Jornalistas discutem ameaças de Bolsonaro à liberdade de imprensa

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Foto: André Dusek/Estadão

Segundo os especialistas ouvidos pelo Estadão, na atualidade a liberdade de imprensa se vê assediada de três formas: pelas tentativas de sufocamento econômico dos jornais, pelos limites e embaraços à Lei de Acesso à Informação (LAI) e pelos ataques e agressões verbais e físicas a jornais e jornalistas, muitas delas estimuladas pelo presidente da República e por seus auxiliares. O jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), destaca o caso do presidente Jair Bolsonaro, que pediu a empresários que suspendessem os anúncios em jornais que ele considerava seus inimigos. Para ele, trata-se de uma forma de ação aberta para inviabilizar os negócios. “Quando ele ofende jornalistas, o presidente contribui para que as milícias digitais sigam na escalada de ofensas para asfixiar a imprensa e os jornalistas.”

Para Bucci, Bolsonaro e seu governo são responsáveis pelas pressões mais graves feitas contra a imprensa desde o regime militar.

No caso da transparência, houve duas tentativas legais de se alterar ou suspender a LAI no atual governo. “O decreto de 2019 aumentava o número de agentes públicos com o direito de impor os mais altos graus de sigilo e foi rejeitado pelo Congresso. Depois, em 2020, a Medida Provisória, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, pretendia suspender os prazos de atendimento à LAI com a justificativa da pandemia, por tempo que durasse a emergência em saúde pública”, afirmou Marina Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil.

Ela aponta ainda as restrições de acesso a dados, como a recusa do governo de informar as visitas feitas ao Palácio do Planalto por pastores envolvidos com a cobrança de propina por verbas do Ministério da Educação ou o resultado dos testes de covid feitos pelo presidente Bolsonaro.

No primeiro caso, o governo voltou atrás e divulgou a informação antes de o STF julgar a legalidade da decisão. No outro, a informação se tornou pública após o Estadão obter na Justiça o direito de ter acesso à informação.

“A negativa de acesso a informações que eram públicas e fornecidas desde sempre e, de repente, pararam de ser fornecidas é uma censura de fato. Fica claro que o objetivo é evitar o escrutínio público”, afirmou Mariana.

A proporção de negativas de acesso à informação em relação ao total de pedidos feitos aumenta desde 2012. Esse índice passou de 13% no governo de Dilma Rousseff para 25% no governo de Michel Temer até atingir o nível de 26,5% no governo Bolsonaro. De acordo com ela, apesar de a LAI prever a responsabilização do agente público e considerar ato de improbidade administrativa o descumprimento da lei, não há registros até agora de punição de agente público foi punido.

Para Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), não se pode negar à sociedade um direito básico da cidadania: o direito à verdade e à informação. “Como se vai tomar decisões se você não tem os fatos verdadeiros? Como cuidar dos seus filhos se o governo diz que não precisa vacinar?” Ribeiro compara a situação vivida, em 2020, no Brasil com um episódio ocorrido nos anos 1970.

“Durante a ditadura militar, tivemos a tentativa do governo de ocultar a epidemia de meningite, o que agravou a situação. Agora foi diferente. O que foi muito espantoso no presente foi a disposição deliberada de promover a mentira. Não se tratou de ocultar fatos ou silenciar informações sobre mortes. Seria o equivalente a dizer: a meningite não mata, que se trata de uma doença boa.”, afirmou Ribeiro. “Isso é ímpar em nossa história.”

Foi nesse momento que a união de meios de comunicação, com a formação de consórcio entre o Estadão, a Folha, O Globo, o UOL e TV Globo garantiu à população informações atualizadas sobre o número de mortes e de casos no país e, depois, sobre os avanços da vacinação em todos os Estados. Para os especialistas, foi a liberdade de imprensa que garantiu a prestação desse serviço durante a pandemia.

A fiscalização dos governos coloca a imprensa na alça de mira dos políticos de diversos partidos. Natália Mazotte, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), afirmou que em 2021 a associação registrou 453 ataques contra comunicadores. Ao todo, 69% desses ataques foram causados por agentes estatais.

“E o presidente Jair Bolsonaro sozinho conseguiu atacar a imprensa 89 vezes em 2021. Ou seja, ele representou sozinho quase 20% do total de ataques. Não há precedentes disso desde a redemocratização.” Os ataques à imprensa, segundo ela, estão ligados à polarização política. “É preciso separá-los das críticas à imprensa são válidas. A imprensa não está isenta de erros.”

Enfim, dizem os especialistas, proteger a liberdade de imprensa é condição necessária para se proteger as liberdades na República. Janine Ribeiro vê só um caminho para isso: “A ideia básica é ser iluminista: dizer a verdade e combater a mentira, seja pela imprensa, pela universidade e pelo judiciário para enfrentar essa cruzada do mal.”

Bucci diz que a resposta aos ataques à imprensa passam pelo fortalecimento das instituições, pela proteção do direito à informação do cidadão e por uma ordem que assegure a liberdade de expressão e puna os crimes que a burlam. “Há forças que se articulam em uma espécie de indústria para desinformar e estimular a violência. Isso não é liberdade de expressão. São grupos que a invocam para atentar contra a liberdade de todos os demais.” Para superar as ações dos autocratas é preciso fortalecer a Educação. Bucci resume assim o problema: “O objetivo do governo implementa um política de desprezo à imprensa e aos jornalistas como forma de desinformar o cidadão”.

Estadão