Bolsonaro torce por instabilidade no Chile

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Foto: Andres Poblete/AP

Doze horas depois de conhecido o resultado do plebiscito chileno, o deputado Eduardo Bolsonaro postou em suas redes sociais imagens de supostos militantes da esquerda chilena usando de violência em protesto contra o resultado do plebiscito.

Há 15 dias, seu pai, ao concluir sua participação no debate da Band, disse que o presidente chileno, Gabriel Boric, “queimava metrôs” antes de se eleger. E causou uma baita crise diplomática. O embaixador do Brasil em Santiago foi chamado pelo governo chileno para se explicar e a chanceler chilena disse que as declarações do presidente brasileiro corroem as relações entre os dois países.

As manifestações bolsonaristas lançam um sinal de alerta sobre a exploração do pós-plebiscito no Chile, especialmente se Boric não for capaz de manter o Chile unido em torno da continuidade do processo constituinte.

As dificuldades derivam do resultado acachapante. Não deixou nenhuma dúvida do rechaço: 62,5% a 37,4%. Apenas dois anos depois de a ideia de um nova Constituição ter sido aprovada no país por uma maioria robusta de 78% dos eleitores. O que aconteceu?

Tudo menos que os chilenos queiram manter a Constituição da ditadura de Pinochet. A decisão de fazer uma nova Carta continua valendo. O que foi rechaçado ontem foi a Carta que surgiu de uma Constituinte dominada pelos movimentos que tomaram as ruas no governo Sebastian Piñera. Foi a canalização desses movimentos pela liderança de Boric que permitiu à Piñera concluir seu mandato e ao jovem parlamentar de esquerda, a eleição à Presidência.

Na eleição dos constituintes, o centro e a direita ficaram com apenas 25% das cadeiras. E os dois terços restantes bastavam para a inclusão de artigos na Carta. Havia conquistas importantes ali como a ampliação da saúde e educação públicas e gratuitas, que não eram garantidas pela Constituição do governo Pinochet.

Também foram incluídas algumas ousadias que ainda custam a conquistar a maioria do povo chileno, como, por exemplo, um Estado “plurinacional”. O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Gilberto Maringoni, compara a iniciativa àquela da Constituição boliviana e pondera que lá seis em cada dez são representantes de povos originários, enquanto, no Chile, apenas 12% se declaram indígenas. Maringoni ainda questiona a constitucionalização do direito ao aborto. Sugere que se o direito fosse incorporado como legislação ordinária, causaria menos atrito com a direita.

Quando Boric foi eleito presidente, o processo constituinte já se desenrolava. E embora ele o apoiasse, não queria que seu governo fosse caudatário de seus resultados. Tanto que, apesar da diversidade do seu ministério, Boric também convidou o presidente do Banco Central do governo Piñera para ser seu ministro da Fazenda. Trata-se de um antigo militante do Partido Socialista, economista respeitado da direita à esquerda, mas despertou reações nessa maioria que dominou o processo constituinte.

Apesar de toda essa tentativa de compor ao centro, o governo Boric perde popularidade. Vai enfrentar ainda mais dificuldades com a derrota do plebiscito, mas os problemas começaram antes. E, se depender da torcida do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos, vão se agravar e dar alento à narrativa da campanha eleitoral brasileira que associa a esquerda ao caos.

Valor Econômico