi derrotada (Trump) e demorou para reconhecer a vitória de Biden. Além disso, abraça agendas antagônicas a preocupações centrais da administração Biden, como mudanças climáticas, violência contra negros, direitos dos povos indígenas e a própria democracia. Também cresceu no Congresso dos EUA (em especial entre os democratas) uma bancada em favor da democracia e dos direitos humanos no Brasil, cujos parlamentares já escreveram várias cartas ao presidente Biden pedindo medidas mais duras visando constranger Bolsonaro. A sorte do Brasil é que, hoje, a prioridade da política externa norte-americana é o enfrentamento com a China, e Biden não quer deixar o Brasil suscetível à influência de Pequim. Nesse sentido, ele tensiona, mas não rompe com Bolsonaro.
O que representa essa primeira conversa entre o presidente Bolsonaro e Biden?
Bolsonaro continua empenhado em vender ao seu eleitorado um faz de conta. Vai dizer que a reunião foi boa, espalhar clipes de motociata, enfim, vender como uma vitória. Na prática, sabemos que não foi nada disso.
Como é vista a gestão Bolsonaro no exterior?
A avaliação é ruim. Um dos picos foi na pandemia, quando Bolsonaro fez pouco caso da ciência, até mesmo das vacinas e colocou o Brasil no topo do ranking das mortes. Outro está se formando agora, no rescaldo do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira, o qual escancarou o descaso do presidente com a segurança na Amazônia e o bem-estar dos povos indígenas.
Quais as perspectivas sobre as eleições de outubro no Brasil?
As pesquisas sugerem uma vitória de Lula e uma derrota de Bolsonaro. Isso é condizente com a deterioração da situação econômica e social no Brasil — o retorno da inflação, o aumento do custo de vida, a persistência do desemprego — e também com a estratégia de Bolsonaro, que sempre foi de fidelizar seu eleitorado radical, ao invés de governar para todo o país. O governo parece consciente de que, até outubro, não conseguirá virar o jogo, mas tenta virar a mesa, aprovando corte de impostos para baixar o preço da gasolina e até mesmo pedindo ao varejo para represar aumentos no preço de alimentos. É difícil que consiga. Em paralelo, continua atacando as urnas eletrônicas, talvez preparando uma versão tupiniquim da invasão ao Capitólio.
Há diferença entre as eleições de 2018 e a de 2022?
São contextos radicalmente diferentes. Em 2018, a Lava- Jato estava a pleno vapor, Lula foi excluído das eleições, e as elites políticas prometiam ao país que candidaturas liberais ou antagônicas ao PT trariam investimento e empregos. Em 2022, a Lava-Jato está morta. Lula, de uma maneira ou de outra, venceu todos os processos que tinha contra si, e a política de Guedes resultou numa combinação rara de inflação, desemprego, dólar alto e juros altos. Também houve aprendizado institucional (por exemplo, por parte do TSE) e de boa parte da população sobre como lidar com desinformação.
Como analisa os ataques de Bolsonaro a outros Poderes e os reiterados ataques às urnas?
É o fator de maior preocupação para mim e muitos outros colegas. A inspiração de Bolsonaro na cartilha de Trump é clara. No contexto americano, isso gerou os ataques ao Capitólio, mas Trump não contava com militares. No Brasil, coube ao próprio TSE legitimar os militares como fonte de questionamento da segurança das urnas e, recentemente, em depoimento no Congresso, uma autoridade das Forças Armadas foi incapaz de rejeitar categoricamente que eles apoiariam um golpe. Cabe às forças democráticas no Brasil agirem para reduzirem o espaço desse tipo de golpismo. O tempo é curto, e o desafio, imenso.
Em meio a polarização Lula-Bolsonaro, avalia maior risco de violência e instabilidade nas eleições deste ano?
Sim, mas não exatamente por polarização. O Brasil já teve eleições polarizadas sem violência e instabilidade. O problema é que a extrema direita utiliza a violência e a instabilidade como método e, quanto mais perde capital eleitoral, mais isso fica sendo o único recurso de que ainda dispõe.
Quais fatores influenciarão as eleições em 2022?
O principal é a economia, onde a deterioração foi enorme. Não há espaço para falar de muito mais coisa num país com 30 milhões de famintos.
A terceira via ainda tem chance?
Sempre avaliei que o espaço eleitoral da terceira via era diminuto, afinal, temos um presidente em exercício (Bolsonaro) concorrendo contra um ex-presidente (Lula). A tendência de que a maior parte dos votos confluir para essas duas candidaturas é enorme. Fora isso, as forças políticas que aspiravam à condição de “terceira via” foram incapazes de se entender e se arranjar. Já perdi a conta de quantos candidaturas de “terceira via” foram lançadas e, depois, sepultadas. Por fim, Lula conseguiu reduzir ainda mais o espaço da terceira via ao convidar Alckmin para a vice. Não quer dizer que uma chapa de terceira via não se apresente, mas, a menos que aconteça algum cataclisma político, não conseguirá ser competitiva. Pode, no máximo, forçar um segundo turno.
Bolsonaro pediu a empresários que tivessem “menor lucro possível” em relação a produtos da cesta básica. O que pensa a respeito desse apelo?
São medidas desesperadas. Revelam que o governo entendeu que o peso da pauta econômica será incontornável, mas que não conseguirá dar uma resposta ao problema até outubro. O apelo em si chega a ser risível, quando lembramos que, em 2016, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) adotou o slogan de que “não iria pagar o pato” daquela crise econômica e se tornou uma das principais patrocinadoras do impeachment da ex-presidente Dilma. Empresários nunca foram altruístas, e duvido muito que agora aderiram em massa ao pleito do presidente.