Empreiteira bolsonarista suspeita segue bombando

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Pedro Ladeira – 18.fev.2020/Folhapress

O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) direcionou obras da estatal Codevasf para a empreiteira Engefort, alvo de investigações, responsável pelo uso de empresa de fachada em licitações federais e campeã em contratos de pavimentação no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Nessas obras direcionadas pelo ex-presidente do Senado, todas no Amapá, também ocorreram desvios, superfaturamentos e superdimensionamentos, segundo investigação da área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União).

Por exemplo, para os pavimentos e sarjetas de uma ilha no trecho amapaense do rio Amazonas, a Codevasf usou indevidamente formatos e materiais geralmente empregados em rodovias com tráfego de caminhões pesados, de acordo com os técnicos.

Os documentos do TCU revelam um roteiro de como as chamadas emendas de relator podem se tornar fonte de irregularidades nos redutos eleitorais dos congressistas.

Alcolumbre, a Codevasf e a Engefort afirmam desconhecer a apuração.

A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) é uma estatal federal entregue por Bolsonaro ao controle do centrão em troca de apoio político.

No caso de Alcolumbre, as principais evidências de direcionamento apontadas pela fiscalização do TCU são ofícios enviados pelo senador à Codevasf nos quais o aliado de Bolsonaro indica:

1) as cidades a serem beneficiadas pelas chamadas emendas de relator apadrinhadas por ele;

2) o tipo de pavimentação a ser usado nas obras;

3) e a extensão das obras em cada um dos municípios indicados pelo aliado de Bolsonaro.

“Note-se que, quando há a indicação do parlamentar ou do empregado público para a realização de obra com um revestimento específico, sem qualquer fundamentação técnica e econômica expressa, indiretamente estão também se direcionando recursos para uma determinada ata [contrato] e, por conseguinte, a uma determinada empresa para a sua execução”, afirma o TCU.

Além disso, um dos ofícios “está acompanhado da planilha orçamentária da própria empresa construtora [Engefort], em que consta a composição dos serviços a serem custeados com os recursos da emenda parlamentar”.

A análise técnica do TCU é assinada pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Hídrica, de Comunicações e de Mineração do órgão, a SeinfraCOM.

AMAPÁ SE TRANSFORMA EM EMENDODUTOS DA CODEVASF
A Codevasf cresceu em contratos no atual governo. De 2018 a 2021, o valor empenhado (reservado no orçamento para pagamentos) pela estatal avançou de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,4 bilhões, a reboque das emendas parlamentares, —tudo isso sem planejamento e com controle precário de gastos.

Como mostrou a Folha, a Codevasf mudou de foco e passou a investir em pavimentações feitas a partir de licitações afrouxadas para escoar emendas parlamentares no governo Bolsonaro. A nova postura já resultou em obras precárias, paralisadas e superfaturadas.

Antes voltada para o atendimento de estados nordestinos e de Minas Gerais, principalmente a região do semiárido banhada pelo Rio São Francisco, a Codevasf hoje alcança regiões litorâneas e amazônicas.

Sob Bolsonaro, a estatal cresceu 63% no número de municípios atendidos, passando de 1.641 em 2018, na gestão de Michel Temer, para 2.675 a partir de lei de 2020, que adicionou inclusive o estado do Amapá à área de atuação. Hoje estão sob sua abrangência 15 estados e o Distrito Federal.

Dentro disso o Amapá se transformou em um dos principais emendodutos da Codevasf. A estatal ganhou um escritório regional e uma superintendência durante o governo Bolsonaro, a partir de projeto de lei de Alcolumbre.

Desde então, das 4 licitações de pavimentação já feitas pela Codevasf no estado, a Engefort ganhou 3, somando contratos no valor total de R$ 145 milhões.

Como já revelado pela Folha, na gestão Bolsonaro a construtora fez reuniões sem registro em atas com Alcolumbre e o então titular do Ministério do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (PL), atual pré-candidato ao Senado pelo Rio Grande do Norte. A Codevasf é ligada ao ministério.

Em ofício em papel timbrado da Presidência do Senado, com data de 23 de dezembro de 2020, Alcolumbre orientou o presidente da Codevasf, Marcelo Moreira, sobre como dividir cerca de R$ 90 milhões oriundos de emenda de relator para pavimentações, construções de pontes e aquisições de caminhões, escavadeiras e equipamentos agrícolas.

No dia seguinte, nota técnica da Codevasf deu aval à contratação da Engefort, a vencedora de um pregão eletrônico de pavimentação com blocos de concreto para o Amapá, citando o ofício de Alcolumbre, que destinou R$ 12,6 milhões às obras.

Seis meses depois, Alcolumbre mandou outro ofício à Codevasf, com o assunto: “Indicação de beneficiários de pavimentação no estado do Amapá”.

O documento traz uma tabela com o apontamento de 11 cidades do Amapá, os nomes de seus prefeitos e telefones, o tipo de pavimentação, com asfalto CBUQ (Concreto Betuminoso Usinado a Quente) ou com blocos de concreto, e o total de quilômetros a ser executado em cada município.

Na sequência, começaram as obras nos municípios amapaenses, porém com especificações de pavimento e sarjetas típicos de rodovias de grande tráfego.

Ao mesmo tempo em que é acusada de irregularidades no Amapá, a Engefort registra negócios de meio milhão de reais com uma empresa chamada Gran-Amapá do Brasil, que formalmente tem como donos o presidente da Assembleia Legislativa do Amapá, Kaká Barbosa (PL), e uma ex-assessora da Casa, que consta como sócia-administradora da companhia, de acordo com levantamento da Folha.

O balanço financeiro de 2021 da Engefort aponta um passivo perante a firma do Amapá no valor de R$ 322 mil.

A defesa da Gran Amapá diz que a relação entre as firmas é somente comercial e a empresa amapaense fez vendas de brita e outros insumos à Engefort que totalizaram cerca de R$ 500 mil em 2021. A Engefort também afirma que a ligação entre elas é exclusivamente comercial e a Gran Amapá é sua fornecedora.

A Gran Amapá afirma que pagou à Engefort pela venda de brita, mas é exatamente esse o material que foi objeto de desvios nas obras da Codevasf no estado, segundo os técnicos do TCU.

A fiscalização do TCU foi à Ilha de Santana, em um trecho do rio Amazonas no Amapá, e constatou que a Engefort apresentou medições e faturas por quantidades de brita que na verdade nunca foram usadas nas pavimentações da localidade.

“Foram constatados indícios de faturamento por serviços não realizados pela empresa contratada e de utilização de dados que não condizem com os serviços executados nos boletins de medição, nos laudos técnicos e na documentação de aprovação pela fiscalização”, diz relatório do TCU.

A fiscalização afirma que o montante atual de desvio é R$ 212 mil, mas pode atingir R$ 6 milhões no decorrer da execução contratual. No total, as irregularidades podem levar a prejuízos aos cofres públicos de R$ 11 milhões.

Para chegar à Ilha de Santana é preciso atravessar o rio de barco ou balsa. Seus cerca de 3.000 habitantes vivem basicamente do turismo e do extrativismo, principalmente do açaí.

A Folha esteve na ilha no começo do mês passado. À época os moradores relataram que a obra de colocação do pavimento estava parada desde dezembro.

“Até agora não chegou a pavimentação na rua onde moro. Desde dezembro eles só fizeram passar com o trator, rasparam o asfalto e deixaram só a terra. Aí quando chove fica muito barro, o que dificulta a gente sair de casa e até tem risco de acidentes”, disse o assistente administrativo Leonardo William Souza, 25.

Na rua S, por exemplo, a falta de asfaltamento causa transtornos aos moradores, porque além da lama que se forma no período chuvoso, em épocas mais secas a poeira invade as casas, causando sujeira e até problemas respiratórios.

“E tem áreas que já dá pra ver sinais de desgaste”, disse o catraieiro (condutor de pequenos barcos) Leandro de Souza Aquino, 37.

Procurados pela Folha, o senador Alcolumbre, a estatal Codevasf e a empreiteira Engefort afirmam que ainda não tomaram conhecimento sobre as apurações da Codevasf e enviaram respostas genéricas à reportagem.

Além de relatar desconhecer as investigações, Alcolumbre diz que “a Codevasf é a empresa responsável por todo o processo de execução orçamentária e de implantação das obras, sem nenhuma interferência parlamentar fora de critérios legais”.

A Codevasf diz que atua em permanente cooperação com órgãos de fiscalização e empreende obras e ações com abordagem técnica, rigor na aplicação de recursos orçamentários e estrita observância à legislação em vigor.

​A Engefort afirma que “não está respondendo a nenhum processo quanto aos contratos firmados” e “é comprometida com o cumprimento de todas as leis aplicáveis às atividades empresariais, como também aos valores éticos e morais, e, não compactua com quaisquer irregularidades”.

Folha