STF forma maioria contra decisões de ministro bolsonarista
Foto: Carlos Moura/STF
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar nesta terça-feira, 7, a decisão do ministro Kassio Nunes Marques, que devolveu o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR), acusado de disseminar fake news sobre as urnas eletrônicas. Em um gesto inusitado, Nunes Marques enviou para análise do colegiado a liminar dada por ele próprio que beneficiou Francischini, aliado do presidente Jair Bolsonaro.
O movimento do magistrado foi feito horas antes do início do julgamento do caso pelo plenário virtual do STF, também marcado para esta terça-feira pelo presidente da Corte, Luiz Fux. A tendência do plenário é desautorizar Nunes Marques, que contrariou sentença dada pela maioria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em outubro, quando Francischini foi cassado.
O processo pautado na Segunda Turma é diferente do que está marcado para o plenário virtual, mas ambos tratam do mesmo assunto: o restabelecimento ou não da cassação de Francischini. O caso é considerado emblemático por envolver punição para quem dissemina notícias falsas. A maioria dos ministros quer manter a decisão do TSE, que cassou o mandato do deputado.
No plenário virtual do Supremo, os magistrados vão analisar um pedido do deputado estadual Pedro Paulo Bazana (PSD-PR) para o STF restabelecer a cassação de Francischini. Foi Bazana quem ocupou a cadeira deixada pelo colega na Assembleia Legislativa do Paraná. O julgamento do mandado de segurança apresentado por ele está previsto para durar apenas um dia.
A ação foi encaminhada por sorteio ao gabinete da ministra Cármen Lúcia, que pediu o envio do processo direto ao plenário, sob o argumento de que haveria “a necessidade de urgente análise” do caso pelos demais ministros, mesmo que em caráter provisório.
Há também a possibilidade de o julgamento no plenário virtual ficar esvaziado se houver uma decisão na Segunda Turma sobre o mérito da liminar concedida por Nunes Marques a Francischini. Nesse caso, há risco de “perda do objeto”, ou seja, a análise do mandado de segurança perderia o sentido porque a decisão individual teria passado pelo colegiado. A Segunda Turma é presidida por Nunes Marques e composta, ainda, pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e André Mendonça.
A liminar de Nunes Marques criou desconforto entre os colegas e por isso os ministros devem derrubar a decisão, fazendo valer o posicionamento do TSE, que foi considerado como um precedente inédito contra a disseminação de fake news por candidatos e políticos.
O ministro Alexandre de Moraes, que estará no comando do TSE a partir de agosto – mês do início oficial da campanha – já disse que a posição da Justiça é “clara” e será aplicada nas eleições.
Na avaliação de magistrados ouvidos sob reserva pelo Estadão, Nunes Marques concedeu a liminar a Francischini para ganhar ainda mais pontos com Bolsonaro, que o indicou para o STF. Apesar das divergências, os ministros tendem a evitar ataques ao colega para que o episódio não se transforme em nova crise.
Três ministros do Supremo votaram pela cassação de Francischini quando o caso foi a julgamento no TSE, em outubro do ano passado. O então presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, disse que o deputado invocou a imunidade parlamentar como “escudo para defender uma falsidade”. Barroso destacou que tal direito “não pode acobertar a mentira deliberada”.
Na ocasião, o magistrado disse ser a favor da perda de mandato por entender que a condescendência com esse tipo de comportamento poderia comprometer as eleições deste ano.
Além de Barroso, os atuais presidente e vice-presidente do TSE, Edson Fachin e Alexandre de Moraes, respectivamente, também foram firmes ao defender a cassação de Francischini. Moraes disse ter ficado evidente nos atos de Francischini o uso indevido das redes sociais para disseminação de notícias falsas. Ele chegou a citar a possibilidade de prisão para quem espalhasse desinformação e discurso de ódio sobre o processo eleitoral.
Na decisão favorável a Francischini, Nunes Marques também argumentou que não haveria instrumentos para medir o impacto da transmissão ao vivo realizada pelo então candidato a deputado no dia das eleições, em 2018, quando ele acusou fraude nas urnas eletrônicas, mesmo sem provas.
O ministro buscou contemporizar a divergência com os colegas dizendo que compreendia e compartilhava das preocupações do TSE sobre uso irregular das redes sociais nas eleições. Argumentou, porém, que “não há como criar-se uma proibição posterior aos fatos e aplicá-la retroativamente”.
A cassação de Francischini serviu como trunfo ao TSE no combate à desinformação e passou a ser encarada no meio jurídico como exemplo de contenção das notícias falsas. O deputado estadual foi o mais votado do Paraná em 2018 e o primeiro a ser cassado pela Justiça Eleitoral por propagar mentiras sobre o sistema eleitoral, a partir do uso indevido de mídias digitais.
A sessão do TSE que sacramentou a perda do mandato de Francischini, no ano passado, foi marcada por duros recados ao Palácio do Planalto, com a sinalização de que não seria tolerado um novo episódio de ataque frontal às urnas eletrônicas.