Mulheres evangélicas rejeitam mais Bolsonaro que homens
A performance do presidente Jair Bolsonaro (PL) no eleitorado evangélico poderia ser ainda melhor, mas as fiéis mulheres não deixam. A mais recente pesquisa Datafolha revela um cisma de gênero nos templos.
Entre os adeptos desse nicho cristão, os homens estão muito mais alinhados que as mulheres tanto na predileção pelo candidato à reeleição como na oposição ao principal adversário, o ex-presidente Lula (PT).
A porção masculina dos evangélicos dá larga vitória a Bolsonaro logo na pesquisa espontânea, na qual os entrevistados apontam seus favoritos antes mesmo de ver a lista de postulantes. Nesse grupo, 48% dizem votar no presidente —vantagem de 20 pontos sobre o petista. Só 14% afirmam não saber quem apoiar.
Já as evangélicas estão mais indecisas: 34% não conseguem apontar um nome antes de conhecer o rol de candidatos. Outras 29% declaram apoio a Bolsonaro, e 25%, a Lula, o que os mantêm em empate técnico.
As margens de erro dos resultados de homens e mulheres no segmento evangélico são maiores do que na sondagem geral porque as amostras são menores. Essa margem é de seis pontos percentuais entre eles, cinco pontos entre elas, três pontos nesse bloco como um todo e dois pontos no levantamento geral, em que não se faz qualquer distinção religiosa.
De acordo com o levantamento, realizado nos dias 27 e 28 de julho com 2.556 pessoas de 183 cidades, evangélicos são 1 em cada 4 brasileiros.
Diferenças registradas entre as alas feminina e masculina do evangelicalismo nacional superam essa margem. Os números sugerem que as mulheres impediram, ao menos até agora, que Bolsonaro abrisse uma superioridade ainda mais larga sobre Lula nesse segmento.
Na pesquisa estimulada, em que o eleitor escolhe um nome entre as opções exibidas numa cartela, o chefe do Executivo tem, entre os crentes homens, uma vantagem de 16 pontos sobre Lula no primeiro turno. No caso das fiéis, a diferença é de 7 pontos —mais um empate técnico.
O segundo turno apresenta cenário similar. Os evangélicos garantem ao presidente dianteira de 58% a 38% sobre o petista, enquanto as mulheres os colocam mais próximos: 48% para o atual mandatário e 41% para o ex. Assim, não surpreende que Bolsonaro venha investindo num discurso direcionado a elas, que correspondem a 58% das igrejas, mais do que os 52% da fração feminina na população geral.
A convocação de Michelle Bolsonaro para a linha de frente do confronto é cirúrgica. Metade evangélica do casal, a primeira-dama tem tido participação bem mais vigorosa na campanha agora do que em 2018. A expectativa é que ela suavize a imagem de Bolsonaro, um repelente entre frequentadoras dos templos.
A própria imagem de Michelle foi se adaptando para se comunicar ainda mais com essa eleitora, destaca a socióloga Christina Vital, coordenadora do Laboratório de Estudos em Política, Arte e Religião na UFF (Universidade Federal Fluminense). O corte de cabelo está mais austero, as roupas, mais largas e pudicas, “encarnando esse projeto da mulher virtuosa, a ‘Mulher V’”, afirma Vital.
A referência é a um conceito popularizado por Cristiane Cardoso, filha do bispo Edir Macedo que advoga por uma “mulher moderna à moda antiga”. “Espera-se que Michelle seja uma mulher de oração, exerça um papel fundamental na família e na docilização do marido. Isso fala diretamente ao público feminino.”
Já a popularidade de Bolsonaro entre os homens que se dizem tementes a Deus, de acordo com Vital, dialoga com “a questão de ethos que Bolsonaro transmite, que tem a ver com a recuperação de uma autoridade masculina que parece estar sendo desvalorizada”.
O descompasso de gênero ecoa no arco evangélico, quase todo masculino. Até hoje, muitas igrejas não ordenam pastoras. Mesmo entre as que as aceitam, a liderança é exercida sobretudo por homens.
A participação feminina na cúpula da bancada evangélica também é mirrada, e o culto promovido nesta quarta (3) num dos plenários da Câmara, com presença de Bolsonaro, explicitou essa discrepância. Homens monopolizaram a mesa principal. Em fevereiro, quando o bloco anunciou sua nova diretoria, mulheres ocupavam 4 dos 29 postos.
Conectar-se com as eleitoras será obrigatório para estas eleições, e o núcleo bolsonarista, também ele composto por uma maioria masculina, está ciente disso, afirma a cientista política Ana Carolina Evangelista, do Iser (Instituto de Estudos da Religião).
“A campanha do presidente sabe de tudo isso: por um lado, a única chance de não perder as eleições é recuperando a parcela dos votos que já teve em 2018 e que migrou para Lula. Por outro, dentro do segmento onde ele já teve enorme apoio, o evangélico, ele perdeu o apoio das mulheres. Por isso a aposta nas mulheres, especialmente as evangélicas, mas não só.”
A diferença entre o pleito de quatro anos atrás e o atual, contudo, “é que, para parte do eleitorado que migrou, ele precisará, além de mobilizar afetos e medos, convencer que ele mudará suas condições de vida”, diz Evangelista.
“Eles estão acertadamente focando as mulheres, mas elas ainda não acreditaram que o então deputado-candidato de 2018, agora presidente-candidato, merece uma segunda chance.”
Ao mesmo tempo, nesse cenário, a trupe lulista não pode continuar agindo “como se elas já estivessem com ele”. “Elas ainda estão com ele”, afirma a pesquisadora.
A equipe do presidente ainda pode encontrar um terreno fértil para conquistar apoios porque, até agora, as evangélicas têm o voto menos consolidado do que suas contrapartes masculinas. Entre eles, 82% disseram estar “totalmente decididos”, enquanto 65% delas deram essa mesma resposta ao Datafolha.
Bolsonaro tenta reforçar um discurso que ressoa nesse eleitorado, baseado na defesa da família, mas também deve buscar colher dividendos das políticas do governo —incluindo o pagamento adicional do Auxílio Brasil, que deve ser distribuído a partir deste mês.
O levantamento mostrou que 25% dos brasileiros recebem o substituto do Bolsa Família ou moram com alguém que o embolse. Essa taxa dispara entre mulheres evangélicas: 34% estão ligadas ao programa assistencial. Entre os fiéis homens, a parcela mingua para 22%.
A rejeição feminina a Bolsonaro explica-se em parte por serem elas as mais afetadas por um ciclo econômico capenga. As mulheres, por exemplo, sentiram o desemprego de forma mais intensa durante a pandemia —responderam por 72% dos postos de trabalho assalariado encerrados em 2020.
Além de mais vulneráveis financeiramente, as evangélicas são mais refratárias ao estilo grosseiro de Bolsonaro do que o naco masculino das igrejas, diz Christina Vital. A “Mulher V” pode se sensibilizar com temas de ordem moral, como aborto e drogas. Mas isso não basta para ceder aos apelos bolsonaristas.
Folha