Bachelet insinua que Bolsonaro ameaça a humanidade

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Foto: FABRICE COFFRINI/AFP

Em sua última entrevista como alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet criticou os ataques do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao Judiciário e às urnas eletrônicas, e destacou que um chefe de Estado deve respeitar os outros Poderes.

— O que me parece mais preocupante é que o presidente peça a seus simpatizantes que protestem contra as instituições judiciais — respondeu Bachelet ao ser questionada sobre a situação no Brasil. — Podemos não concordar com decisões tomadas pelos outros Poderes a afirmar isto se for necessário, mas é preciso respeitá-los. Não podemos fazer coisas que possam aumentar a violência ou o ódio contra as instituições democráticas, que devem ser respeitadas e reforçadas. Não devemos tentar miná-las com discursos políticos.

O presidente, candidato à reeleição, questionou diversas vezes a confiabilidade das urnas eletrônicas utilizadas no país desde 1996, mencionando “fraudes” mas sem apresentar provas. Os ataques provocam o temor de que não reconhecerá o resultado da eleição presidencial de outubro em caso de derrota.

Defensor da ditadura militar, Bolsonaro chegou a atacar Bachelet diretamente, em um post no Facebook em 2019, no qual criticou o pai da ex-presidente chilena, o general de brigada da Força Aérea Alberto Bachelet Martínez, que se opôs ao golpe de 1973 que derrubou o presidente socialista Salvador Allende e foi preso e torturado pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990).

Bachelet, de 70 anos, anunciou em junho que não concorreria a um novo mandato de quatro anos como alta comissária de Direitos Humanos. Ela afirmou que, após uma longa carreira na política e organizações internacionais, quer voltar ao Chile e ficar com sua família. Seu mandato termina em 31 de agosto e sucessor, que deverá assumir em setembro, ainda não foi anunciado.

Na entrevista, Bachelet ainda instou instou o presidente russo, Vladimir Putin, a encerrar “o ataque armado contra a Ucrânia” e pediu a desmilitarização da usina nuclear de Zaporíjia, em cujas proximidades ocorrem bombardeios pelos quais Ucrânia e Rússia responsabilizam o outro lado. A usina, a maior da Europa, está sob controle russo desde março.

Segundo ela, seu escritório contabilizou pelo menos 5.587 mortes de civis e 7.890 feridos desde o início da invasão.

— Ontem fez seis meses incrivelmente aterrorizantes para o povo ucraniano, nos quais 6,8 milhões de pessoas tiveram que fugir de seu país. Outros milhões foram deslocados — disse a ex-presidente chilena. — Seis meses depois, os combates continuam, com riscos inconcebíveis para os civis e o meio ambiente, devido às hostilidades perto da usina nuclear de Zaporíjia.

A alta comissária também admitiu que não sabe se o seu aguardado relatório sobre a região de Xinjiang, onde a China é acusada de repressão contra uigures e outras minorias, será publicado antes da conclusão de seu mandato, em 31 de agosto, como havia prometido. A China alega uma ofensiva antiterrorista contra separatistas e islamitas da etnia uigur que promoveram ataques contra civis na década passada.

— Eu tinha toda a intenção de publicá-lo antes do fim de meu mandato e recebemos contribuições substanciais do governo que devemos examinar cuidadosamente. Estamos trabalhando intensamente para fazer o que prometi — acrescentou a respeito de sua viagem a Xinjiang, que foi criticada por alguns grupos de defesa dos direitos humanos. — Estive sob pressão? Sempre estivemos sob pressão de vários lados, em todos as partes e em todas as situações, eu diria.

Bachelet, que em seus quatro anos como alta comissária divulgou vários relatórios denunciando violações de direitos humanos sob o governo de Nicolás Maduro, também encorajou o governo venezuelano e a oposição a retomarem o diálogo, congelado desde outubro, para que as eleições presidenciais de 2024 sejam “transparentes e justas”.

— É muito importante que as negociações entre a oposição e o governo continuem — disse Bachelet. — Espero que eles sejam retomados para que haja alguns acordos e que as próximas eleições sejam realizadas de forma transparente e justa. Assim todos sentirão que os resultados realmente representam o que o povo venezuelano quer.

O Globo