Avalanche de pesquisas interfere na eleição presidencial

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Foto: Arte/O Globo

Tirando a onipresente preocupação com o futuro da nossa democracia, há traços bem marcantes por que esta campanha eleitoral será lembrada. É a primeira vez que dois políticos já testados na Presidência, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, disputam o mesmo pleito. Provavelmente por já conhecerem bem os dois personagens, os eleitores manifestam um grau de certeza sobre o voto dos mais altos já registrados, em torno de 80%.

Esse quadro ajuda a explicar outro fenômeno que está se provando tão marcante nesta eleição quanto foi a preponderância das redes sociais em 2018: o uso das pesquisas eleitorais como arma para o discurso político.

Numa disputa polarizada e há meses sem nenhum fato novo que mude substancialmente o cenário geral, estrategistas, analistas políticos e o público têm ido buscar nas pesquisas a fórmula para sair da inércia.

Diferentemente do que costuma acontecer nas campanhas, em que os fatos criados pelos candidatos interferem na opinião do eleitor e podem alterar os resultados dos levantamentos, nesta eleição, mais do que em outras, as pesquisas têm interferido de forma decisiva nas estratégias dos candidatos. Muitas vezes, elas são o próprio “fato novo”.

Lula passou semanas batalhando para fechar alianças com nanicos e capturar seus votos, enquanto tentava conquistar o voto útil de eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet.

Como eles cresceram nas pesquisas após a sabatina do Jornal Nacional e o debate na TV, a ofensiva perdeu força. Agora que o Ipec sugere de novo que há possibilidade de Lula ganhar no primeiro turno e que 52% dos eleitores de Ciro podem mudar de ideia, os petistas voltaram à carga.

Lula afirmou no Twitter que nunca fez eleição para ganhar no segundo turno. Ontem, citando pesquisas mostrando, segundo ele, que 20% pretendem se abster ou votar nulo, afirmou: “Quem não vota não tem o direito de reclamar”.

Bolsonaro diz que não acredita nas pesquisas divulgadas pelos grandes veículos de imprensa, porque elas até agora mostram Lula com larga vantagem. Mas já gastou R$ 2,2 milhões contratando levantamentos, e os utiliza para difundir a versão que lhe interessa (a campanha de Lula até agora não informou gastos com pesquisas ao Tribunal Superior Eleitoral).

Ao longo das últimas semanas, aliados do presidente vêm insistindo que, segundo os dados internos da campanha, ele já está à frente de Lula. Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, todo dia posta mensagens enigmáticas no Twitter, sugerindo que o presidente ultrapassou o petista em algum estado.

De acordo com os auxiliares, Bolsonaro ganhou terreno entre evangélicos e jovens, numa proporção que os institutos de pesquisa tradicionais não captaram.

Mesmo o debate sobre a metodologia dos levantamentos, que tomou conta das redes sociais e da imprensa nos últimos dias, demonstra quanto elas mexem com os ânimos da política. Tudo porque o Ipec mostra Lula 15 pontos percentuais adiante de Bolsonaro, enquanto na Quaest/Genial a liderança é de oito pontos.

A explicação mais comum para a diferença está na fatia da amostra representada pelos eleitores que ganham até dois salários mínimos — 57% para o Ipec e 38% na amostra da Quaest.

Impossível dizer quem está certo. Nem os próprios diretores dos institutos arriscam. Mas a diversidade é a grande novidade desta eleição, que pela primeira vez tem muito mais que os antigos Ibope e Datafolha registrando levantamentos no TSE e divulgando os resultados.

Se por um lado a “quebra de duopólio” tem o efeito salutar de proporcionar mais possibilidades de aferir o humor do eleitor, por outro também reforça a desconfiança e traz questionamentos que levam tempo até ser sanados.

Um deles tem a ver com a proliferação de pesquisas pagas por instituições financeiras. Outro, o fato de haver institutos sabidamente “bolsonaristas” ou “petistas” tentando se camuflar na paisagem como se fossem independentes. Há, ainda, institutos que posam de independentes, mas nos bastidores trabalham para algumas candidaturas.

Numa comparação um tanto grosseira, é um efeito parecido ao provocado pelas redes sociais, ao quebrar o monopólio da mídia tradicional na difusão da informação. Não é coincidência que nesta campanha as pesquisas, assim como o jornalismo profissional, sirvam ao mesmo tempo de bússola e de saco de pancadas.

Se o contexto das redes sociais servir de parâmetro, só se pode concluir que ainda viveremos muito tumulto e desorientação até navegarmos com mais segurança no universo das pesquisas. Antes de começar a melhorar, ainda piorará um pouco.

O Globo