Bolsonaro pode decretar quinto congelamento de preços no país
Foto: Gui Prímola/Metrópoles
Nos últimos 36 anos, o governo brasileiro optou, em quatro ocasiões, pelo congelamento de preços para tentar conter o avanço da disparada da inflação dos alimentos. Com a carestia afetando cada vez mais pessoas e de forma ainda mais severa, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, defenderam que empresários “colaborem” e não aumentem o custo dos produtos.
Especialistas consultados pelo Metrópoles afirmam que uma medida como essa, se aplicada, não trará benefícios – e, pior: os efeitos a longo prazo podem ser devastadores, segundo os profissionais.
Os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor de Mello autorizaram esse tipo de restrição na economia para driblar os preços da comida. Os congelamentos ocorreram em 1986, 1987, 1989 e 1990.
Em comum nas decisões, a escalada da inflação pressionou o bolso do consumidor e arranhou a imagem do governo da vez.
Veja os planos econômicos que congelaram preços no Brasil:
Plano Cruzado, em 1986: o presidente era José Sarney, e o ministro da Fazenda, Dilson Funaro;
Plano Bresser, em 1987: o presidente era José Sarney, e o ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira;
Plano Verão, em 1989: o presidente era José Sarney, e o ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega; e
Plano Collor, em 1990: o presidente era Fernando Collor de Melo, e a ministra da Economia, Fazenda e Planejamento, Zélia Cardoso de Melo.
Economistas são categóricos ao apontarem mais prejuízos do que benefícios. Eles explicam que o congelamento faz produtos sumirem das prateleiras dos supermercados e que, após a restrição, o valor que ficou represado dispara aceleradamente.
O momento mais marcante desses planos econômicos foi quando os chamados “fiscais do Sarney” monitoravam o varejo brasileiro para segurar os preços na gôndola dos supermercados.
A convite do Metrópoles, três especialistas analisaram o cenário econômico, falaram sobre o que uma medida do tipo pode causar, quais os efeitos posteriores e como o governo poderia solucionar a inflação dos alimentos sem congelar preços.
Confira, a seguir, os principais pontos das entrevistas:
– Rui Tavares Maluf, cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
O professor é totalmente cético em relação à medida. Ele cita como exemplo a Argentina, que decretou restrição semelhante, e tem amargado os efeitos decorrentes. “Isso não funciona, e nunca funcionou. É uma contradição. Defender uma medida como essa não tem fundamento. É de caráter eleitoreiro, no pior sentido. Isso não contribui para economia nem para a sociedade”, critica.
Tavares Maluf explica que, num primeiro momento, para as pessoas com menos renda, pode aparentemente ser maravilhoso, por conta do orçamento apertado. Contudo, os efeitos, com o passar do tempo, são nefastos. “Faz um buraco gigantesco na economia”, conclui.
– Simão Davi Silber, professor doutor de economia na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP)
O economista faz um alerta: congelar preços irá acentuar um problema que já está crescente – o desabastecimento. “O congelamento piora essa situação. As mercadorias vão desaparecer. Se o preço ficar congelado, defasado, como na época do Plano Cruzado, por exemplo, em pouco tempo, acabou o abastecimento. As prateleiras ficaram vazias. Se for feito, é um tiro no pé”, avalia.
“Tudo que fica represado, como uma represa de água, se estourar vai fazer um estrago grande. O preço que estava reprimido vai para as alturas. Não tem milagre. Isso já foi tentado no mundo todo e nunca deu certo. Temos em Cuba há 70 anos e não funciona”, frisa.
Se o congelamento de preços não resolve, qual seria a alternativa mais viável? “Não adianta controlar preço, tem que estimular a oferta, estimular o plantio, e não se controla choque de oferta com juros”, indica.
– André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre)
“Não vai funcionar.” Com essa avaliação, André Braz explica que não se pode obrigar o supermercado a comprar um produto mais caro e vender mais barato. “Ele não é o culpado pelo aumento dos preços. Ele faz a intermediação entre o atacado e o varejo. O produto fica caro em toda a cadeia produtiva”, pondera.
Para ele, a defesa do congelamento é uma “política de retrocesso”. “É um discurso que não está de acordo com os parâmetros da economia. Atende mais ao discurso político de véspera de eleição. Esse discurso já deu, ficou na década de 1980”, sinaliza.
André Braz avalia que o governo deve traçar parâmetros para reestruturar a economia no próximo ano. A estratégia poderia minimizar os efeitos da recessão causada por fatores como a pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia, bem como por aspectos internos do Brasil.
“O discurso tem que ser sobre qual será a política fiscal do próximo governo. Preparar as contas públicas para um investimento estrutural que faça o país crescer a taxas mais robustas. Temos uma economia que está passando por uma pressão inflacionária que atinge o mundo inteiro. A diferença é que, aqui, a desigualdade é muito grande”, contemporiza.