
Janones sabe que não tem chance mas semeia o futuro
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
Fenômeno nas redes sociais e disputando o quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto para a presidência, o deputado André Janones (Avante-MG), pré-candidato à Presidência da República, não economiza em ambição nas suas promessas de campanha. Ele propõe a criação de um programa de renda mínima que atenderia cerca de 40 milhões de famílias, ou mais do que o dobro do atual “Auxílio Brasil”. O programa custaria aos cofres públicos entre R$ 300 bilhões e R$ 400 bilhões por ano. Para financiar o projeto, o parlamentar mineiro propõe uma reforma tributária com aumento de até 500% no Imposto Territorial Rural, por exemplo.
Em entrevista ao Valor, Janones disse ser contrário ao teto de gastos e afirmou que está concluindo os estudos para definir o mecanismo fiscal que colocaria no lugar, caso fosse eleito. Também estão em seu radar propostas de taxação dos super ricos e de lucros e dividendos, além de auditoria nas isenções fiscais.
Apesar de estar em seu primeiro mandato como deputado federal, Janones é considerado o outsider da atual disputa presidencial. Ex-cobrador de ônibus, o parlamentar, formado em direito, ganhou projeção política durante a greve dos caminhoneiros em maio de 2018. Na esteira da exposição, lançou-se a uma vaga na Câmara dos Deputados por Minas Gerais e foi o terceiro mais votado, com apoio de quase 179 mil eleitores. Nas redes, ele conta com mais 8 milhões de seguidores no Facebook e mais de 2 milhões no Instagram. Em seu canal no Youtube, há cerca 1,4 milhão de inscritos.
Bolsonaro está preparando um golpe desde que assumiu o poder. Não conseguirá, porque ele é incompetente até para isso”.
Ainda que seja um dos políticos mais influentes na internet, o pré-candidato do Avante reconhece as dificuldades para romper a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Oscila nas pesquisas de intenção de voto entre 1% e 3%, não conta com recursos volumosos de fundo partidário e nem com tempo expressivo no horário eleitoral gratuito. “Não nego a realidade”, reconheceu.
O parlamentar avalia que, se ocorrer, a virada será nos 15 dias que antecedem o primeiro turno. Para tentar a missão quase impossível Janones contratou como marqueteiro Yehonathan Abelson, que atuou na campanha vitoriosa do esquerdista Gabriel Boric, atual presidente do Chile, eleito este ano. A aposta eleitoral de Janones, contudo, não está neste ano. Ele admite querer disputar a presidência em 2026 ou 2030, quando se tornar mais conhecido do eleitorado. E reconhece que o grande desafio será manter-se em evidência sem mandato. Eis os principais trechos da entrevista:
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: O senhor contratou o marqueteiro Yehonathan Abelson, que coordenou a campanha do presidente do Chile, Gabriel Boric. Quais recomendações ele já fez?
André Janones: Ele sugeriu que a gente tente comunicar de maneira clara que Lula e Bolsonaro são um só, que são duas faces de uma mesma via. Por isso, a gente tem adotado a postura de comunicar que nossa candidatura representa a segunda via e não a terceira.
Valor: Essa estratégia não acaba fortalecendo a polarização?
Janones: Sou pé no chão. Sei que posso estar no segundo turno, mas não acho que é o mais provável. Não nego a realidade. É muito difícil romper a polarização e acho que ninguém tem a resposta de como fazer isso. Há uma adesão natural da população a esse clima. A repercussão de uma recente entrevista minha mostrou que a grande maioria me acha preparado e que no futuro pode ser minha vez, mas que agora eles são Lula ou Bolsonaro. Eu tenho praticamente 10% do eleitorado brasileiro e tenho alta taxa de conversão. Na disputa de 2018, consegui converter cerca de 90%. Tinha 200 mil seguidores mineiros e tive 180 mil votos.
Valor: Essa conversão pode ocorrer na disputa presidencial?
Janones: Quem me acompanha nas redes, sabe quem eu sou, o que eu fiz, o que eu defendo. Mas esse seguidor não está sinalizando que votará em mim. Mesmo com quase 10% do eleitorado nas redes, eu apareço com 2% ou 3% dos votos nas pesquisas. Estou dizendo que é impossível romper a polarização? Não, eu aposto que na reta final, nos últimos 15 dias antes da eleição, pode ter um movimento de as pessoas buscarem outra opção. O cenário não é otimista para romper a polarização. A eleição não é sobre o melhor projeto para o país, mas sobre a continuidade de Bolsonaro no governo.
Valor: O senhor avalia que o partido ainda pode pedir pela retirada de sua candidatura?
Janones: Eu nunca vou descartar por completo, até porque já existem composições nos estados. Até aqui tenho uma relação muito amistosa com a direção do partido, com o presidente [nacional do Avante, Luis Tibé]. Estive com ele na semana passada e está tudo mantido.
Valor: O senhor vai ter palanques para fazer campanha nos estados?
Janones: As composições estaduais não passam pela minha candidatura.
Valor: A ausência de alianças estaduais mina a sua capacidade de ampliar o alcance?
Janones: Não choca com a minha maneira de fazer política, mas mina a minha capacidade de alcance de alguma maneira. Mais positivo seria se a gente tivesse conseguido construir candidaturas nos Estados com o meu perfil.
Valor: O partido está te oferecendo estrutura financeira, com acesso ao fundo eleitoral?
Janones: Ainda não foi me passado absolutamente nada sobre quanto do fundo o partido disponibilizaria para a campanha. Até aqui toda a pré-campanha foi bancada pelo partido. As viagens, por exemplo.
Valor: A ideia do senhor de se lançar agora é um projeto de longo prazo? Se tornar conhecido para ter chances no futuro?
Janones: A pré-candidatura me permitiu aprofundar no debate, mostrar essa outra face e que tenho condições de contribuir com o debate para o país. O principal ganho desse processo é esse. Não tenho projeto de poder. Não preciso ser presidente um dia, mas quero me tornar um nome que um projeto pelo Brasil passe por esse nome. Se houver espaço, quero disputar a presidência de novo em 2026 e 2030.
Valor: O hiato fora do poder, ficando sem mandato, atrapalha esses planos?
Janones: Esse é o calcanhar de Aquiles do meu projeto. A grande dificuldade é como eu vou me manter em evidência nos próximos quatro anos sem ter um mandato. Para isso, conto com o partido. Preciso ter condição política de formar palanques, de viajar o país, de opinar no processo, o que ainda não tive. O compromisso é que nos próximos quatro anos essas composições do partido passem por mim.
Valor: Por ser um fenômeno das redes, o senhor temeu ser comparado ao Bolsonaro?
Janones: Não tenho nenhum tipo de semelhança ideológica e de atuação com Bolsonaro. Como Bolsonaro foi um dos primeiros a usar de forma muito efetiva as redes, ele monopolizou o conceito de rede social. Então, quando você imagina um político que faz política pela rede, você já o taxa como um antissistema, no sentido negacionista, que vai atacar as instituições e a imprensa. Esse é o modus Bolsonaro. Por usar as redes sociais, tem quem pense que sou do estilo Bolsonaro. A candidatura presidencial me possibilitou traçar esse paralelo. Sou pró-ciência, não sou negacionista, defendo a vacinação. Também, diferente de Bolsonaro, não faço a negação da política. Sou antissistema, mas o meu conceito não é derrubar o STF, a imprensa. É contra o sistema político vigente, o tomá-lá-dá-cá, mas não contra as instituições.
Valor: E qual é o plano de governo do senhor para o país?
Janones: A gente vai chamar o plano de governo de plano de emergência. A principal mensagem da campanha é o combate à desigualdade social. Na questão social, queremos a criação do programa de renda mínima, com fonte de financiamento e alcance. Custará de R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões por ano. Tudo vai ser viabilizado através de uma ampla reforma tributária, tributando os super ricos. E para essa tributação especial, a gente tem alguns pontos: taxação de lucros e dividendos, implementação do imposto sobre grandes fortunas (IGF) e aumento do imposto territorial rural (ITR). A gente propõe um IGF que taxe quem tem patrimônio superior a R$ 20 milhões, com uma alíquota de 0,5 ao ano em cima do que exceder R$ 20 milhões. Calculamos que tem como fazer um aumento do ITR considerável, em até 500%. Não é geral. É por tamanho, pelo que foi construído, pela destinação da propriedade. Tem algumas distorções muito graves e a gente pretende corrigi-las. Defendemos a taxação de barcos, lanchas, iates e jatinhos. Também para financiar esse programa de renda mínima sugerimos uma auditoria nas isenções fiscais. Algumas a gente pretende acabar, outras a gente pretende diminuir ou estabelecer um prazo para acabar.
Valor: Qual seria o valor desse benefício novo?
Janones: R$ 600 por cota. A gente precisa estudar caso a caso. A minha ideia é viabilizar isso a partir do trabalho do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Vamos atender cerca de 40 milhões de famílias.
Valor: Qual é sua posição em relação ao teto de gastos?
Janones: Nossa proposta é acabar e esse é o único ponto que não temos pronto. Ainda não definimos qual é o mecanismo fiscal que o substituiria.
Valor: O senhor já arrumou um Posto Ipiranga?
Janones: Não. A gente que está estudando mesmo.
Valor: Mas tem um economista para a campanha?
Janones: Não temos. Sou pé no chão. Um baita profissional não vai chegar e falar que é o posto Ipiranga de um candidato que tem 2% nas pesquisas. Em relação ao programa econômico, estamos ouvindo alguns professores de universidade.
Valor: Quando o senhor pretende divulgar o programa de governo?
Janones: Devemos divulgar no lançamento da campanha, neste sábado.
Valor: O senhor tem a expectativa de algum partido embarcar na sua candidatura?
Janones: Não tenho.
Valor: O senhor conversou com outros candidatos da terceira via?
Janones: Falei com o Ciro algumas vezes, mas não no sentido de alguém desistir. Não conversei com mais ninguém.
Valor: Se o senhor não estiver no segundo turno, o senhor votará contra o Bolsonaro?
Janones: Ainda que Bolsonaro não tenha forças para acabar com a democracia, ele está minando a democracia. Como um democrata, não tenho outra opção que não seja militar pró-democracia. E isso é ser anti Bolsonaro.
Valor: O senhor acredita nos rumores de que ele poderia dar um golpe caso fosse derrotado nas urnas?
Janones: Não tenho nenhuma dúvida que ele já está tentando. Você não faz um golpe da noite para o dia. Bolsonaro está preparando um golpe desde que assumiu. Tenho convicção de que ele não conseguirá, porque é incompetente até para isso. Para mim, ele é uma piada.