Durante 1/4 de século militares não disseram um A sobre urnas eletrônicas
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Os militares só começaram a questionar o sistema eletrônico de votação no fim de 2021, sob o governo de Jair Bolsonaro, segundo informações do Ministério da Defesa e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) obtidas via LAI (Lei de Acesso à Informação).
Patrocinada pela própria corte eleitoral, a entrada das Forças Armadas no debate sobre as urnas eletrônicas deu munição para Bolsonaro promover ataques ao processo eleitoral.
Desde o ano passado, os militares fizeram 88 questionamentos ao sistema de votação, além de sugestões de mudanças nas regras do pleito.
As Forças Armadas afirmam que, antes disso, não levantaram dúvidas sobre o processo eleitoral nem elaboraram estudos sobre a segurança das urnas.
As informações da Defesa foram apresentadas à Folha em duas respostas via LAI. Em um dos casos, a reportagem pediu “todos os questionamentos” das Forças Armadas ao TSE sobre as eleições desde 1996, ano de lançamento das urnas eletrônicas.
“Não foram encontrados ‘questionamentos’ feitos por este ministério ao TSE antes de 2021/2022, versando sobre o sistema eleitoral”, respondeu a pasta.
No segundo pedido, sobre “estudos, pareceres ou qualquer tipo de análise sobre a segurança do sistema” feitos pelos militares no período, a Defesa disse que “não foram encontrados” documentos desse tipo.
O TSE, pelo mesmo canal, disse que “não recebeu contribuições anteriores [a 2021] do Ministério da Defesa, a fim de aperfeiçoamento do processo eleitoral informatizado”.
A reportagem questionou a Defesa sobre eventuais indagações das Forças Armadas sobre a segurança do sistema eleitoral ao longo dos anos, mas não houve resposta.
Em agosto do ano passado, Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE, convidou as Forças Armadas a participar da CTE (Comissão de Transparência das Eleições), grupo que também reúne especialistas e representantes do Congresso, Polícia Federal e outras entidades.
No âmbito da comissão, os militares apresentaram os mais de 80 questionamentos, além de sete sugestões de alterações nos procedimentos das eleições. Quase a totalidade das propostas foi rejeitada de forma assertiva pelo TSE.
Em alguns casos, técnicos do tribunal apontaram erros de cálculos e confusões de conceitos na análise dos militares.
O TSE afirma, por exemplo, que não há “sala secreta” de totalização dos votos, um argumento frequentemente usado —sem provas— pelo presidente Bolsonaro.
Nesta sexta-feira (10), a Defesa apresentou uma tréplica ao TSE e disse que os militares se sentem desprestigiados no debate sobre as eleições. Em ofício, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, disse que não houve equívocos nas análises, mas divergências técnicas, e cobrou novamente algumas das alterações no processo eleitoral.
Após a última manifestação da Defesa, o TSE disse que “analisará todo o conteúdo remetido, realçando desde logo que todas as contribuições sempre são bem-vindas e que preza pelo diálogo institucional que prestigie os valores republicanos e a legalidade constitucional.”
“A Justiça Eleitoral está preparada para conduzir as eleições de 2022 com paz e segurança”, declarou o tribunal.
No sábado (11), o TSE disse considerar que aceitou total ou parcialmente 10 propostas entre 16 sugestões que estavam nos 88 questionamentos feitos pela Defesa. Os questionamentos feitos pelos militares incluem desde pedidos de informação sobre o organograma do TSE até dados mais técnicos, como cálculos usados em testes de segurança das urnas.
A Folha também pediu via LAI e por meio da assessoria de comunicação da Defesa o acesso à íntegra dos questionamentos apresentados desde o ano passado, mas os militares disseram que esses papéis devem ser divulgados pelo TSE.
O ministro da Defesa e Bolsonaro chegaram a cobrar do tribunal a divulgação dos documentos. O TSE, porém, já autorizou que a documentação seja apresentada pelos próprios autores, ou seja, os militares.
Os militares são representados na CTE pelo general Heber Portella, chefe da segurança cibernética do Exército. Bolsonaro, no entanto, tem afirmado que ele mesmo, por ser o comandante supremo das Forças Armadas, passou a participar do debate sobre as eleições após o convite feito por Barroso.
“Eles [TSE] convidaram as Forças Armadas a participarem do processo eleitoral. Será que esqueceram que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Bolsonaro?”, disse o presidente no fim de abril, quando promoveu um evento oficial no Planalto com ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Em transmissão nas redes sociais feita em 2 de junho, Bolsonaro disse que “lamenta” o fato de o TSE ter convidado as Forças Armadas para compor a comissão de transparência das eleições da corte e depois não ter aceitado as sugestões da instituição para fazer alterações no modelo eleitoral do país.
Na reação mais forte ao discurso golpista de Bolsonaro, o presidente do TSE, Edson Fachin, declarou em maio que a eleição é assunto civil e de “forças desarmadas”.
No mesmo discurso, Fachin disse que os militares prestam “serviço valioso” na logística das eleições.
Apesar dos seguidos ataques de Bolsonaro ao TSE, as atas dos três encontros feitos pela CTE registram manifestações tímidas do general Portella, feitas apenas na reunião de 25 de abril.
Nesse dia, o militar pediu acesso ao cálculo feito pelo TSE para medir o “índice de confiabilidade” do teste de integridade das urnas eletrônicas. O exame começa na véspera da eleição e testa se os equipamentos estão de fato registrando os votos corretamente.
Portella “consultou, ainda, sobre a possibilidade de que seja feita uma auditoria específica, caso haja um resultado diferente nos testes de integridade”, registrou a ata. Também pediu que o TSE informasse “qual seria a melhor forma de realizar as auditorias existentes”.
O tribunal aumentou o número de urnas auditadas neste ano no teste de integridade. Em questionamentos feitos ao TSE, as Forças Armadas disseram que é baixo o nível de confiança desse exame e sugeriram nova metodologia. Técnicos do tribunal, porém, responderam que os militares erram cálculos e conceitos.
A ideia de Barroso ao formar a CTE era trazer os militares para mais perto do processo eleitoral e, assim, conseguir o respaldo das Forças Armadas na defesa do sistema eletrônico de votação. Em conversas reservadas, porém, magistrados de cortes superiores avaliam que a medida deu espaço para as Forças Armadas e Bolsonaro tumultuarem o debate sobre as eleições.
Em reação aos ataques ao sistema eleitoral, o TSE tem buscado interlocução com representantes de diversos setores, inclusive das Forças Armadas.
Segundo pesquisa Datafolha divulgada no dia 27 de maio, mais da metade da população afirma concordar com a participação das Forças Armadas na contagem dos votos da eleição: 58% dos eleitores responderam concordar (totalmente, 45%, ou em parte, 13%) com a afirmação de que os militares devem ter um papel na totalização dos votos.