Entidade ligada ao MPF quer apoio à lista tríplice
Foto: Dida Sampaio / Estadão
Para tentar evitar futuras indicações à Procuradoria-Geral da República com base em critérios políticos, como ocorreu com Augusto Aras, integrantes do Ministério Público Federal vão entregar um documento em defesa da lista tríplice aos candidatos ao Palácio do Planalto. Preocupados, procuradores abriram diálogo especialmente com aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto.
O petista tem se esquivado de dizer se resgatará, caso eleito, uma tradição a que ele mesmo deu início, no primeiro mandato, de indicar um nome votado pela carreira. A lista para PGR não está prevista em lei e a escolha é uma prerrogativa do presidente, mas, desde os anos 2000, a Associação Nacional dos Procuradores da República realiza eleições e entrega aos chefes do Executivo os três nomes mais bem colocados na disputa no MPF.
O documento será levado aos candidatos em meio ao segundo mandato de Aras, que foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) sem integrar a lista da entidade. Integrantes do MPF fazem críticas, reservadas e abertas, ao que chamam de alinhamento do PGR com o atual governo.
O presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, afirma que tem procurado os presidenciáveis para tratar de temas de interesse do Ministério Público. Segundo ele, um dos principais assuntos é a lista tríplice, que, na sua avaliação, torna a escolha mais transparente. “Com ela, não tem candidaturas tiradas do peito ou do bolso do paletó”, diz o procurador.
De acordo com Cazetta, os três mais bem votados “são pessoas cujas histórias de carreira passam a ser avaliadas por um número grande de membros” do MPF. Após a indicação do presidente, cabe ao Senado a realização da sabatina e a aprovação do indicado.
Neste momento, os procuradores estão abordando todos os candidatos à Presidência. Até agora, apenas a senadora Simone Tebet (MDB) disse que vai escolher um dos nomes da lista da ANPR. Com Ciro Gomes (PDT), a reunião foi adiada em razão de um desencontro de agendas.
Bolsonaro também deve ser procurado, mas os integrantes do MPF enfrentam dificuldades para identificar um interlocutor. Sob reserva, eles dizem que a conversa será dura, posto que o presidente ignorou a lista por duas vezes.
Sobre Lula e entorno, as investidas se intensificaram mais recentemente, porém, desde 2021, a diretoria da APNR já dialoga com o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), o ex-presidente do PT Rui Falcão e o ex-ministro Eugênio Aragão, que defende a legenda durante a eleição. Dos três nomes, procuradores afirmam ao Estadão que Falcão foi o mais receptivo ao respeito da lista tríplice.
Já Aragão, que foi subprocurador-geral da República, é o mais refratário ao rito da ANPR. O ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff (PT) era próximo do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, mas a amizade acabou em meio à Operação Lava Jato. Petistas reclamam da atuação de Janot à frente da PGR, quando o partido foi alvo de inquérito por envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.
Investigado, condenado e preso, mas solto por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de reverter o cumprimento da pena após a segunda instância e de anular suas sentenças por erros processuais, Lula não descartou, segundo apurou o Estadão, a lista como critério de escolha, mas pode deixar de indicar o primeiro colocado. O ex-presidente Michel Temer (MDB), por exemplo, escolheu Raquel Dodge, segunda colocada. Pessoas próximas dizem que o petista tem adiado o debate para evitar o assunto na campanha eleitoral.
Em entrevista ao UOL, Lula não respondeu se seguiria, ou não, a lista. “Você tem de deixar um pouquinho de suspense, se não fica um governo previsível”, afirmou. Questionados, petistas que participam dessas conversas também evitam comentários. “O melhor é seguir o que ele disse. Eu não acho que ele tratará desse tema agora”, diz Teixeira. Aragão não quis se manifestar.
O ex-presidente sempre se vangloriou de ter escolhido o primeiro da lista, com o argumento de que deu independência aos órgãos de investigação. No entanto, após a prisão de Lula e denúncias contra caciques do PT, há no partido quem defenda trilhar o caminho de Bolsonaro. Nesse grupo, destacam-se José Dirceu e José Genoino.
Nas gestões Aras, o PT também não fez oposição ao PGR, nem mesmo o incomodou nas sabatinas. O atual procurador-geral foi elogiado publicamente pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, após ele afirmar que seria necessário apurar uma “caixa de segredos” na Lava Jato. Procurada, Gleisi não comentou. Na campanha de Lula, o único coordenador crítico a Aras é o senador Randolfe Rodrigues (Rede), que chegou a colher assinaturas para um pedido de impeachment.
Diante desse cenário, a ANPR têm mantido conversas com o grupo Prerrogativas, composto por advogados críticos da Lava Jato e alinhados a Lula. Marco Aurélio Carvalho, que é um interlocutor do ex-presidente nas tratativas, já dá indicativos de como seria a condução do tema em um eventual governo petista.
“A lista é um critério, mas não é o único, nem necessariamente o mais importante. O ex-presidente Lula vai escolher um procurador-geral levando em consideração a sociedade civil de maneira geral, o que inclui a advocacia e também as entidades do Ministério Público”, diz Carvalho.
Rodrigo Janot
Esteve no cargo de 2013 a 2017. Foi o mais votado em lista tríplice da ANPR e indicado por Dilma Rousseff (PT) ao posto por duas vezes.
Raquel Dodge
Atuou na PGR de 2017 a 2019. Na época, ficou em segundo lugar na votação da entidade dos procuradores e foi a escolhida por Michel Temer (MDB).
Augusto Aras
Assumiu o cargo em 2019 e o ocupa desde então. Diferente dos outros dois procuradores-gerais, não figurou na lista tríplice e foi indicado duas vezes ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).