Bolsonaro surta após perder no STF

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Foto: Reprodução

Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) restabeleceu a cassação imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR), por divulgação de “fake news” nas redes sociais. A derrota do presidente Jair Bolsonaro fez com que ele reagisse em um discurso instantes depois, falando claramente em ruptura, ofendendo ministros do STF e condicionando a transmissão do cargo em caso de insucesso eleitoral.

Os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram para revogar a liminar que havia sido concedida a Francischini pelo ministro Nunes Marques, no sentido de devolver-lhe o mandato. Apenas Mendonça votou para referendar a decisão do colega. Tanto Nunes Marques quanto Mendonça foram os dois únicos indicados por Bolsonaro para compor o colegiado.

O parlamentar teve seu diploma de deputado estadual cassado pelo TSE porque, durante uma “live” realizada no dia do primeiro turno das eleições de 2018, disse que as urnas haviam sido fraudadas para impedir a vitória do presidente Jair Bolsonaro – o que é mentira. A defesa de Francischini acionou o Supremo e obteve decisão liminar favorável de Marques.

Ao abrir divergência, Fachin, atual presidente do TSE, disse que a cassação foi “correta e adequada à ordem jurídica” e que as informações falsas divulgadas por Francischini na transmissão ao vivo ultrapassaram os limites da liberdade de expressão.

“Às vezes é necessário repetir o óbvio: não existe direito fundamental em atacar a democracia a pretexto de exercer a liberdade de expressão”, concluiu.

Lewandowski, em seguida, proferiu um voto breve e limitado às questões técnicas do processo. Ao empatar o placar, disse que o pedido de suspensão da cassação foi “heterodoxo” e afirmou não ver nos autos “situação em que se mostrasse patente a concessão de tutela”.

O voto de desempate foi do decano do Supremo. Para Gilmar, ataques ao sistema eleitoral, especialmente no dia das eleições, são condutas de “gravidade ímpar”, que não podem ser toleradas em uma democracia.

“Não há como legitimar o mandato de alguém que é escrutinado sob esse mesmo registro eletrônico de voto, mas ostenta características de potencializar a desconfiança da população nas urnas sob as quais ele mesmo foi eleito”, disse Gilmar.

“Aceitar como normal esse discurso de deslegitimação do resultado das urnas volta-se contra a própria Constituição Federal de 1988, a qual juramos proteger”, continuou o decano.

A conclusão do julgamento na Segunda Turma enterra outro caso que estava em discussão no plenário virtual do STF – um mandado de segurança impetrado pelo deputado estadual Paulo Bazana (PSD-PR) para derrubar a liminar de Marques.

De relatoria da ministra Cármen Lúcia, o processo estava sendo analisado ontem, desde às 0h, pela plataforma eletrônica do STF, mas Mendonça pediu vista ainda durante a madrugada. O ministro disse que, como a Turma também julgaria o tema em poucas horas, era preciso “evitar decisões conflitantes”.

Depois que concedeu a liminar, na noite de quinta-feira, Nunes Marques havia afirmado a auxiliares que levaria a decisão a referendo apenas se houvesse recurso. Porém, depois que foi aberta a sessão virtual extraordinária para analisar o pedido de Bazana, ele decidiu se antecipar.

De acordo com fontes do tribunal, o ministro sabia que ficaria vencido no plenário, ocasião em que todos os integrantes do STF votam, mas nutria esperança de que, na Segunda Turma, um colegiado menor, pudesse convencer mais alguém – além de Mendonça – a apoiá-lo.

O Ministério Público Eleitoral (MPE) também recorreu da liminar. Para o órgão, as falas do deputado foram “muito além de comprometer a legitimidade do pleito, tendo em vista seu potencial de desestabilização do Estado Democrático de Direito”.

Pouco depois, inconformado com a decisão do Supremo o presidente Jair Bolsonaro exaltou-se ao falar por quase meia hora em um evento oficial no salão nobre do Palácio do Planalto.

Diante da plateia de ministros do governo, parlamentares e outros apoiadores, disse estar “indignado” por ver um “brutal ato de injustiça” no STF, que havia finalizado o julgamento de Francischini minutos antes do evento. “Pode alguém ser detido por ‘fake news’?”, pontuou. “A condenação no TSE foi com objetivo de criar jurisprudência para perseguir os outros”, emendou Bolsonaro.

O presidente voltou a reclamar do fato de o TSE não acatar todas as sugestões das Forças Armadas sobre o processo eleitoral e sugeriu de forma mais explícita a possibilidade de uma ruptura.

“Eu sou chefe das Forças Armadas, nós não vamos fazer papel de idiotas. Eu tenho a obrigação de agir. Eu não vou viver como um rato, tem que ter uma reação”, bradou. “Não podemos terminar umas eleições onde um lado não vai se satisfazer com o resultado. Isso não é um desabafo, é um alerta à nação brasileira”.

Bolsonaro voltou a reclamar da reunião que o presidente do TSE, Edson Fachin, teve com embaixadores para falar da transparência do processo eleitoral. No entendimento de Bolsonaro, foi uma forma de dizer às autoridades estrangeiras que ele planeja um golpe de Estado e que o resultado das eleições deve ser reconhecido fora do país.

Além de Fachin, o ministro Alexandre de Moraes, que assumirá o TSE antes das eleições, também foi alvo dos ataques.

“Qual isenção tem Fachin para assumir as eleições? Qual isenção terá Alexandre de Moraes? O que eles querem? Uma ruptura?”, afirmou. “Ganhe quem ganhar, eu entrego a faixa [presidencial], em eleições limpas, democráticas e auditáveis.”

Desde 2020 o presidente tem levantado suspeitas sobre o sistema eletrônico de votação, sem jamais ter apresentado qualquer evidência de falha que corroborasse suas afirmações. Ele pressionou o Congresso a aprovar uma proposta de emenda constitucional para reinstituir o voto impresso, mas a PEC foi rejeitada em agosto por larga diferença na Câmara. No mês seguinte, Bolsonaro participou de manifestações onde houve ameaça de invasão ao Supremo.Ele ameaçou na ocasião desrespeitar decisões da Justiça, tendo voltado atrás em uma carta que assinou após encontrar-se com o ex-presidente Michel Temer e conversar por telefone com Moraes. Ontem, Bolsonaro voltou a ameaçar a desobediência. “Eu fui do tempo em que decisão da Justiça se cumpre, não sou mais”, afirmou.

Pouco antes, em uma entrevista ao “SBT News”, Bolsonaro dissera que ele e Moraes teriam combinado “certas coisas” em setembro que o ministro do STF não cumpriu posteriormente.

Temer rebateu as declarações de Bolsonaro. Em nota oficial, declarou: “As conversas se desenvolveram em alto nível como cabia a uma pauta de defesa da democracia. Não houve condicionantes e nem deveria haver pois tratávamos ali de fazer um gesto conjunto de boa vontade e grandeza entre dois Poderes do Estado brasileiro. Mais do que nunca, o momento é de prudência, responsabilidade, harmonia e paz.

Valor Econômico