Além de golpistas, empresários bolsonaristas são homofóbicos
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Empresários bolsonaristas do grupo de WhatsApp em que foi defendido um golpe de Estado em caso de vitória de Lula também legitimam a disseminação de desinformação como uma arma a ser usada na disputa política. Ao longo dos meses em que a coluna acompanhou as conversas no grupo, foram espalhadas fake news sobre o indigenista e servidor público Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, as vacinas e contra as urnas eletrônicas, entre outros temas. Pautados pela lógica da guerra, em que instituições e princípios democráticos são vistos como inimigos, empresários por trás de marcas como Havan, Mormaii, Valeshop, Dalçoquio, entre outros, espalharam mensagens de homofobia, preconceito contra quem trabalha com pessoas em situação de rua e ódio a jornalistas e a veículos da imprensa.
A disseminação de fake news é, para alguns, parte do método usado para apoiar Bolsonaro. O empresário Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, dono das lojas de surfwear Mormaii, disse no grupo que “guerra de informação é uma das armas mais poderosas”. Ele afirma com frequência que há uma confronto em curso no país contra os adversários do presidente. “Em todas as guerras [as fake news] são de importância estratégica!!!! Eles usam direto. Nós apenas estamos olhando”, escreveu.
Morongo foi repreendido por um jornalista que está no grupo e volta e meia faz ponderações aos mais radicais. O dono da Mormaii saiu-se com uma defesa enfática da legitimidade de espalhar desinformação. “Se não precisar mentiras… ótimo!!!! Mas se precisar para vencer a guerra é aceitável. Muito pior é perder a guerra!!!! Esta mídia e políticos em geral são todos mentirosos profissionais! O Bolsonaro é o esteio da verdade… Isso é indiscutível e muito nobre. Mas os soldados rasos não precisam ou não podem ter a mesma nobreza exatamente porque estão lutando corpo a corpo. Dedo no olho, pontapé no saco. Também não apoio eticamente a mentira. Óbvio. Mas não posso no momento condenar quem usa de todas as armas para lutar contra um mal muito, muito. Muito maior!!! É GUERRA!!!!”, esbravejou.
Uma das mentiras compartilhadas no grupo tratava do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados no Vale do Javari, na Amazônia. Marconi Souza, dono da Valeshop, empresa de cartões de benefícios para empresas, compartilhou, no dia 13 de junho, um texto que culpava a dupla por não ter autorização da Funai para transitar na região. “O inglês Dom Philips… este aí tem uma outra história, que é a ponta de um iceberg que a esquerda mundial, o PT, PSOL e a mídia farão de tudo para desviar a atenção, pois foi um tiro no pé, tal qual o caso Marielle”, dizia o texto, que Marconi Souza encaminhou admitindo não saber se era verdade.
O tom conspiratório prosseguia na mensagem: “Ele [Phillips] fazia uma reportagem, sem autorização legal da Funai, Ibama e sem o conhecimento do governo estadual e federal em reservas indígenas. Ele trabalha para uma ‘Fundação Internacional de Jornalistas Engajado’, chamada Fundação Alicia Patterson. Procurem no site. Buscando quem financia estas reportagens, que oferece bolsas, etc… eis que encontrei.. ele mesmo Bill Gates e outros gigantes que querem controlar a mídia e o mundo”. Em reposta ao texto, Morongo, da Mormaii, debochou: “karma existe…”.
Outra adversária recorrente do grupo é a TV Globo. O ex-piloto Nelson Piquet, motorista de Jair Bolsonaro no Sete de Setembro do ano passado, compartilhou, no dia 20 de junho, um texto defendendo que “os transmissores da Globo precisam ser lacrados urgentemente em todo o Brasil”. “A guerra ao presidente do Brasil já não é mais velada, tornou-se escancarada e desproporcional, levando a uma inversão de papéis que atenta contra a democracia”, dizia a mensagem compartilhada por ele e tarjada pelo WhatsApp com o selo “Encaminhada com frequência”. Piquet também já havia compartilhado no grupo o vídeo com ataques ao STF que geraram a prisão do autor.
No geral, liberdade de imprensa é um princípio pouco caro ao grupo. Emílio Dalçoquio, dono da transportadora Dalçoquio, a maior de Santa Catarina e que ostenta uma frota de centenas de caminhões, escreveu, em 25 de maio, contra a jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo: “Nojenta, como todo apoiador de bandidos vítimas da sociedade. (…) Hipócrita traidora”. O empreiteiro Meyer Nigri, dono da Tecnisa e bolsonarista que gosta de influir em nomeações no governo, acompanhou Dalçoquio nas ofensas à colunista. “Ela é uma fdp!”, disse. O usineiro José Pessoa arrematou a conversa: “essa feladaputa (sic) iria festejar se tivesse policiais mortos!!!! Bandida!!!!”.
Em outra ocasião, em 28 de maio, Luciano Hang, dono da Havan, tachou um jornalista especializado na cobertura do mercado financeiro de “esquerdista caviar”. “Este portal e seu proprietário são contra o presidente”, disse. O economista Daniel Fuks, criador do grupo, escreveu em seguida: “Eu o acho um bom jornalista e tinha um viés liberal. Em 2018, eu achei que ele ficou entre o JB (por causa do PG) e do Amoedo (por causa do Gustavo Franco)”, afirmou, passando a tecer considerações sobre a orientação sexual do jornalista.
A vida sexual de terceiros parece importar para Fuks. Lia-se em uma mensagem compartilhada por ele no dia 30 de abril: “Vendedor gay chama a PM porque um cliente falou ‘querido’, e o viado (sic) queria que fosse ‘querida’, em seguida na presença dos PMs queria o flagrante porque o cliente chamou o viado de ‘cara’. Enquanto isso, morre mais um baleado por bandido numa tentativa de assalto em outro local da cidade”.
O empresário José Koury, dono do shopping Barra World, no Rio de Janeiro, também entrou na discussão sobre a reportagem. “Graças ao STF, que criou ilegalmente o crime inexistente de homofobia. Precisa eleger um congresso de grande maioria de direita e acabar com esse absurdo, enquanto isso PM tem que estudar VIADOLOGIA para ir resolvendo essas ocorrências”, dizia o texto, compartilhado em 29 de abril.
Alguns participantes do grupo também manifestam posturas preconceituosas com homossexuais. Às 20h51 do dia 24 de abril, Paulo Perlott, que se apresenta no Linkedin como diretor de Marketing e Vendas da Gerdau, mas, segundo a companhia, deixou os quadros da empresa há seis anos, referiu-se ao ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite como “Leite Moça gaúcha”. Perlott afirma que ele é da “mesma escola” de “aspirações totalitárias” que o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. “Exato”, respondeu Carlos Molina, dono da empresa de auditoria Polaris. Leite assumiu ser homossexual em julho do ano passado.
O ex-governador gaúcho é alvo constante de homofobia no grupo. Uma postagem encaminhada pelo empresário André Tissot, dono do Grupo Sierra, de venda de móveis de luxo, afirmava que “a criminalidade hoje está tão perigosa que as pessoas já andam até de mãos dadas com seus seguranças”. Em seguida, Tissot enviou, em deboche, uma foto em que Leite parecia segurar a mão de outro homem. Não é possível saber se a foto é uma montagem. O Grupo Sierra tem sede em Gramado, no Rio Grande do Sul.
O empreiteiro Rodrigo Nogueira, da Ecap Engenharia, incorporadora imobiliária nascida em Belo Horizonte, mas hoje atuante em Brasília, também deu sua contribuição homofóbica. No dia 10 de julho, às 7h43 da manhã, Nogueira enviou uma foto criticando a campanha publicitária de Dia dos Namorados das Lojas Americanas, que celebrou relações homoafetivas. O usineiro José Pessoa, dono da empresa agrícola que leva seu nome, respondeu dizendo que iria boicotar as Lojas Americanas. “Já não comprava nessa merda mesmo, vai pra junto do Magazine Luiza na minha galeria”, afirmou, referindo-se a outra varejista que defende a diversidade em sua comunicação.
O Grupo José Pessoa foi alvo, em diversas ocasiões, de ações contra trabalho escravo em seus canaviais. Em 2010, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro libertou 122 pessoas que trabalhavam para o empresário em situações análogas à escravidão. Segundo reportagem do site de jornalismo investigativo Repórter Brasil, em 2010, 1.468 pessoas foram libertadas de canaviais vinculados à empresa em diferentes estados do país: Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.
No dia 26 de junho, após Carlos Molina contar sobre um assalto que sofreu, o empresário José Koury propôs, à 1h24 da manhã, montar “força-tarefa com nossos companheiros donos de jornais do grupo, e alguns políticos e empresários de peso pra iniciarmos uma campanha maciça para fazermos as mudanças no Código Penal”. Koury disse ainda que a “força-tarefa” tinha que ser “sem mimis, porrada mesmo [sic]” e perguntou se podia contar com os empresários de mídia presentes no grupo.
Quando o assunto era a pandemia de Covid-19, as vacinas se tornavam os alvos dos ataques dos empresários. Em 17 de maio, Luciano Hang listou uma série de efeitos colaterais falsamente atribuídos ao imunizante da Pfizer, como embolia na veia jugular e espuma na boca. “Casos cardiológicos aumentaram”, dizia ele. Morongo, apesar de ter formação em medicina, encaminhou texto em 24 de maio dizendo que vacinas eram “venenosas”. Posteriormente, ele afirmou que tinha orgulho de sua família não ter nenhum integrante vacinado contra a Covid-19. A discussão sobre o tema voltaria à tona em junho. “Tomei duas doses, arrependimento!!! Não tomo a terceira nem por 1 bilhão!!! De dólares!! Kkk”, disse Afrânio Barreira, dono da rede Coco Bambu.
No repertório da pauta de costumes dos empresários do grupo está também a defesa do armamento da população. No dia 7 de agosto, às 12h16, Emílio Dalçoquio compartilhou vídeo no grupo em que ele aparece atirando, o que é descrito pelo empresário como um ato de “liberdade”.
Dono da transportadora catarinense que leva o nome de sua família, Dolçoquio apoiou, em 2018, o movimento dos caminhoneiros, que, entre outras bandeiras, defendia uma intervenção militar. Naquela época, o empresário já manifestava apoio a Jair Bolsonaro, então pré-candidato à Presidência pelo PSL. No vídeo compartilhado no grupo, Dalçoquio faz elogios a Marcos Pollon, presidente da Proarmas, organização que defende que a sociedade brasileira se arme. Pollon é amigo de Eduardo Bolsonaro e é candidato à Câmara dos Deputados.
Em resposta, Koury disse que leva seu filho de 13 anos a clubes de tiro quando vão aos Estados Unidos e que frequentam um stand de tiro na Barra da Tijuca. “Acho muito importante adolescentes aprenderem a manejar armas com responsabilidade e segurança”, disse o dono do Barra World.
A violência também sempre foi uma marca no linguajar do grupo. Luciano Hang, que foi às redes sociais nesta quinta-feira (18/8) para sugerir que era falsa uma mensagem publicada na reportagem de ontem sobre ele, disparou certa vez contra o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, criticando o trabalho do religioso com pessoas em situação de rua. Hang disse que padres que auxiliam pessoas pobres estão errados, e que a Igreja é “cúmplice das mazelas do PT”.
Conforme a coluna mostrou em 31 de maio, a conversa começou quando outro integrante compartilhou uma reportagem do site Brazil Journal, publicada no sábado (28/5), intitulada “Na São Paulo gélida, um padre e a (verdadeira) mão de Deus”. Uma foto de Lancellotti ilustra o texto.
Hang escreveu: “É da turma do Lula. Hipocrisia pura. Temos que ensinar a pescar, e não dar o peixe. Cada dia que passa é mais malandro vivendo nas costas de quem trabalha”, acrescentando: “Quem defende bandido, bandido é”.
Para Hang, padres envolvidos em obras sociais, como Lancellotti, não estariam do lado certo. “Não podemos dar moleza para essa turma só porque são padres. Ou ficam do lado certo ou devemos cobrar coerência do que eles pregam”, prosseguiu.
O dono das lojas Havan afirmou ainda que a Igreja Católica ajudou o PT e seria “cúmplice” dos governos petistas. “A Igreja Católica é cúmplice das mazelas do PT. Foram os fiadores de tudo o que aconteceu. Não podemos generalizar, mas ajudaram bastante o PT a chegar ao poder.”
Em maio, quando a coluna publicou os ataques dele a Lancelotti, Hang entrou em contato com a coluna para desdizer o que havia dito. Afirmou que sua “crítica” ao padre Lancelotti é pelo que chamou de “doutrinação comunista”, que, segundo ele, o padre faria. Hang disse que ele próprio, católico, também ajuda obras sociais da Igreja, com doações em dinheiro e em alimentos. “Na semana passada, comprei R$ 10 mil em fichas de cachorros-quentes na festa da igreja de Azambuja”, afirmou, referindo-se à compra que fez na festa da igreja da região catarinense e doou para funcionários da Havan.
Procurado ontem, o empresário não respondeu à coluna. Sobre a mensagem que ele sugeriu não existir, em postagem nesta quinta-feira no Instagram, o vídeo ao fim desta reportagem talvez o ajude a relembrar.
A coluna procurou todos os empresários citados na reportagem. José Koury e Emílio Dalçoquio não quiseram comentar. Morongo afirmou que não apoia “qualquer ato ilegítimo, ilegal ou violento” e que se expressava com figuras de linguagem no grupo. Os demais não retornaram o contato. O espaço está aberto para manifestações.
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