Suicídio da 3a via tem requintes de masoquismo

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Foto: Reprodução

O tempo da política parece às vezes tão insensato que só encontra paralelo em um universo fantástico. Senão, qual personagem se identificaria mais com o estado de aflição da política nacional, do que um dos relógios das aventuras de Alice no País das Maravilhas? Não o sofisticado modelo de bolso do colete do Coelho Branco, que corre em disparada na fantasia de Lewis Carroll: “Ai, ai, vou chegar atrasado demais”.

O mais apropriado para traduzir o momento atual da política nacional é o adereço que a Lebre de Março mergulha em uma xícara, enquanto Alice a observa, intrigada, por trás dos ombros. “Que relógio engraçado, marca o dia do mês e não marca hora!”, comenta a menina. “Por que deveria? Por acaso o seu relógio marca o ano?”, questionou o Chapeleiro. “Claro que não, mas é porque continua sendo o mesmo ano por muito tempo seguido”, retrucou Alice.

O diálogo serve de alegoria ao impasse que paralisou as articulações da terceira via, que se apresenta como alternativa à fatia do eleitorado que ainda rejeita o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

É como se o bloco se deixasse guiar pelo lento relógio da Lebre, que desconhece as horas, enquanto deveria se mover pelo acessório do Coelho, que adverte: “Vou chegar atrasado demais”.

No domingo, o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, reforçou o ultimato para que o MDB apresente uma solução até amanhã para o eventual palanque unindo as duas siglas em torno da pré-candidatura de Eduardo Leite ao governo gaúcho.

O dirigente tucano deixou claro, em entrevista à Globonews que, se o palanque gaúcho não se viabilizar em torno de Leite, o PSDB pode não apoiar a pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MDB) ao Palácio do Planalto e lançar candidatura própria.

Nos bastidores, há lideranças tucanas que querem resgatar o projeto presidencial em torno de Leite. Uma ala do PSDB, entretanto, ainda defende a construção da chapa em torno de Tebet, com a indicação do senador Tasso Jereissati (CE) para a vaga de vice.

A dupla Tebet-Tasso, inclusive, já tira o sono de alguns coordenadores da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque deixaria mais remoto o sonho da vitória do petista em primeiro turno.

Até ontem, uma liderança do MDB gaúcho a par das negociações para viabilizar a aliança com os tucanos, afirmava que era “zero a chance de acontecer qualquer coisa” nesse prazo.

“Não tem como adiar isso, é difícil um tempo tão curto para fazer campanha”, argumentou o ex-presidente do PSDB José Aníbal, sobre o prazo imposto pelos tucanos ao MDB. Ele mesmo divide a escassez de tempo entre a definição do destino da sigla na sucessão presidencial e a de seu próprio rumo. Aníbal colocou na rua a pré-campanha ao Senado, com o apoio de dois grãos-tucanos, os senadores José Serra (SP), de quem é suplente, e Tasso Jereissati.

Depois que o ex-governador de São Paulo João Doria fez um gesto que, em teoria, deveria impulsionar as articulações pela consolidação de uma chapa em torno do nome de Tebet, as articulações do bloco pararam no tempo.

Os tucanos esperam que o MDB retire a pré-candidatura do deputado estadual Gabriel Souza ao governo, para que ele assuma a vaga de vice na chapa encabeçada por Leite.

A ex-senadora Ana Amélia, hoje no PSD, completaria o time disputando a vaga ao Senado.

Leite e Souza formam uma dupla afinada. Souza foi presidente da Assembleia Legislativa durante a gestão de Leite e o ajudou a aprovar projetos estratégicos, como a reforma previdenciária.

Mas para viabilizar a chapa e, via de regra, o acordo nacional, é preciso convencer as principais lideranças do MDB gaúcho e a própria militância do partido de que é legítimo não lançar candidato pela primeira vez em sua história para viabilizar o projeto nacional de Simone Tebet.

O MDB lançou candidatos em todas as disputas ao Palácio Piratini desde a redemocratização e elegeu quatro governadores: Pedro Simon, Antônio Britto, Germano Rigotto e José Ivo Sartori.

Atualmente, o MDB gaúcho ostenta o título de maior diretório do partido, com 135 prefeitos dos 497 municípios do Estado, além de 124 vice-prefeitos e quase 1.200 vereadores. O cálculo é de que o partido governa quase 40% do eleitorado gaúcho.

Em paralelo, o PSDB governa cidades médias, como Pelotas, Santa Maria, Caxias do Sul e Novo Hamburgo, mas não tem a capilaridade do MDB no interior.

Lideranças do MDB que acompanham de perto o impasse veem um tour de force entre a velha guarda do partido, que tem como expoentes dois coordenadores da campanha de Tebet – Rigotto e o ex-senador José Fogaça -, além do presidente da Fundação Ulysses Guimarães, deputado Alceu Moreira, que defendem a candidatura própria ao Piratini, e as jovens lideranças, como Gabriel Souza e o presidente do diretório do MDB gaúcho, prefeito de Rio Grande, Fábio Branco, que não descartam a aliança com Leite.

Há velhas rusgas no ar, como a memória amarga de que Leite venceu nos dois turnos o ex-governador Sartori, que tentou se reeleger em 2018. Se emplacar a candidatura neste ano, Leite enfrentará a tradição do eleitor gaúcho de nunca reeleger governadores.

Na sexta-feira o ex-governador Germano Rigotto havia dito ao Valor que, um dos problemas, era que Leite cobrava uma posição do MDB sem ter anunciado publicamente a pré-candidatura ao Palácio Piratini.

Nos bastidores, entretanto, Leite admitiu o projeto às lideranças do MDB envolvidas na articulação. “A senadora Simone Tebet me relatou que o Eduardo Leite comunicou a ela que será candidato a governador”, afirmou o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP).

Depois de tantas idas e vindas, hoje, finalmente, Leite vai se reunir com Rigotto e o presidente do MDB gaúcho. Há expectativa de um desfecho para o impasse.

Valor Econômico