Bolsonaro usa evangélicos e Lula mulheres como armas
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Numa eleição marcada pela troca de ataques entre adversários e pelo caráter plebiscitário da disputa, os dois principais candidatos à Presidência chegam à reta final da campanha sem dizer ao certo o que pretendem fazer caso sejam eleitos. Em vez de programas de governo detalhados, com metas e proposições de como atingi-las, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentaram até agora apenas linhas gerais dos seus planos e apostam que suas experiências à frente do país bastam para convencer eleitores de que farão uma boa gestão, na lógica do la garantia soy yo. Outra tática que passa ao largo do debate de propostas é explorar a rejeição rival, notadamente entre evangélicos e entre as mulheres, nos casos do petista e do presidente.
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Lula divulgou ainda em junho diretrizes do seu plano de governo e, desde então, tem apresentado promessas específicas apenas nos discursos e na propaganda eleitoral. Mas, sem colocá-las no papel, as medidas têm sido alteradas a cada declaração. Outras simplesmente deixaram de ser mencionadas. É o caso da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, defendido inicialmente pelo ex-presidente, mas que sumiu após economistas ligados à campanha avaliarem que, em vez de reduzir, a iniciativa poderia elevar a concentração de riqueza no país.
O documento de 21 páginas entregue ao TSE com as diretrizes, por sua vez, não aponta qualquer parâmetro de uma futura revisão da tabela do IR. Ao tratar deste ponto, o texto cita apenas a intenção de “fazer os muito ricos pagarem imposto de renda”. Na prática, a proposta petista para o tema ainda é uma incógnita.
A campanha adiou a apresentação do programa de governo, inicialmente prevista para agosto, e agora projeta que o documento só seja divulgado às vésperas da votação. Integrantes da coordenação da candidatura entendem que o detalhamento abre flanco para ataques de adversários e críticas da imprensa. Reservadamente, dizem que os rumos da disputa deixam pouco espaço para a discussão programática.
— Não há como sinalizar uma pauta de futuro com 33 milhões de pessoas passando fome. O futuro passa por reconstruir o país e a autoridade moral de Lula para falar disso é o seu legado — justifica o líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes.
Especialmente na área econômica, Lula tem sido cobrado a indicar qual política fiscal vai adotar em um eventual governo. Crítico do teto de gastos, ele repetiu diversas vezes que deve acabar com a regra, mas não sinaliza qual modelo adotaria para substituí-la.
Do lado de Bolsonaro, o próprio presidente avalia que não precisa dizer o que pretende para eventual novo governo:
— Os outros têm que falar o que pretendem fazer. Eu tenho obrigação de falar o que nós fizemos — declarou, durante evento na Confederação Nacional da Indústria (CNI), em junho.
A exemplo de Lula, o candidato do PL registrou no TSE um documento que apresenta apenas linhas gerais, sem promessas pelas quais possa vir a ser cobrado no futuro. Na maior parte do plano, de 48 páginas, o texto usa termos genéricos. Diz, por exemplo, que vai “fortalecer a educação profissional e tecnológica e a educação superior”. Não explica, porém, como fará isso.
Na propaganda eleitoral, a campanha de Bolsonaro também tem destacado o que foi feito, apostando na comparação com as gestões petistas. Em um dos programas exibidos na semana passada, sustentou que os governos de esquerda dão “o peixe” e tornam as pessoas dependentes, enquanto os da direita “também ensinam a pescar”.
Estrategistas bolsonaristas avaliam que explorar indicadores positivos, como a deflação com a queda no preço dos combustíveis, é o suficiente para sinalizar aos eleitores que Bolsonaro tem um time melhor para conduzir o país no pós-pandemia da Covid-19.
Outro viés da campanha marcada pela fuga dos líderes da pesquisas em assumir compromissos tem sido o apelo a discursos emocionais, mirando a fragilidade do adversário: o presidente tentar levar o debate eleitoral para a guerra religiosa, de olho no segmento dos evangélicos, onde tem o melhor desempenho contra Lula nas pesquisas. A campanha petista, por outro lado, tem explorado a imagem de Bolsonaro como alguém que não respeita as mulheres — sua performance entre as eleitoras é muito pior do que no eleitorado masculino.
Para se contrapor à disputa de legados entre os dois favoritos ao Planalto, Ciro Gomes (PDT) aumentou a frequência com a qual rememora sua trajetória como ministro e governador de Ceará, sobretudo. Segundo a campanha, a ideia é enfatizar que, além de Lula e Bolsonaro, o pedetista tem o que mostrar como realizador no Executivo. Ciro tenta se diferenciar com o discurso de que tem uma proposta clara de governo, com medidas concretas, estimativas de custos e detalhes de como pretende financiá-las.
No caso de Simone Tebet (MDB), que ocupa cargos públicos há duas décadas, a estratégia de campanha também tem sido reforçar sua trajetória para evidenciar ao eleitor que tem experiência no Executivo — já foi prefeita de Três Lagoas (MS) por dois mandatos e vice-governadora do estado — e no Legislativo, como deputada estadual e senadora.
A avaliação dos estrategistas do MDB é que nesta eleição foi superada a lógica de 2018, quando houve um apelo para candidatos que se colocavam como antissistema. Agora, acreditam, os eleitores buscam um candidato experiente, e por isso Lula e Bolsonaro trazem um diferencial por já terem exercido a função.
O cientista político Humberto Dantas observa que a falta de espaço para discussão de planos é reflexo do princípio plebiscitário da atual disputa.
— Não existe a menor possibilidade para discussão equilibrada em relação a objetivos. Infelizmente, não é uma campanha para discussão de planos viáveis. É uma eleição onde há o convívio de dois princípios plebiscitários. O sim ou não para Bolsonaro, e um sim ou não para a justiça x injustiça e o legado de Lula — analisa.