Mercadante vira peça fundamental na campanha de Lula

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Foto: Adriano Machado/Reuters

Do segundo andar do sobrado que abriga a Fundação Perseu Abramo, centro de formação do PT em São Paulo, Aloizio Mercadante coordenou as palavras que entraram no plano de governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva, entre uma viagem e outra ao lado do ex-presidente. A dobradinha em 2022 mostra que Mercadante sobreviveu às crises e aos escândalos que atingiram o PT nos últimos anos, à identificação de sua imagem com a pior fase do governo Dilma Rousseff e, sobretudo, às frituras de uma ala do partido e do próprio Lula, que agora o tem como um dos principais auxiliares na disputa para voltar ao Palácio do Planalto.

Para um assessor próximo ao ex-ministro, é uma clássica “relação de amor e ódio” e no momento impera o amor. Nomes mais próximos a Lula lembram que Mercadante era – e ainda é – apontado dentro do PT como principal apoiador da candidatura da então presidente Dilma à reeleição. Uma ala do partido achava que o segundo mandato seria má ideia e Lula dava sinais trocados nos bastidores sobre a vontade de concorrer. Uma vez reeleita, com mais empenho de Mercadante do que de Lula, Dilma fez do ministro o maior aliado. O segundo mandato da petista desandou e ele foi apontado como a pedra no sapato na relação do Planalto com o MDB, que mais tarde viria a desembarcar do governo.

Para definir o funcionamento do Planalto na época, um aliado diz que Mercadante mordia no quarto andar e Dilma mordia no terceiro. Ninguém assoprava.

Lula e aliados recomendaram à presidente tirar Mercadante da Casa Civil, um movimento que ela resistiu a fazer até outubro de 2015. Mercadante foi para a Educação. Sete meses antes, o problema já estava instalado: ao negar que o MDB tivesse pedido a saída do ministro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ironizou: “Mercadante está na articulação política? Não sabia”.

Após o impeachment e com Lula preso, Mercadante tentou reunir quadros de intelectuais ligados aos governos petistas para não deixar os aliados dispersarem diante de um partido enfraquecido. A iniciativa o credenciou para assumir a Fundação Perseu Abramo.

Características pessoais do petista somadas à conjuntura atual do partido e de Lula fazem com que aquele que esteve no topo das críticas, inclusive do ex-presidente, assuma papel de destaque na campanha de 2022. O Estadão ouviu integrantes do comando da campanha de Lula, nomes que dividiram a Esplanada dos Ministérios com Mercadante, empresários que estiveram em reuniões recentes com os dois e assessores.

Há fogo amigo no entorno de Lula sobre a proximidade dos dois. Mas o ex-ministro de Dilma é a constante ao lado do líder petista nas viagens dentro e fora do Brasil, liderou a elaboração do programa de governo e participa de articulações partidárias. Ele esteve também em encontros restritos, como o almoço que Lula teve na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com um seleto grupo de empresários no início de julho e participou da preparação do petista para a sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo, na semana passada.

Mercadante se tornou um elo histórico de Lula em um PT que já não conta mais com parte dos quadros do primeiro escalão em 2002. Atingidos pelos escândalos do mensalão, da Lava Jato ou ambos, José Dirceu, José Genoino e Antonio Palocci ficaram fora da órbita do poder no partido. Luiz Gushiken morreu em 2013.

Há ainda os que não podem se dedicar em tempo integral. É o caso de Edinho Silva e Rui Falcão, que dividem a coordenação da comunicação da campanha. O primeiro concilia o trabalho com a prefeitura de Araraquara, a quase 300 quilômetros da capital paulista. Já Rui acumula a função na campanha de Lula com um mandato de deputado federal e a própria campanha à reeleição – o que com frequência o faz sacrificar o horário de almoço. Gleisi Hoffmann e Paulo Teixeira concorrem à reeleição como deputados e Wellington Dias tenta vaga no Senado.

À disposição “full time”, Lula tem Mercadante. Na descrição de nomes mais e menos amigos do ex-ministro: ele é obsessivo pelo trabalho, disciplinado e devoto ao projeto petista, que vê personificado na figura de Lula. As características são valorizadas na dinâmica do PT e sensíveis para Lula na campanha de 2022, quando é preciso construir um projeto que atenda uma coligação de nove partidos e agrade do ex-tucano Geraldo Alckmin, hoje no PSB, a Guilherme Boulos, do PSOL.

Aos 76 anos, depois de assistir à ascensão e à queda dos governos petistas e passar quase 600 dias na prisão, Lula é mais centralizador e desconfiado do que antes. Ao seu lado, estão os que foram mais fiéis no período que passou na carceragem de Curitiba.

Mercadante foi do núcleo duro de todas as disputas presidenciais do PT. Antes disso, coordenou a campanha de Lula ao governo estadual em 1982, no fim da ditadura. Participou da fundação da legenda, foi vice na chapa de Lula em 1994 e demonstrou lealdade ao ex-presidente em mais de uma ocasião. Em 2010, quando o PT viu frustrada a tentativa de atrair Ciro Gomes para disputar o governo de São Paulo, Mercadante foi convocado. Eleito com 10 milhões de votos ao Senado em 2002, ele disputaria a reeleição. Mas era preciso garantir um palanque para Dilma no Estado e Lula fez o chamado para que o então senador abrisse mão da disputa vista como segura para entrar em uma perdida: a corrida pelo Palácio dos Bandeirantes. Ele perdeu para Alckmin, eleito no primeiro turno.

Há quem credite a posição privilegiada de Mercadante na campanha ao fato de a Perseu Abramo dispor de uma equipe de assessores e estrutura material que ajudam no dia a dia da candidatura ao Planalto. Os documentos produzidos pela fundação subsidiam discursos de Lula.

Nos dois mandatos de Lula, Mercadante não ocupou ministérios. Em 2002, dizia-se que bastava ele querer para assumir a Fazenda, mas ele disse a Lula que o PT precisava de gente no Congresso. Quem terminou no cargo foi Palocci. Quando Palocci caiu, lá estava novamente o nome de Mercadante no topo da bolsa de apostas, mas quem assumiu foi Guido Mantega.

Agora, ele não tem o nome entre os cotados para a Economia em caso de vitória do PT. E parece assumir que seu papel é ser lembrado nos momentos difíceis.

Estadão