“Bondades” de Bolsonaro não funcionaram
Foto: Ricardo Moraes/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro (PL) tinha um grande fator para reduzir neste mês a diferença que separa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas: a redução do preço da gasolina na bomba, efeito tanto da mudança de cálculo do ICMS sobre o produto quanto de toda pressão do governo sobre a Petrobras. A queda do preço da gasolina impacta diretamente na inflação, que é um sangradouro de votos para o incumbente.
O efeito político surpreendentemente foi mínimo, de acordo com a pesquisa Datafolha divulgada ontem. Bolsonaro oscilou de 28% para 29% e Lula manteve-se com 47% no intervalo de um mês.
A gasolina não é a última bala de Bolsonaro, para usar uma analogia do gosto do presidente. Ele ainda tem um trunfo, o pagamento dos benefícios majorados em pleno período eleitoral, como o recalibrado Auxílio Brasil, o dobrado vale-gás e os vouchers para caminhoneiros e taxistas. Tudo isso será pago ao longo do mês de agosto, já com a campanha eleitoral em marcha.
A pesquisa mais decisiva para se avaliar o teto de Bolsonaro e a possibilidade da eleição se resolver no primeiro turno, portanto, deverá ser a feita dentro de 30 dias.
É impressionante ainda a constância de Ciro Gomes (PDT), que obteve 8%. Em maio de 2021, ou seja, há um ano e três meses, no primeiro levantamento Datafolha já com Lula entre os candidatos, ele conseguiu 6%. O pedetista vive uma lei da gafieira nas pesquisas: quem está com Ciro não sai, quem não está, não entra. Nas eleições anteriores que disputou Ciro terminou próximo a este patamar. Se haverá um processo de voto útil do antibolsonarismo na reta final a desidratar Ciro é uma questão em aberto. Por ora, não há sinais neste sentido.
A enorme adesão da elite econômica, intelectual e empresarial do país ao manifesto pela democracia enfraquece o presidente Jair Bolsonaro, uma vez que torna mais difícil a ele operar com uma das suas cartas, que é a do golpe. Fica estabelecido que a regra da democracia precede a preferência eleitoral e está dado o recado que o presidente precisa saber perder, caso isso aconteça. A movimentação está longe, muito longe, entretanto, de aplainar o caminho de Lula para transitar livremente entre os signatários.
Os recentes contatos de Lula com o empresariado, inaugurados há cerca de um mês, não foram suficientes para quebrar resistências. O próprio fato de o petista não ter modulado seu discurso em absolutamente nada é um sinal eloquente de que a rejeição ao lulismo continua firme e forte, a ponto de concessões pareçam desnecessárias, eis que inúteis. Aceitar que ele assuma caso seja eleito, como manda a prática democrática, não significa necessariamente preferi-lo em relação a Bolsonaro em um eventual segundo turno.
Alguns mitos precisam ser desfeitos em relação à campanha. Um deles é a da capacidade do candidato a vice, Geraldo Alckmin, anestesiar a reação a Lula no meio empresarial, sobretudo o do empresariado rural.
Alckmin já teve entre seus assessores os agrobolsonaristas Ricardo Salles e Frederico d’Avila, mas isso não significa uma inflexão em benefício de Lula no campo e nem o estabelecimento de pontes.
A recente articulação para o apoio de Lula à candidatura ao Senado de um expoente ruralista no Mato Grosso, o ex-ministro da Agricultura Neri Geller, é visto como um acerto eminentemente paroquial. Seu significado está circunscritos às divisas mato-grossenses.
“Alckmin poderá exercer um papel de interlocutor com o setor rural na hipótese de ser eleito vice-presidente, mas não durante a campanha”, opina um dos signatários da carta pela democracia, o ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira Pedro de Camargo Neto.
Em linhas gerais, o entendimento mais corrente no setor de agro é que há pouco a perder caso Bolsonaro continue na presidência, desde que democraticamente, e muito a arriscar em uma volta de Lula.
Não há sinais, entretanto, de que lideranças rurais do agro estejam dispostas a embarcarem em uma aventura golpista, longe disso. A 40 dias do 7 de setembro, não há mobilização dentro deste setor para um endosso a Bolsonaro que implique em incendiar o país. Em síntese, rejeita-se as duas coisas: violar as regras do jogo do sistema eleitoral e abrir diálogo com o lulismo.
Hoje, Fernando Haddad é o único petista no Brasil em condição competitiva para disputar um governo estadual, além da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, que concorre à reeleição. Esta condição sinaliza para o nível de preocupação política que o PT tem no Estado de 34,6 milhões de eleitores, ou 22,1% do total nacional.
A disputa em São Paulo, que ganhará tons definitivos este fim de semana, com as convenções que sagrarão candidatos Tarcísio Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB), é a chave para se entender porque Lula está à frente de Bolsonaro nas pesquisas.
É um desafio tanto para Haddad quanto para o bolsonarista Tarcísio, ancorados em extremos ideológicos, prevalecerem em um eleitorado cujo grande traço distintivo é a moderação. Garcia é o candidato símbolo de uma hegemonia tão longeva quanto enfraquecida, a do PSDB, vencedor de todas as eleições desde 1994.
Haddad parte de bases mais firmes que as de Tarcísio. Irá concorrer apoiado por dois ex-governadores, Geraldo Alckmin e Márcio França, suporte que nunca um petista teve em São Paulo. Está forte na região metropolitana, que tem cerca de 46% do eleitorado paulista. Ganha terreno também na Baixada Santista, com França, colégio eleitoral de 1,4 milhão de votantes. Somadas, são a metade do Estado.
O tiroteio entre Doria e Bolsonaro entre 2019 e 2021 destruiu o politicamente o ex-governador e causou avarias na popularidade do presidente em São Paulo. Foi um jogo sem regras e sem ganhadores, que debilitou Bolsonaro no interior conservador. No vizinho Paraná, onde governador e presidente mantêm relação tranquila, Bolsonaro nada de braçada.