Lula tem apoio dos pobres e Bolsonaro dos ricos
Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
O Brasil está dividido em várias questões, mas uma fratura na escolha do eleitor é muito reveladora do país que somos. Os pobres votam em Lula na esperança de um ambiente econômico que os favoreça, os não pobres de qualquer nível de renda dão mais votos a Bolsonaro. O Brasil precisa ter foco no resgate dos pobres, mas isso exigirá do próximo governo políticas fortes e precisas para atacar o agudo da crise, e muita capacidade de escolha e decisão sobre o uso dos recursos públicos. O combate à pobreza é uma emergência.
Nada resolverá quem nega a existência do problema. O presidente Bolsonaro em mais uma odiosa declaração negou que a fome exista no país. Ela é uma realidade gritante e, ao dizer o que disse, Bolsonaro só mostra que governante desprezível ele é.
Na realidade, o que se vê é um país que aprofunda suas divisões de renda. Na Central das Eleições da Globonews, o comentarista Mauro Paulino fez uma pergunta à pesquisa Datafolha. O que acontece com todos os outros recortes — religião, cor da pele, região e gênero — se incluirmos a variável renda como o grande divisor. Ou seja, como votam os pobres evangélicos, católicos, negros, brancos, homens e mulheres, e de qualquer parte do país? O resultado foi impressionante, e os números foram analisados na Central sob o comando de Natuza Nery. Em resumo, os pobres votam majoritariamente em Lula. Entre os não pobres há vantagem para Bolsonaro.
O grupo é formado por quem ganha até dois salários mínimos. Inclui os miseráveis e os que têm muita dificuldade de suprir as necessidades básicas. Do outro lado do campo político ficam os que não são pobres. Essa divisão revela o pior do país que o Brasil tem sido: excludente, apartado, com políticas sociais concentradoras de renda, com a captura do Estado pelas mais diversas elites, com as cicatrizes de um país que se organizou em sesmarias, capitanias e escravidão. Não temos que carregar essa bola de ferro acorrentada a nossos pés.
O governo Bolsonaro foi atingido pela pandemia e pela guerra da Ucrânia, mas os governos são julgados pela qualidade das respostas às crises. As hesitações, a falta de foco, a negação e a descarada demagogia eleitoral pioraram o problema.
O ex-presidente Lula tenta passar a ideia de que basta que ele volte para que a carne retorne à mesa dos pobres. A conjuntura agora é muito mais grave do que Lula enfrentou em 2003. Ele erra quando equipara os dois momentos. Há armadilhas nas contas públicas que explodirão no começo do ano que vem, o mundo estará em recessão, os preços dos produtos que exportamos, em baixa, o país, estagnado.
O programa de Bolsonaro diz que o PT evitou que pobres deixassem a pobreza, e que o atual governo impediu que milhões voltassem à pobreza. É uma gritante falsidade histórica. O economista Marcelo Medeiros, especialista em políticas de combate à pobreza, explica a artimanha:
— Bolsonaro está querendo selecionar dados que o favoreçam e ignorar que todos os outros indicadores são muito ruins. Comparado com qualquer governo anterior, de Dilma, de Lula, de FHC, Bolsonaro é muito pior. O principal problema é que o governo não está olhando para frente, e a política que ele desenhou não é sustentável, nem desejável. O desenho do Bolsa Família era melhor e foi indiscutivelmente um progresso. Isso é consenso mundial.
O gasto público sem controle e sem parâmetros fiscais produz inflação que empobrece os pobres. Portanto, nas conversas entre os economistas do PT precisa vencer o grupo que acha que é preciso haver limites ao crescimento da dívida e horizonte para queda do déficit. Isso não é conversa de “neoliberal”, como uma ala ainda resiste em dizer.
Os pobres vivem nos últimos anos os dramas provocados por uma resistente inflação de alimentos. José Roberto Mendonça de Barros me disse que nesse segundo semestre ela pode não subir muito, mas terminará o ano em 12%. Isso, enquanto o subsídio faz a festa da classe média no posto de gasolina. Os pobres precisarão de políticas de emprego e renda focadas. Segundo estudo da Tendências, 81% dos que estão desempregados há mais de dois anos são das classes D e E. Eles são também maioria entre os endividados.
O resgate dos pobres exigirá que o país tenha políticas com foco, em todas as áreas. Não podemos mais carregar a ignomínia da fome e a vergonha da privação que devasta milhões de brasileiros.