Cidade de Bolsonaro tem ‘rinha de pontes’ com Lula
Foto: Henrique Santana/Folhapress
Uma está em uso há 12 anos e não tem nome conhecido. A outra existe só no papel, mas já ganhou até denominação oficial: Percy Geraldo Bolsonaro. Duas pontes simbolizam a rivalidade entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) em Eldorado, cidade paulista onde o presidente passou a juventude.
Ambas entram em pauta quando o tema são os legados dos governos para o município no Vale do Ribeira.
Com apoiadores fervorosos, Bolsonaro deixou frustrado quem esperava ver a cidade beneficiada por ter alguém da terra no cargo mais importante do país.
Até mesmo bolsonaristas têm dificuldade em citar heranças positivas dele para o lugar em que cresceu. A obra a ser batizada em homenagem ao pai do presidente até poderá ser mencionada no futuro, mas por enquanto é um projeto à espera de licitação e execução.
Nos cálculos mais otimistas, a travessia sobre o rio Batatal deve ser concluída depois de 2024.
O presidente venceu no município no segundo turno de 2018 com margem não muito folgada: teve 54% dos votos válidos, ante 46% de Fernando Haddad (PT). Enquanto defensores locais de Lula veem chance de o petista superar o rival, bolsonaristas apostam que a vantagem se ampliará.
“Lula fez muita coisa para os quilombos. Fez ponte para eles”, diz o empresário José Carlos Safenraider, 60, justificando o forte apoio ao ex-presidente entre quilombolas de Eldorado —são 13 comunidades de descendentes de escravizados.
Já os impactos da gestão atual para a cidade são desconhecidos por Safenraider, dono de postos de combustíveis, que aplaude Bolsonaro por ter deixado “às claras as falcatruas do PT” e ser “o melhor para tocar a economia”.
Ele pensa e deixa sem resposta a pergunta sobre quais legados o presidente deixará para a cidade. “As estradas foram reformadas aqui, mas não sei quem foi o responsável.”
Além da “ponte do Lula”, entusiastas do petista exaltam como lembrança do governo os programas que contemplaram as comunidades tradicionais e os agricultores familiares. Muitos deles produzem banana, carro-chefe da economia regional, e tiveram acesso a crédito e a assistência técnica.
Com 128 metros de extensão, a travessia sobre o rio Ribeira de Iguape tirou do quilombo Ivaporunduva a dependência de balsas e facilitou os deslocamentos de pessoas e produtos.
A obra foi uma promessa de Lula em 1995, quando percorreu o rio durante uma de suas caravanas e disse que providenciaria a ponte se um dia se tornasse presidente. A cerimônia de inauguração foi marcada para 2010, quando a passagem já estava aberta ao trânsito, mas o petista não pôde ir.
“Antes a gente só passava ali de canoa”, diz, apontando para as águas, o agricultor Benedito Alves da Silva, o Ditão, 67. Segundo ele, líder comunitário e também filiado ao PT, o local ficou sendo chamado informalmente de “ponte do Ivaporunduva”. Não há placa de identificação afixada no local.
A outra ponte citada em conversas na cidade é a que foi prometida por Bolsonaro. Ela deve cruzar o mesmo rio, em um ponto onde só se passa de balsa.
“Ele ofertou para a gente uma obra grande”, descreveu o prefeito Dinoel Rocha, 55. Apesar de filiado ao mesmo partido do presidente, o PL, ele diverge do correligionário por pregar moderação e defender as urnas eletrônicas e as vacinas contra a Covid.
Em dezembro de 2019, o município assinou com o Ministério do Desenvolvimento Regional o contrato para o repasse de R$ 11,4 milhões para a construção da ponte, de 120 metros. Bolsonaro fez uma visita a Eldorado em setembro de 2020 e foi à Câmara Municipal mostrar uma projeção da edificação.
“Essa ponte agora é uma realidade”, discursou ele na ocasião, ao lado de uma moradora a quem disse ter prometido em 2015 que faria a obra. Só que o recurso disponível, segundo o prefeito, ficou insuficiente devido ao aumento de preços dos produtos e da mão de obra, o que impôs adaptações na estrutura.
A prefeitura afirma que pretende licitar a construção neste mês —uma tentativa em 2021 deu errado— e entregá-la em até dois anos e meio. Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou.
“Então, assim, não quero nem ser crítico em relação a isso, né?”, diz Rocha sobre os impactos da gestão Bolsonaro. “Imaginei que a gente pudesse ser um pouco mais assistido. Tiveram algumas contribuições que ele deu, tudo, mas acho que ficou aquém, principalmente com os outros municípios aqui do Vale.”
Apesar de não existir, a ponte já teve o nome definido em lei sancionada pelo prefeito em 2020. “Ficamos felizes que o Executivo esteja trabalhando para chegar a um projeto adequado com o recurso disponível”, diz o presidente da Câmara Municipal, Willyan Batista e Souza, o Mineirinho, 33 (União Brasil).
Ele, assim como fazem outros bolsonaristas locais, celebrou a chegada de “um filho da terra” ao Planalto e diz acreditar que o benefício veio na forma de divulgação. “Sinto gratidão. É uma satisfação enorme. Após essa conquista, Eldorado pôde ser mais conhecida. Deu visibilidade para o nosso município.”
Embora a questão afetiva seja citada por simpatizantes como uma das razões para votar em Bolsonaro, o determinante para o apoio é mesmo o discurso, com as propostas conservadoras e a cruzada anti-PT.
O hoje chefe do Planalto chegou com a família a Eldorado em 1965 e foi embora em 1973, aos 18 anos, para iniciar a formação militar no estado do Rio de Janeiro.
Ele estava no município quando Carlos Lamarca (1937-1971), guerrilheiro que liderava a luta armada contra a ditadura militar, refugiou-se nas matas da região. Lamarca e seu grupo trocaram tiros com os militares que os procuravam na praça central, cena que o presidente diz ter testemunhado.
É difícil encontrar evidências concretas da passagem de Bolsonaro pela cidade, a não ser pelas histórias contadas por moradores que conviveram com ele e pelos lugares que eles indicam, como a escola pública onde estudou, os pontos onde seus parentes têm comércios e os endereços em que residiu.
Um dos lugares é a casa na rua beira-rio onde a família morou. Com uma fachada que em nada lembra a de antigamente, ela abriga hoje um escritório de contabilidade. “Ninguém achou interessante transformá-la em um memorial”, ironizou o jornal francês Le Monde em reportagem recente sobre o município.
Outra prova da relação de Bolsonaro com a terra fica no cemitério. O presidente esteve ali em janeiro deste ano para o sepultamento da mãe, Olinda Bonturi Bolsonaro, que morava na cidade. O jazigo da família é identificado por uma única placa, pregada na gaveta mais alta: “Percy Geraldo Bolsonaro”.