Bolsonaro não consegue conter a estupidez

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Foto: Reprodução

Rejeitado por cerca de metade dos brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro (PL) iniciou um movimento para atrair de volta o eleitor que repele o PT mas também se afastou do bolsonarismo pelo radicalismo de seu governo, mas a iniciativa de falar para fora da bolha tem esbarrado na incontinência verbal do presidente candidato. Depois que as pesquisas após o 7 de Setembro mostraram que sua rejeição não caiu mesmo com o megaevento eleitoral, Bolsonaro fez um inédito mea culpa por ter minimizado as mortes pela pandemia e chegou a prometer entregar a faixa presidencial se for derrotado. O novo figurino foi vestido pela metade: ao mesmo tempo, ele reincidiu em piadas preconceituosas e voltou a deixar dúvidas sobre seu comportamento após a votação.

Os estrategistas da campanha à reeleição apostam que ainda há tempo para que Bolsonaro emita sinais de moderação e conquiste uma quantidade de votos capaz de alavancá-lo nas pesquisas. De acordo com levantamento do Ipec divulgado anteontem, o presidente tem 31% da preferência do eleitorado e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 46%. A mesma pesquisa revela que 50% dos eleitores não votariam em Bolsonaro em nenhuma hipótese, enquanto 35% rejeitam o petista.

Os próprios aliados costumam dizer que “Bolsonaro não deixará de ser Bolsonaro”, mas, a essa altura, alimentam a expectativa de que ele consiga apresentar uma versão mais equilibrada de si próprio, como vem tentando fazer. Com isso, calculam ser possível dobrar resistências de indecisos e, sobretudo, das mulheres, segmento que representa mais da metade do eleitorado e entre o qual ele enfrenta rejeição ainda mais severa: 55%, segundo o Datafolha.

A avaliação interna é que a espontaneidade do presidente da República foi fundamental para alçá-lo à condição de líder popular, mas também o faz cometer incontinências verbais danosas em momento-chave da batalha pela reeleição. Integrantes citam como exemplo o coro que puxou para si mesmo de “imbrochável” durante o comício que promoveu durante a comemoração dos 200 anos de Independência em Brasília, no Sete de setembro.

Há meses, conselheiros tentam convencer o presidente de que declarações comemoradas por apoiadores, muitas vezes, de nada servem para angariar votos fora da bolha bolsonarista.

Como definiu um aliado, Bolsonaro indica ter entendido que é preciso deixar de ser “o candidato de 2018”, quando se elegeu na esteira da Operação Lava-Jato e com o discurso de “contra tudo isso que está aí”, e assumir o papel de quem busca a reeleição. Membros do comitê de campanha afirmam que os gestos de moderação vistos nos últimos dias partiram do próprio chefe do Executivo — mas duraram pouco.

Sinais contraditórios foram emitidos durante uma entrevista a um podcast voltado ao público evangélico, que reuniu apresentadores de diferentes atrações, no final da noite de segunda-feira. Numa estratégia eleitoral, Bolsonaro aproveitou o espaço para tentar atenuar o temor de parte dos brasileiros de que ele protagonize uma investida antidemocrática se perder a eleição. Em diversas ocasiões, o presidente já deu a entender que poderia não reconhecer o resultado das urnas.

— Se essa for a vontade de Deus, eu continuo. Se não for, a gente passa a faixa, e vou me recolher, porque, com a minha idade, eu não tenho mais nada a fazer aqui na Terra se acabar essa minha passagem pela política em 31 de dezembro do corrente ano — afirmou o presidente ao podcast.

Horas depois, no Programa do Ratinho, do SBT, ontem à noite, ele condicionou a entrega da faixa ao que chama de “eleições limpas”, sem especificar o que o fará crer que não houve fraude no pleito.

Ainda durante o podcast, Bolsonaro admitiu ter errado em ao menos dois episódios que até hoje lhe rendem críticas e rejeição. Ele afirmou que “deu uma aloprada” quando disse, ainda no início da pandemia, que não era “coveiro”, ocasião em que foi questionado sobre as vidas ceifadas pela doença.

— Dei uma aloprada sim, eu perdi a linha. Aí eu me arrependo — admitiu, ao lembrar o episódio.

Ele argumentou que o seu comportamento mudou no último ano e que a cadeira da Presidência da República é um “aprendizado”. Num outro gesto para tentar melhorar a própria imagem, Bolsonaro admitiu que “pisou na bola” quando disse que sua filha, Laura, de 11 anos, a única entre quatro homens, foi resultado de uma “fraquejada”:

— Pisei na bola. É simples.

Os próprios estrategistas da campanha não arriscam prever por quanto tempo o candidato do PL é capaz de sustentar a postura mais ponderada. Recentemente, por exemplo, ele emitiu sinais difusos em relação ao Judiciário, alternando ataques e silêncios em momentos de tensão. Na segunda-feira, ele não compareceu à posse da ministra Rosa Weber na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi a primeira vez em 29 anos que um chefe do Executivo faltou a um evento do tipo.

Se, por um lado, mudou o tom em algumas declarações ao podcast voltado ao público evangélico, por outro, o presidente afirmou, na mesma entrevista que racismo “não existe da forma como falam” no Brasil. Além disso, comparou um ato de discriminação racial, que é crime, a uma brincadeira de mau gosto, como a de botar um apelido indesejado em alguém.

— Você é meio escurinho. Isso é crime, né? Falar que é escurinho — disse o presidente a um dos apresentadores.

Bolsonaro fez duas piadas com o guaraná Jesus, bebida de embalagem rosa muito consumida no Maranhão. Como já ocorrera em outra ocasião, ele relacionou o refrigerante a homossexualidade. Ao dar um gole no produto, em tom de ironia, Bolsonaro perguntou a um dos apresentadores o que ele iria fazer à noite e disse “eu te amo” em sinais de libras.

O Globo