Ato pela Democracia reage a avanço golpista de Bolsonaro
Foto: Wesley Gonsalves/Estadão
O ato em defesa da democracia na Faculdade de Direito da USP reuniu nesta quinta, 11, como esperado, representantes de todos os setores da sociedade civil organizada dentro e fora das arcadas do Largo de São Francisco, no centro da capital paulista. Juristas, economistas e líderes sociais reafirmaram que o momento atual, de ataque ao sistema, exige que a defesa do estado democrático de direito e do sistema eleitoral seja permanente, assim como a luta contra retrocessos e o controle das eleições apenas pelo órgão competente: a Justiça Eleitoral, e não por qualquer outra força, em recado indireto às Forças Armadas. Após a leitura da Carta às Brasileiras e Brasileiros, organizada pela SanFran, os estudantes presentes pediram “Fora, Bolsonaro” e gritaram “Ditadura nunca mais”.
O manifesto durou cerca de duas horas e foi dividido em duas etapas. A partir das 10h, sob a condução do reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Jr, cerca de 800 convidados se amontoaram no salão nobre da faculdade para ouvir a leitura de outra carta, a elaborada pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Antes, discursos reforçaram o simbolismo da reunião e cobraram medidas eficazes de controle e fiscalização da sociedade daqui até as eleições, em 2 de outubro.
“Queremos eleições livres e tranquilas, um processo eleitoral sem fake news, pós-verdades ou intimidações”, disse Carlotti Jr. Segundo o reitor, após 200 anos de independência do Brasil, a sociedade deveria estar voltada a pensar o futuro, a planejar como resolver problemas graves na educação, saúde e economia. “Mas estamos voltados a impedir retrocessos. Espero que essa mobilização nos coloque novamente no caminho correto, na discussão do futuro de São Paulo e do Brasil.”
Presidente da OAB-SP, Patricia Vanzolini enfatizou que o momento agora é de reafirmação do regime democrático. “Esse é o momento que diremos que sim, nós queremos avançar e não aceitaremos retrocessos”. A advogada relembrou momentos da repressão vividos durante a ditadura militgar e afirmou que a sociedade não deve flertar com sistemas que anulem a vida democrática dos brasileiros. “Nós não queremos sentir saudade da nossa democracia e por isso não podemos sequer flertar com a sua ausência”, disse.
O economista e ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga alertou sobre o risco do populismo. “Vivemos hoje num mundo onde ameaças autoritárias populistas às vezes nos assustam. Nos não temos um caminho que não o da liberdade, da democracia e da justiça. É uma situação esdrúxula essa, mas toda nossa energia tem de ficar nesse momento concentrada em salvar o que foi conquistado ao longo dos anos e que é a base do nosso futuro”, diz Armínio.
Vivemos hoje num mundo onde ameaças autoritárias populistas às vezes nos assustam.”
Arminio Fraga, economista e ex-presidente do Banco Central
“Todos que estão aqui hoje lutam contra a apatia, lutam contra o populismo, as ameaças, o risco de deixar de lado o melhor de nós mesmos”, ressaltou o empresário Horácio Lafer Piva. “O brasileiro cai e se levanta, sempre, é um povo extraordinário, que merece mais educação, mais oportunidades, jamais a fome, jamais a iniquidade. Nós temos uma constituição, tudo está escrito lá”, disse.
Presentes na plateia, os presidentes da Fiesp, Josué Alencar, e da Febraban, Isaac Sidney, se uniram em aplausos ao discurso de Fraga e também de lideranças populares, como o feito pela representante da Coalizão Negra por Direitos, Beatriz Lourenço do Nascimento. “O Brasil é um País em dívida com a população negra, dívidas históricas e atuais. Portanto, qualquer projeto ou articulação por democracia exige o firme e real compromisso de enfrentamento ao racismo. Convocamos os setores democráticos da sociedade brasileira, as instituições e pessoas que hoje demonstram comoção com as mazelas do racismo e se afirmam antirracistas. Sejam coerentes. Pratiquem o que discursam. Enquanto houver racismo não haverá democracia”, afirmou a advogada, uma das poucas pessoas negras presentes no ato do salão nobre.
O Brasil é um País em dívida com a população negra, dívidas históricas e atuais.”
Beatriz Lourenço do Nascimento, representante da Coalizão Negra por Direitos
Por volta das 11h20, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias foi o escolhido para ler a carta da Fiesp. Ele destacou o fato de o ato na Faculdade de Direito da USP reunir empresários, banqueiros e representantes dos trabalhadores, como as centrais sindicais. “Hoje, é um momento grandioso, eu diria inédito, em que capital e trabalho se juntam em defesa da democracia. Estamos celebrando, com alegria e entusiasmo o hino da democracia”, disse.
Na segunda parte do ato, já nas arcadas da faculdade – o pátio interno – e com a presença de diversos artistas, estudantes da faculdade se reuniram para ouvir o reitor da SanFran, Celso Campilongo, antes de ouvir a Carta às Brasileiras e Brasileiros. Em recado às Forças Armadas, Campilongo afirmou que “o estado democrático de direito significa observância do princípio da legalidade e respeito às lei, tudo o que não estão querendo fazer com o nosso sistema eleitoral”, disse.
Em seguida, complementou: “Quem tem competência para isso é o Tribunal Superior Eleitoral. O resto é gente sem competência jurídica e moral para se intrometer no processo eleitoral brasileiro. O direito controla e dosa o uso da força. A única força que pode dizer algo a respeito do processo eleitoral brasileiro é a força do eleitor, do brasileiro e de ninguém mais.”
O ato partiu para o momento mais esperado por volta das 12h30, quando as professoras Eunice de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci e Ana Elisa Liberatore Bechara, além do ex-ministro Flavio Bierrenbach, leram o documento que iniciou manifestos semelhantes em todo o Brasil.
Com a finalização do rito definido para o ato, estudantes puxaram o coro “fora, Bolsonaro”, “ditadura nunca mais” e gritos em apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Durante a reunião, os presidenciáveis Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) – ambos signatários da carta – se manifestaram pelas redes sociais afirmando que o evento marca a luta da sociedade brasileira pela defesa da democracia. “Estado de Direito Sempre! No dia do estudante, no histórico dia 11 de agosto, a sociedade levanta sua voz em defesa da democracia. Assinei o manifesto. Tenham certeza do meu compromisso. Minha candidatura representa exatamente isso: democracia sempre. Tolerância, paz e respeito”, escreveu a senadora. Ciro destacou que “a união de diferentes segmentos contra os recorrentes ataques de Bolsonaro aos nossos direitos, ao sistema eleitoral e ao próprio regime democrático – que é a maior de todas as nossas conquista, é um compromisso de todos.”
Último pré-candidato a assinar a carta, Lula também se manifestou na manhã desta quinta. “Defender a democracia é defender o direito a uma alimentação de qualidade, a um bom emprego, salário justo, acesso à saúde e educação. Aquilo que o povo brasileiro deveria ter. Nosso País era soberano e respeitado. Precisamos, juntos, recuperá-lo”, afirmou. /Adriana Ferraz, Ananda Muller, Beatriz Bula, Pedro Venceslau, Marcelo Godoy, Wesley Gonsalves, Gustavo Queiroz, Manoela Bonaldo e Ítalo Lo Re.