No RS, Leite tenta se afastar de Bolsonaro

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Foto: Nilani Goettems/Valor

Depois de desistir da investida para ser o candidato oficial da terceira via nas eleições presidenciais, o ex-governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) promoveu uma reviravolta em seu discurso de campanha e tenta se descolar do presidente Jair Bolsonaro (PL) já de olho em um eventual segundo turno na disputa pelo governo do Rio Grande do Sul. Na última pesquisa de intenção de voto, realizada pelo Ipec, Leite aparece à frente dos adversários com 32% da preferência do eleitorado.

O programa de governo da aliança do tucano com o MDB está recheado de propostas na área social, especialmente no combate à desigualdade e à pobreza infantil. Mesmo mantendo prioridade ao agronegócio, também há itens no programa de governo em apoio à agricultura familiar, com promessas de ampliação de investimentos, aumento da produtividade e adoção de uso sustentável de energia renovável.

Mas não se trata, diz a coordenação da campanha, de um aceno à esquerda, já que o candidato do PT, Edegar Pretto, é oriundo do MST e vinculado às pequenas agroindústrias familiares do Estado. “O Eduardo dialoga com todo mundo, não busca votos à direita ou à esquerda. É muito cedo para falar de segundo turno, mas certamente ele manterá essa essência de dialogar com todos os setores”, disse o presidente licenciado do PSDB gaúcho, Lucas Redecker.

O movimento, porém, é calculado. Em 2018, Leite se associou discretamente à imagem de Bolsonaro e do anti-petismo para bater o então governador José Ivo Sartori (MDB) no segundo turno da eleição para o governo do Rio Grande do Sul, numa disputa apertada. Sartori foi mais explícito na adesão à candidatura do atual presidente, apostando no bordão “Sartonaro” para derrotar seu adversário. Não foi suficiente.

Mas foi um apoio implícito: Leite só declarou voto em Bolsonaro depois do primeiro turno da eleição presidencial de 2018, em um vídeo publicado em suas redes sociais. No ano passado, entretanto, durante o processo de prévias do PSDB para a disputa majoritária, o ex-governador admitiu que fez uma escolha errada. “Um erro que cometemos eu e milhões de brasileiros”, justificou à época.

Em 2022, Leite passou a rejeitar o que chama de “populismo” para atacar tanto a candidatura do ex-presidente Lula quanto de Bolsonaro. Em junho, quando anunciou a retomada de sua intenção de concorrer ao governo gaúcho, criticou o presidente e disse estar preocupado com os “ataques contínuos” ao processo democrático. Afirmou, ainda, que só irá se manifestar sobre seu voto quando o segundo turno estiver definido.

“O Eduardo mostrou que é possível ter independência em relação ao governo federal e mesmo assim entregar resultados. Como é um estadista, um político que respeita as estruturas de Estado, não haverá dificuldade em reconhecer a legitimidade de quem vencer. Seja quem for”, completou Redecker.

À esquerda, o aceno de Leite é visto com desconfiança. A coordenadora de marketing do candidato do PT ao governo, Mari Perusso, disse que o ex-governador nunca se afastou de verdade da agenda de Bolsonaro, especialmente na gestão econômica. “Tanto para a esquerda quanto para a direita, o governo Leite foi ruim. Para nós, devido às privatizações. Para a direita, porque causou prejuízos financeiros às empresas durante a pandemia”, afirmou.

Terceiro colocado nas intenções de voto pela pesquisa Ipec, com pouco mais de 7% e empatado tecnicamente com o senador Luis Carlos Heinze (Progressistas), Edegar Pretto aposta em três eixos para conseguir uma vaga no segundo turno: reforçar a posição como candidato de Lula no Rio Grande do Sul, fazer uma campanha propositiva, com destaque para o combate à fome e ao desemprego, e ser uma alternativa ao modelo de governo do bolsonarismo e do atual governo estadual.

“O ex-governador naturalmente será um alvo, mas não no sentido de ataques diretos. A situação do Estado chegou nesse nível tão desastroso porque Leite e Bolsonaro, no fundo, são uma coisa só”, disse a coordenadora. O slogan do candidato já dá uma ideia do tipo de posicionamento: “palavra de gaúcho”, numa alusão às reviravoltas do ex-governador até se lançar de fato como candidato ao governo do qual renunciou em março.

No terreno bolsonarista, a estratégia será a mesma: “Falar a verdade sobre o candidato Eduardo Leite”, disse o assessor especial do ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL), apresentado como um dos postulantes oficiais de Bolsonaro no Rio Grande do Sul. “Não vamos confrontar ninguém, nem fazer guerrilha digital, nada. Vamos disputar de cara limpa, falando a verdade”, explicou Daniel Ramos, que coordena a campanha de Lorenzoni.

Entre as verdades está naturalmente a renúncia de Leite ao governo gaúcho para se oferecer como candidato da terceira via ao Planalto e a consequente retomada da candidatura ao governo estadual após sua estratégia fracassar. Segundo colocado na pesquisa Ipec, com 19% das intenções de voto, Lorenzoni é o porta-voz de Bolsonaro no Estado, apesar de o senador Luis Carlos Heinze também se apresentar como candidato oficial do bolsonarismo.

“É bom que o Bolsonaro tenha dois palanques no Rio Grande do Sul, fortalece a candidatura. Mas em termos locais não há disputa, a candidatura do ex-ministro está consolidada e não olhamos para o lado”, pontuou Ramos, em referência ao desempenho de Heinze na pesquisa Ipec, que o aponta com 6% das intenções de voto. Segundo Ramos, Lorenzoni não vai disputar o espólio de Bolsonaro. “Ele foi o primeiro parlamentar a apoiar o presidente quando ninguém cogitava essa hipótese. É natural que seja seu representante mais dedicado”, disse.

Heinze, que também reivindica representação oficial do bolsonarismo, diz que está tranquilo em relação à postura do presidente. “Ele [Bolsonaro] se comprometeu a não fazer manifestações a favor de um ou de outro candidato aqui no Estado. Se fizer, tem que fazer para os dois. Como acredito que é um homem de palavra, não tenho porque duvidar disso”, afirmou.

Empatado tecnicamente com Edegar Pretto na pesquisa Ipec, divulgada no dia 15 de agosto, Heinze também promete “usar a verdade” para atacar a candidatura de Eduardo Leite ao governo estadual. “É muito fácil governar como ele [Leite] fez. Pagou zero parcelas da dívida com a União, por conta de uma liminar do STF, e ainda recebeu mais de R$ 3 bilhões do governo federal para gastar onde quisesse, como compensação pelas perdas de ICMS durante a pandemia”, exemplificou.

O senador também criticou a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal da União e prometeu conversar com os outros quatro Estados mais endividados do país para renegociar uma dívida, para ele, “impagável”. O candidato deixou claro também que fará do ex-governador um dos seus principais alvos de campanha, além de Onyx Lorenzoni. “Ficou em cima do muro o quanto pôde, depois pegou votos dos bolsonaristas e agora nega o presidente? Vamos mostrar a verdade à população do Rio Grande do Sul”, disse. Para Heinze, se não declarasse apoio a Bolsonaro, Leite “certamente perderia a eleição”.

“Sabemos que seremos muito atacados, que pela nossa posição vamos ser o alvo preferencial dos adversários. Vamos responder com a verdade, com as nossas realizações. Mas é claro que também não deixaremos que inverdades sejam difundidas durante a campanha”, alertou o presidente licenciado do PSDB, Lucas Redecker.

A eleição no Rio Grande do Sul tem ainda as candidaturas registradas de Vieira da Cunha (PDT), Rejane de Oliveira (PSTU), Roberto Argenta (PSC), Paulo Roberto (PCO), Ricardo Jobim (Novo), Vicente Bogo (PSB) e Carlos Messala (PCB).

Valor Econômico