Alunos de Direito da USP de 1977 se reencontram
Foto: Flávio Ferreira/Folhapress
“Não somos ex-alunos, somos antigos alunos. A gente sai, mas o coração fica”, alertou o advogado Antonio Claret, 71, ao ser abordado pela reportagem por volta das 9h no pátio da Faculdade de Direito da USP.
Ele estava em uma das primeiras rodas de conversa entre contemporâneos da academia formadas antes da leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros”, na manhã de quinta-feira (11).
O reencontro foi aproveitado para relembrar histórias e retomar debates, até mesmo sobre a “Carta aos Brasileiros” de 1977 celebrada no evento.
Um dos assuntos resgatados foi o do roubo da pedra fundamental que havia sido colocada na Cidade Universitária da USP em 1973 para marcar o então projeto de mudança da faculdade de direito para o campus no Butantã (zona oeste de São Paulo).
A possibilidade de deixar o tradicional endereço no centro da capital revoltou um grupo de alunos, que decidiu arrancar e depois enterrar a pedra fundamental no largo de São Francisco.
Sobre o local foi colocada uma lápide com os dizeres: “Quantas pedras forem colocadas, tantas arrancaremos”.
A Folha entrevistou o professor Goffredo da Silva Telles Jr. (1915-2009) à época sobre o assunto.
“A sede da faculdade de direito é o largo de S. Francisco, tribuna dos nossos políticos, dos nossos poetas e de nossos heróis. Largo que foi regado com sangue dos estudantes na luta contra o despotismo, sempre em favor das liberdades fundamentais da pessoa humana”, disse o jurista ao jornal.
O advogado e aluno da turma de 1977 Mauricio Varnieri Ribeiro, 68, contou que “havia uma divisão na faculdade sobre o tema, e depois do roubo da pedra foi feito um plebiscito no qual a maioria dos alunos votou pela permanência”.
O projeto de transferência da faculdade para a Cidade Universitária acabou sendo abandonado.
Mesmo a carta de 1977, homenageada no evento, foi alvo de debates entre os ex-alunos.
O advogado José Roberto Manesco, 66, por exemplo, lembrou que à época o texto foi criticado por parte dos alunos que entenderam que ele não fazia uma defesa contundente da anistia aos presos políticos.
“Não tinha no manifesto uma das bandeiras principais para os alunos, que era a da anistia ampla, geral e irrestrita. As prisões da ditadura estavam cheias e havia muita gente exilada”, disse Manesco.
No pátio que já foi local de tantas contestações, a advogada Paola Camargo Lima, 58, da turma de 1986, criticou a organização do evento, que adotou o credenciamento prévio para selecionar quem poderia entrar. Para ela, o ingresso deveria ser por ordem de chegada.
“A faculdade do largo de São Francisco tem essa tradição de ser a trincheira dos estudantes, isso era uma fala do Goffredo em todas as nossas aulas. A gente não fecha as portas da faculdade para os estudantes E hoje a gente só pode entrar aqui com credencial. Eu tenho vários amigos que lutaram pela redemocratização e que estão lá fora sem poder entrar”, protestou.
Da mesma turma, a advogada Glaucia Savin, 58, recordou os protestos pela Diretas Já em 1984 para ressaltar a importância do evento que estava prestes a começar. “Essa carta está chamando as pessoas para defender o estado democrático de direito, que é o que a gente acredita. É isso que fundamenta a justiça “, afirmou.
O advogado Reinaldo Velloso dos Santos, 46, participou das manifestações dos caras-pintadas em 1992, quando estava no último ano do ensino médio, e esse ato o levou a buscar o direito e se formar na São Francisco em 1998.
“Hoje me lembrei de um tempo em que a discussão política era muito saudável, não existia uma polarização. Havia divergências em alguns assuntos, a discussão aqui era mais entre centro-esquerda e esquerda”, disse.
“A gente nunca imaginou que pudesse haver um retrocesso, que pudesse se cogitar de intervenção militar, fechamento do Congresso e destituição de ministros do Supremo. Isso estava só nos livros de história”, completou.