Brasil só teve 4 presidenciáveis negros na história

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Foto: Arte/Metrópoles

Os números sobre a participação de negros em cargos políticos no Brasil demonstram que o debate e as políticas de inclusão racial ainda precisam avançar para que pretos e pardos ocupem mais espaços.

Nas últimas duas eleições presidenciais, em 2018 e 2014, o Brasil teve apenas quatro candidaturas de políticos negros à liderança do país, de um total de 24 candidatos nos dois pleitos, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A quantidade de negros equivale a 16,6% do total de postulantes.

O número reflete a desigualdade racial acentuada na política do país — onde 56% da população se autodeclara negra (preta ou parda), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2018, Cabo Daciolo (que concorreu à Presidência pelo Patriota), Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU) foram os únicos negros entre os 13 políticos que registraram candidatura junto ao TSE.

Naquele ano, Marina Silva já era veterana na corrida presidencial: a ex-ministra do Meio Ambiente também concorreu aos pleitos de 2010 e 2014. Ela foi a única candidata negra à Presidência da República entre os políticos registrados junto ao TSE nos dois anos.

Para coletar os dados, a reportagem consultou a página Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do TSE. Informações sobre raça e cor dos candidatos só passaram a ser exigidas pelo tribunal em 2014.

Neste ano, políticos têm até o dia 15 de agosto para registrar oficializar as candidaturas junto ao TSE. Somente após esta data será possível saber quais serão os nomes da disputa eleitoral deste ano.

No entanto, alguns partidos já anunciaram a pré-candidatura de políticos. Até o momento, 12 siglas definiram candidatos ao Palácio do Planalto. Apenas dois são negros: o mineiro Leonardo Péricles (UP) , e a veterana Vera Lúcia (PSTU), de Pernambuco.

Quando observada a participação de negros na política, o número de candidaturas de pretos e pardos é mais expressiva na disputa a cargos do Legislativo. A pesquisa Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras, elaborada por pesquisadores do Instituto Insper, aponta que entre 2014 e 2018 houve um “aumento considerável” das candidaturas negras para deputados federais e estaduais.

Em 2014, foram registradas 2.333 candidaturas desse tipo para deputado federal. Em 2018, o número saltou para 3.117. No entanto, o número de candidatos eleitos permaneceu baixo: em 2014, 102 afrodescendentes assumiram os postos. Na eleição seguinte, o número foi de 124.

Para os cargos do Executivo, a dificuldade é ainda maior. “Dentro dos partidos, é muito mais fácil encontrar negros como candidatos a deputados distritais, estaduais e federais. Quando você olha as candidaturas para senador, o número é menor. E nos cargos representativos, como governador, prefeito e presidente da República, o dado é menor ainda”, avalia a pesquisadora e técnica de assuntos educacionais da Universidade de Brasília (UnB) Dalila Fernandes de Negreiros.

A especialista, que também integra o grupo Nosso Coletivo Negro, explicou que há pouco investimento dos partidos nas candidaturas de negros aos cargos políticos. Levantamento realizado pelo Metrópoles em janeiro deste ano mostrou que metade das siglas com representação na Câmara dos Deputados não têm órgãos voltados à questão racial.

Além disso, o baixo número de candidatos negros é reflexo do racismo e do contexto socioeconômico em que essa população está inserida no Brasil, aponta Dalila.

“Historicamente, a eleição depende muito do seu poder aquisitivo. Existem muitos representantes políticos que são filhos e netos de outros políticos e vão herdando esse poder de influência. Tem a questão financeira, muitos são empresários ou têm seu próprio aparato financeiro. A política é um jogo de poder, e o poder está na mão de pessoas brancas”, ressalta a especialista.

Outra dificuldade citada por Dalila é o aumento da repressão e da violência política, especialmente contra candidatos e representantes eleitos que defendem pautas ligadas aos direitos humanos. Pesquisa do Instituto Marielle Franco aponta que, nas eleições municipais de 2020, 44% das candidatas negras sofreram algum tipo de violência.

“Quando essas pessoas conseguem ser eleitas, elas ficam sujeitas a serem vítimas de violências. A gente não pode esquecer que Marielle Franco foi assassinada e diversas vereadoras e deputadas sofrem ameaças de morte. Estão em constante processo de disputa pela sobrevivência nesses espaços”, afirma Dalila.

Nas eleições deste ano, recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como Fundo Eleitoral, e o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV deverão ser proporcionais ao total de candidatos negros que o partido apresentar.

A medida foi aprovada pelo TSE após consulta protocolada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Neste ano, o tribunal também instituiu a Comissão de Promoção de Igualdade Racial, para elaborar estudos e projetos que visam ampliação de negros no pleito.

Durante o lançamento da comissão, em março deste ano, o ministro Benedito Gonçalves, do TSE ressaltou que um dos objetivos do grupo é “propor estratégias de prevenção e punição a práticas ilícitas que desvirtuem a destinação dos recursos dos fundos” às candidaturas negras.

A fiscalização da aplicação da verba dos fundos também é defendida pela pesquisadora Dalila Negreiros. Ela ressalta que a exigência de autodeclaração racial no TSE é muito recente — teve início em 2014. A pesquisadora alerta para possibilidade de “sabotagem do dado” pelos partidos.

“Muitas siglas colocam pessoas que não são negras dentro das vagas para pretos. A gente precisa ter mecanismos para validação dessas dados”, alerta.

Metrópoles