Ministro bolsonarista do STF atira seu nome na lama

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Foto: Nelson Jr./SCO/STF

As decisões que salvaram deputados bolsonaristas da cassação imposta pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) reforçaram a percepção de alinhamento do ministro Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), aos interesses do Planalto. O reflexo de seu posicionamento tem sido o acúmulo de críticas internas e o isolamento do ministro durante os julgamentos.

Ao suspender a cassação de Fernando Francischini, o primeiro condenado por fake news pelo TSE, Nunes Marques derrubou com uma canetada uma decisão chancelada por três de seus pares no Supremo.

Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes defenderam no TSE a perda de mandato do parlamentar por uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político.

Internamente, uma ala do STF acredita que o melhor é que o caso seja levado prontamente para discussão no plenário da Corte.

O passo foi dado neste sábado (4), quando a ministra Cármen Lúcia pediu ao presidente do STF, Luiz Fux, que pautasse para julgamento virtual a ação de um deputado estadual do Paraná que questiona a decisão de Nunes Marques. A sessão foi agendada por Fux imediatamente.

A manobra de Cármen dificulta o plano inicial de Nunes Marques, que era discutir eventual recurso contra a sua decisão na 2ª Turma do STF, colegiado que preside e que é composto por Fachin, André Mendonça, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Se o caso fosse para a 2ª Turma, caberia a Nunes Marques, como relator, liberar o processo para julgamento e, como presidente da Turma, agendá-lo. Enquanto isso, sua decisão que suspendeu a cassação de Francischini seguiria válida.

Com a manobra de Cármen, o plenário deverá decidir na próxima terça (7) sobre o destino da decisão do ministro. Há a expectativa que Nunes Marques fique novamente derrotado neste caso e que a maioria do STF derrube sua liminar.

Embora não seja um fenômeno restrito ao magistrado na história do STF, a percepção de que Nunes Marques vota seguindo interesses alinhados ao Planalto ganhou destaque com as declarações de Bolsonaro em defesa dos seus indicados.

O presidente já disse que Nunes Marques é um dos seus “10%” na Corte e costuma elogiar decisões tomadas pelo ministro que agradam o governo.

Em conversas com interlocutores próximos, Nunes Marques nega que adote uma postura favorável ao governo e relembra que já proferiu votos que desagrada o Planalto.

Um caso que costuma ser citado pelo ministro é o julgamento que derrubou o bloqueio de bens imposto pela Lava Jato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na ocasião, Nunes Marques votou junto de Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes para garantir uma vitória do petista e impor mais uma derrota à 13ª Vara Federal de Curitiba. Hoje, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto contra Bolsonaro.

O ministro também ressalta a interlocutores que, assim como os demais integrantes da Corte, tem independência em suas posições.

No mês passado, durante o julgamento dos chamados dossiês antifascistas, produzidos pelo Ministério da Justiça contra servidores e professores, Nunes Marques foi o único a defender os atos do governo. Os documentos foram revelados pelo UOL em 2020.

Em voto, disse que não via nenhuma ilegalidade no caso, mas somente relatórios que tinham como objetivo “garantir a segurança pública e prevenir atos que potencialmente poderiam gerar tumultos e agressões físicas”.

“Manifestações pacíficas do povo brasileiro são bem-vindas e constituem expressão coletiva do direito de liberdade de expressão de cada cidadão, que pode se reunir a um grupo que compartilhe de ideias semelhantes; liberdade de reunião, que, aliás, também é garantia prevista pela Constituição Federal”, disse o ministro. “O que não se pode concordar é que tais manifestações transcendam à pacífica reunião e expressão de ideias e pensamentos e desbordem para tumultos e agressão a outras pessoas ou mesmo possibilitem a depredação do patrimônio privado ou público”.

Nunes Marques ficou isolado e os demais ministros votaram para derrubar os atos do governo que produziram os dossiês antifascistas. André Mendonça, também indicado por Bolsonaro e ministro da Justiça na época da revelação dos documentos, se declarou suspeito e não votou.

Outro marco que reforçou a percepção da postura de Nunes Marques foi o julgamento do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado a oito anos e nove meses de prisão por ameaças a magistrados do tribunal.

Na ocasião, a punição ao parlamentar era vista internamente como uma forma do Supremo mandar um recado contra os ataques à instituição — mas Nunes Marques divergiu e considerou que as falas de Silveira eram apenas “bravatas”.

Para o ministro, Silveira “fez duras críticas com expressões chulas e agressivas”, mas não criminosas. “E, mesmo que assim não fosse, o acusado estava acobertado. Deputados e senadores são invioláveis civil e criminalmente por falas e votos”, disse.

Nunes Marques também já interrompeu julgamentos de temas caros ao Planalto, como as ações que discutem o porte de armas, a apresentação de comprovante de vacina por estrangeiros que chegam ao Brasil e a possibilidade de Bolsonaro bloquear usuários nas redes sociais.

Os casos foram paralisados por pedidos de vista (mais tempo de análise) ou destaque, quando estão no plenário virtual do Supremo. Os julgamentos seguem sem data para serem retomados.

Procurado pelo UOL, o gabinete do ministro Nunes Marques afirmou que a maior parte das interrupções de julgamentos ocorreu por destaque, e não pedido de vista. Nesta situação, o julgamento deixa o plenário virtual do STF e é reiniciado nas sessões presenciais.

“Nesses casos, o objetivo é aprofundar a análise dos temas e permitir debate claro e transparente sobre questões de relevância nacional e não de paralisar ou prejudicar a discussão”, informou o gabinete.

Publicamente, dois ministros já discutiram com Nunes Marques por divergências com o magistrado em julgamento. No mês passado, ao julgar os casos da Pauta Verde, pacote de processos que questionavam ações e omissões do governo Bolsonaro na preservação ambiental, o ministro discutiu com Cármen Lúcia.

A troca de farpas ocorreu quando Nunes Marques divergiu de Cármen e alegou que a decisão do STF poderia abrir brechas para limitar o poder de indicação do presidente para a composição do Fundo Nacional do Meio Ambiente.

Cármen pediu a palavra e rebateu o colega. “Isso não existe no meu voto e até onde pude compreender, dos outros 3 votos exarados, isso em nenhum momento foi cuidado”.

Essas situações são perigosas porque quando se expõe isso, se expõe quem votou até agora como se a gente tivesse fazendo uma barbaridade. Se eu tivesse dizendo que o presidente da República, que tem a competência regulamentar infralegal, não pode exercê-la para modificar, alterar ou aperfeiçoar a participação popular, realmente estaria uma coisa em contradição absoluta à Constituição. Não foi isso que eu disse”Cármen Lúcia, ministra do STF, a Nunes Marques

Nunes Marques então respondeu à ministra que ficava “feliz” que seu voto serviu para trazer esclarecimentos. Cármen rebateu novamente: “Eu já tinha dito isso antes. Isso já tinha sido afirmado e reafirmado”, concluiu.

Cármen não foi a única. Em dezembro do ano passado, uma observação de Nunes Marques sobre eventual aumento de criminalidade em localidades que não houve operações policiais provocou um atrito com Edson Fachin.

Na ocasião, os ministros discutiam a ação que barrou operações policiais em favelas do Rio e mandou o governo adotar um plano para reduzir a letalidade policial.

“Faço a indagação, e isso me causa preocupação, das notícias que chegam até nós do que eventualmente pode ter ocorrido neste período em que as operações foram obstadas?”, disse Nunes Marques.

Fachin interrompeu o colega. “Vossa Excelência me desculpe, é preciso ter muita cautela para fazer ilações. Muito obrigado”, disse o ministro.

Nunes Marques respondeu com humor e disse que “ilação nem cheguei a fazer, mas vou fazer”, ao que Fachin respondeu que “percebeu de antemão”.

Ao continuar o voto, Nunes Marques seguiu dizendo que mantém preocupação com a situação das comunidades após a suspensão das operações policiais e que o tempo diria se as notícias de bloqueios e até construção de bunkers seriam “meramente boatos” ou não.

“Quando as operações retornarem a sua normalidade, quando a autoridade policial conseguir adentrar essas áreas saberemos se as notícias que correm são meramente boatos, e por isso não faço ilações”, disse.

Uol