Pandemia fortaleceu opositores políticos

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Foto: Reuters

“É a economia”. A afirmação utilizada para explicar a preponderância do bolso do eleitor na hora do voto parece se aplicar também aos efeitos que a Covid teve nas eleições ao redor do mundo. Um levantamento do Pulso com base em 36 pleitos desde 2020, em todos os continentes, indica que casos e mortes não influenciaram tanto quanto as consequências da pandemia e a reação a ela: neste período, o candidato do governo venceu em 19 e perdeu em 17 eleições, sendo nove dessas nas Américas. As derrotas ocorreram principalmente nos momentos em que a economia esteve mais fragilizada, seja pela paralisação da produção ou pela inflação pós-retomada.

Em 2020, quando o PIB mundial foi negativo em consequência do vírus, candidatos que estavam no governo venceram 45,4% dos pleitos. O índice volta a ficar abaixo da metade em 2022, com países enfrentando crises inflacionárias. Já no ano passado, quando houve uma retomada da economia impulsionada pela vacinação, sobretudo na Europa, quem estava no poder teve sucesso em 63,1% das eleições.

Para a cientista política Flávia Bozza Martins, pesquisadora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio), os números revelam as fases distintas da doença. Este ano, com as mortes em declínio, os eleitores passam a focar nos problemas econômicos causados pela doença e a inflação começa a castigar boa parte da população.

— Se, em 2021, as pessoas estavam recompensando alguns governantes pela retomada econômica frente à pandemia graças à vacina, agora é o momento em que elas estão julgando as consequências econômicas dela — afirmou.

Ao redor do planeta, eleitores reagiram de maneira diferente diante da pandemia, mas algumas constantes surgem: o investimento na vacinação foi recompensado, negacionistas foram punidos e, principalmente, presidentes foram responsabilizados pelos problemas econômicos causados pela doença.

Em alguns continentes, como a Europa, o índice de sucesso dos incumbentes (aqueles que estão no cargo) é alto, de 85%. Nas Américas, entretanto, essa taxa despenca: em 10 eleições, apenas um presidente conseguiu se manter no poder no período, sendo este Daniel Ortega, na Nicarágua, que vem se reelegendo com perseguição a opositores.Essa discrepância entre Europa e Américas ocorre apesar dos dois continentes terem praticamente a mesma taxa de mortes por milhão de habitantes e também um índice similar de medidas adotadas contra a pandemia, segundo critérios medidos pela Universidade de Oxford.

Segundo o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes, não são os números da pandemia que explicam os resultados eleitorais, mas a percepção de cada eleitor sobre o trabalho do presidente. Em outras palavras, trata-se da resposta à pergunta: “o presidente reagiu bem ou mal àquele momento?”

— Aqui nas Américas é difícil encontrar um caso de sucesso e isso está bem refletido nos números: há alta taxa de mortes. Em outras partes do mundo, é menos claro. Lá, é mais ambíguo porque as respostas para a pandemia foram mais heterogêneas — afirmou.

Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump foi punido com a derrota eleitoral após criticar medidas restritivas contra a pandemia. Mas eleitores também rejeitaram governantes que agiram de forma contrária ao que eles mesmos determinaram como medidas sanitárias. Na Argentina, por exemplo, Alberto Fernández foi investigado após a revelação de que sua família fez uma festa de aniversário em meio ao lockdown determinado por ele. No Reino Unido, a queda do premier Boris Johnson foi desencadeada após a denúncia de que ele teria participado de uma confraternização na sede do governo britânico enquanto defendia o isolamento publicamente.

Há casos de países com alta taxa de mortes, como a Bulgária, mas onde o presidente foi reeleito. Na Coreia do Sul, por outro lado, o número de mortes por milhão de habitantes foi baixo, mas o governo mudou. Isso mostra a influência de outros fatores, como crises internas que foram precedidas ou acentuadas com a pandemia.

— Não é só a pandemia o determinante do voto, do comportamento eleitoral, mas a percepção que o eleitor tem da resposta dada por cada governo. Objetivamente, você pode até discutir que o país X ou Y tenham colocado em prática medidas melhores ou não. Mas o que é inapelável é a percepção do eleitor — analisa Lopes, da UFMG

Um índice calculado pela Universidade de Oxford e que leva em consideração 13 medidas para contenção da pandemia coloca o Brasil com uma média de 53, número parecido com o da França, onde o presidente Emmanuel Macron foi reeleito, mas menor que o do Chile, com 60, onde a oposição venceu com Gabriel Boric.

No Brasil, o presidente Bolsonaro sempre se posicionou de forma contrária à política de restrição de contágios, baseada no uso de máscaras e no isolamento social — medidas adotadas por governadores ou prefeitos. Segundo dados do Datafolha durante toda a pandemia, a reprovação à atuação do presidente na pandemia teve seus piores momentos quando o número de casos aumentou.

Em maio deste ano, 46% responderam que o trabalho do presidente na pandemia era ruim ou péssimo, e 28% que era bom ou ótimo, segundo o Datafolha. Os números refletem o resultado eleitoral apresentado pela última pesquisa do instituto, em que Lula tem 47% dos votos e Bolsonaro, 29%. Por outro lado, Bolsonaro também culpa a pandemia pelos problemas econômicos.

— Todo eleitor faz isso, sem necessidade de saber da variação do PIB mundial. Ele sabe pelo preço das coisas no mercado, pelo poder de compra dele. No caso do Brasil, o que se demonstra é que, em termos de avaliação de governo, já estão fazendo uma responsabilização política para o presidente, atribuindo a avaliação sobre ele em função do mau andamento da economia. Segundo as pesquisas, claramente os que consideram a economia em declínio avaliam mal o governo e são os mesmos a acreditar que o presidente fez um mau combate à pandemia — afirmou Flávia Bozza Martins.

O Globo