Eleitor mais afetado por crise é mais lulista
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Em entrevista ao Jornal Nacional, o presidente Jair Bolsonaro (PL) exaltou a queda na taxa de desemprego e a recente deflação no país. Disse que “os números da economia são fantásticos”, evitando, no entanto, explicar seu plano para cumprir em eventual segundo mandato a promessa feita em 2018 de segurar a alta dos preços.
A população de menor renda é quem mais sente o peso da inflação sob o governo Bolsonaro, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Já os jovens são os que mais sofrem com o desemprego, com taxa de desocupação que supera 25% na faixa etária até 24 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses dois grupos, o dos mais pobres e o dos mais jovens, são hoje aqueles que dão maior vantagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) frente a Bolsonaro nas pesquisas de intenções de voto para presidente.
De acordo com o Datafolha, mais da metade dos eleitores (51%) de até 24 anos declara voto em Lula, contra 28% que apoiam a reeleição do presidente. Na parcela de brasileiros que vivem com menos de dois salários mínimos por mês, o petista tem 55% das intenções de voto e o presidente, 23%.
A declaração de Bolsonaro sobre a queda na taxa de desemprego é amparada pelos números do IBGE: 11,7% da população em idade economicamente ativa estava desocupada quando o presidente assumiu o Planalto. O percentual caiu para 9,3% ao fim do segundo trimestre deste ano, último dado disponível.
Mas a maior parte das novas vagas de trabalho paga pouco. Neste ano, o rendimento médio dos novos postos formais de trabalho é de R$ 1.935, valor que não chega a dois salários mínimos.
— O desemprego caiu, mas a partir de trabalhos de baixa remuneração, de pior qualidade. Esse fator coloca um teto na possibilidade de ganho eleitoral para Bolsonaro. E ele está enfrentando um adversário que tem no seu discurso a atenção aos mais pobres, com histórico de aumento no emprego em governos do PT — analisa o professor Sérgio Simoni Junior, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Para o jornalista e colunista de economia José Paulo Kupfer, a diminuição da renda e a inflação alta tornam mais difícil para Bolsonaro atrair o voto de parte da população mais vulnerável. Mesmo a deflação registrada em julho deve ter pouco efeito nessa direção, analisa:
— No atual governo a inflação reforçou barreiras para o acesso aos bens e serviços pelas pessoas de renda mais baixa, para quem o custo dos alimentos tem maior importância. Os preços hoje estão “menos altos”, mas continuam altos. E a deflação teve muita influência da gasolina, que não é sentida diretamente pelos mais pobres. Para essa camada importaria mais a baixa do diesel, que é o que move os caminhões que distribuem comida, por exemplo.
Kupfer faz ressalvas ao argumento usado por Bolsonaro na entrevista ao Jornal Nacional de que a inflação no Brasil decorre da pandemia, da seca registrada no ano passado e da guerra na Ucrânia.
— A pandemia ajudou a desarrumar a produção, e a guerra e seca potencializam esse quadro. Mas o governo tem que encontrar caminhos para resolver esses problemas. No governo Bolsonaro foram desfeitos ou desprezados programas de aquisição de alimentos e políticas para valorização da agricultura familiar, que produz para a população, e não para exportação. Estoques reguladores para evitar que os preços subissem excessivamente também foram zerados. Com isso, a fome veio e está aí. Não é invenção — afirma.
Autor de artigo sobre o peso de programas de transferência de renda nas eleições, o professor Sérgio Simoni Junior diz que o contexto econômico atual das famílias de baixa renda deve influenciar mais na hora de decidir o voto do que a lembrança de ações sociais das gestões do PT.
A análise é hoje corroborada pelos resultados de duas pesquisas recentes. O estudo “A cara da democracia” indicou haver um percentual maior de brasileiros que reconhecem Bolsonaro como responsável pelo Auxílio Brasil do que o de eleitores que identificam Lula como “pai” do antigo Bolsa Família. Mas mesmo entre os beneficiários do programa criado durante o atual governo, Lula supera Bolsonaro em intenções de votos, de acordo com a Quaest.