Bolsonaro prepara sabotagem contra Lula
O presidente Jair Bolsonaro (PL) vai enviar a proposta de Orçamento de 2023 prevendo a manutenção da desoneração de tributos federais sobre combustíveis, a um custo aproximado de R$ 50 bilhões, segundo fontes do governo ouvidas pela reportagem. Já o reajuste da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), promessa eleitoral feita por Bolsonaro em 2018, não cumprida e agora renovada pelo presidente, ficou de fora da peça orçamentária a ser enviada pelo Executivo no fim do mês. Tampouco haverá reserva de recursos para garantir a continuidade do adicional de R$ 200 para o Auxílio Brasil. A manutenção do benefício mínimo de R$ 600 tem sido sinalizada tanto por Bolsonaro quanto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto. Travado por restrições legais que impedem a inclusão de parte de suas promessas na peça orçamentária, o presidente buscará contornar a situação desfavorável com o discurso de que vai construir a solução com o Congresso logo após as eleições. Há o temor entre auxiliares do presidente de que a ausência de previsão de recursos para honrar as promessas seja um ponto explorado politicamente por opositores durante a campanha. Tecnicamente, porém, o Executivo é obrigado a seguir os marcos legais em vigor, como o teto de gastos (regra que impede as despesas de crescerem acima da inflação). Os cálculos para o envio do Orçamento foram discutidos em reunião desta quinta-feira (4) da Junta de Execução Orçamentária (JEO), formada pelos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia). Segundo técnicos ouvidos pela reportagem, a manutenção da desoneração sobre combustíveis foi decidida pelos ministros e valerá tanto para o diesel quanto para a gasolina. Os dois itens ficariam livres de tributos federais até o fim deste ano. Bolsonaro optou pela desoneração por temer o impacto da forte alta dos combustíveis sobre suas chances de reeleição. O presidente está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto. Havia uma controvérsia em torno do tema, dado que o corte de tributos acaba incentivando o consumo de combustíveis fósseis, mais poluentes. Por outro lado, há a avaliação de que a medida contribuiu para reduzir o preço das bombas e conter a inflação. A inclusão da desoneração no Orçamento também joga no colo de Lula qualquer eventual decisão de subir novamente os tributos, caso o petista vença as eleições e queira recompor as receitas federais. No caso da correção da tabela do IRPF, a Receita Federal já preparou um leque de cenários com mais de cem combinações de mudanças. As faixas salariais usadas para aplicar o desconto do Imposto de Renda estão congeladas desde 2015 – o que, na prática, significa maior carga tributária para as famílias. Qualquer mudança, por outro lado, significará perda de receitas para a União. O déficit previsto pelo governo no momento está próximo ao limite de R$ 65,9 bilhões autorizado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023. O impacto da correção da tabela, por sua vez, pode ser menor ou maior a depender do modelo escolhido. As simulações indicam que o efeito sobre a arrecadação pode ser pequeno, de R$ 6 bilhões, ou bem mais significativo, de até R$ 94 bilhões. Integrantes da equipe econômica têm defendido a previsão de compensações, como limitar as despesas médicas que podem ser deduzidas do IR para quem entrega a declaração pelo modelo completo. No plano das despesas, o governo definiu a inclusão, na proposta de Orçamento, de uma reserva de R$ 11,5 bilhões para a concessão de reajustes ao funcionalismo federal. Essa verba fica dentro do teto de gastos. Ainda não há decisão sobre o formato do reajuste, mas fontes do governo afirmam que os aumentos podem ser seletivos, isto é, para algumas carreiras. Como mostrou o jornal “Folha de S. Paulo”, o governo estuda usar a inflação prevista para 2023 como referência para os reajustes, dado que ela será menor do que a deste ano. Cerca de um milhão de servidores estão com salários congelados desde 2017. Outras categorias, com remunerações mais elevadas, tiveram o último reajuste em 2019. Neste ano, Bolsonaro tentou contemplar apenas os policiais, mas o movimento deflagrou reações das demais carreiras e o presidente desistiu da benesse. Já a continuidade do adicional de R$ 200 às famílias do Auxílio Brasil teria um custo de R$ 52 bilhões, valor que não cabe no Orçamento sob as regras atuais. A verba para o programa deve ser fixada em R$ 106 bilhões, o suficiente para garantir o piso de R$ 400 aos beneficiários, inclusive os que foram incluídos recentemente, após a proposta de emenda à Constituição (PEC) das bondades. O governo incluiu cerca de 2,2 milhões de famílias em agosto, segundo a Caixa. A inclusão agora da dotação integral para o pagamento dos R$ 600 às famílias acabaria inviabilizando o funcionamento da máquina pública, pois resultaria na compressão das despesas discricionárias (que incluem investimentos e gastos de custeio). A estratégia política do governo é indicar a possibilidade de envio de uma mensagem modificativa do Orçamento em outubro ou novembro, após as eleições, incluindo as despesas prometidas por Bolsonaro. Embora o assunto seja considerado delicado, nos bastidores há o reconhecimento de que a promessa de manter o Auxílio Brasil em R$ 600 pode acabar levando a alguma discussão de suavização do teto de gastos. O próprio presidente já manifestou o desejo de rever a regra de limitação de despesas. “No ano passado, nós tivemos um excesso de arrecadação, arrecadação a mais, na casa dos R$ 300 bilhões. Você não pode usar um centavo disso na infraestrutura dada a emenda constitucional do teto lá atrás. Isso daí muita gente discute que tem que ser alterado alguma coisa. A gente vai deixar para o futuro, [para] depois das eleições discutir essa questão”, disse ele em entrevista a uma rádio em abril. Mais recentemente, Bolsonaro afirmou que manter o Auxílio Brasil de R$ 600 requer a aprovação de uma nova PEC, embora não tenha detalhado seu conteúdo. O teto de gastos é uma regra prevista na Constituição. Lula, por sua vez, já defendeu publicamente a derrubada do teto. “Não haverá teto de gastos no meu governo. Não que eu vá ser irresponsável, gastar para endividar o futuro da nação. Vai ter que gastar no que é necessário”, afirmou. No entanto, há o alerta, tanto dentro do governo quanto no mercado financeiro, de que seria importante qualquer alteração no teto vir acompanhada de medidas para rever despesas menos eficientes.
VALOR ECONÔMICO