Bolsonaro vai buscar foto na Europa
Foto: Ludovic Marin/AFP
O presidente Jair Bolsonaro (PL) desembarca na segunda-feira (19/9) em Nova York para participar da Sessão de Abertura da 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que, neste ano, traz como lema “Soluções por meio da solidariedade, sustentabilidade e ciência”. Conforme a tradição, o representante brasileiro abre os trabalhos anuais com um discurso de 10 a 15 minutos de duração. Na reta final do pleito de outubro, ainda que em palanque internacional, Bolsonaro não deixará de acenar ao eleitorado interno, citando, principalmente, a melhora do desempenho da economia.
A lista de dados que Bolsonaro pretende destacar inclui a queda da inflação, a redução dos preços dos combustíveis, a criação de vagas de emprego e o aumento do Auxílio Brasil, ao qual promete dar continuidade, caso reeleito. Também deverá destacar, como em anos anteriores, temas da chamada pauta de costumes, como a posição contrária ao aborto e à legalização da maconha, além dos costumeiros ataques ao “comunismo”.
Outros temas, como as consequências da pandemia de covid-19, a guerra na Ucrânia, mudanças climáticas, energias renováveis, meio ambiente e segurança alimentar também foram sugeridos pelo Itamaraty.
Na área do meio ambiente, o presidente deverá ressaltar os compromissos assumidos na COP26 de cortar as emissões globais de metano em 30% e zerar o desmatamento ilegal até 2028, além de apontar que o combate à mudança do clima precisa ser um esforço global.
De acordo com o secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Itamaraty, embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, o chefe do Executivo não deverá se encontrar com líderes das principais potências. Ele alegou incompatibilidade de agenda por causa do pouco tempo de permanência em Nova York, mas disse que há a possibilidade de que ocorram reuniões hoje, em Londres, no funeral da rainha Elizabeth II.
Após a participação na ONU, Bolsonaro deverá ter encontros bilaterais com os presidentes Guillermo Lasso (Equador), Alejandro Giammattei (Guatemala), Andrzej Duda (Polônia) e Aleksandar Vui (Sérvia), além de um encontro com o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Bolsonaro deixou o Brasil ontem à noite, após participar da Marcha para Jesus, em Caruaru, Pernambuco (leia sobre o dia dos candidatos na página 3). Antes da agenda na ONU, o chefe do Executivo participa, hoje e amanhã, de cerimônias do funeral da rainha Elizabeth II.
A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, acompanha o marido na viagem, além do ministro das Relações Exteriores, Carlos França. Segundo a agenda oficial divulgada pelo Palácio do Planalto, o presidente visitará, na tarde de hoje, a Câmara Ardente da Rainha Elizabeth II e assinará o livro de condolências. No começo da noite, terá um encontro com o rei Charles III, sucessor de Elizabeth II.
Amanhã, por volta de meio-dia, será recepcionado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, James Cleverly. A previsão é que Bolsonaro deixe Londres às 17h (hora local) rumo a Nova York.
Segunda-feira, na ONU, integram-se à comitiva presidencial o ministro das Comunicações, Fábio Faria; o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira; o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite; e o chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha. O comando da campanha pela reeleição também estará com Bolsonaro nos Estados Unidos: o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP); o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e o chefe de comunicação da campanha, Fabio Wajngarten.
Com a viagem de Bolsonaro, a Presidência da República foi assumida interinamente pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não disputa as eleições. O vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos), e o presidente da Câmara, respectivamente primeiro e segundo cargos na linha de sucessão, terão que suspender suas agendas de campanha e viajar para o exterior para evitar a inelegibilidade. O general cumprirá agenda no Peru.
O primeiro vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), acredita que, na ONU, Bolsonaro fará um discurso sem “nada a dizer”. “É só olhar sua condenação mundial pela condução da política de saúde no Brasil durante a pandemia de covid, o posicionamento vacilante diante da guerra na Ucrânia, ataques à democracia e às eleições do país, a situação de avanço da pobreza e a miséria em que se encontra o Brasil. Na prática, tem mais a se justificar. Não vejo o que possa lucrar eleitoralmente com essas duas viagens”, diz.
O ex-embaixador do Brasil nos EUA Rubens Barbosa caracteriza as agendas como “photo opportunity”. “Bolsonaro aparece como um estadista falando para o mundo. Vai reiterar a agenda de costumes e mencionar a agenda recuperada pelo Itamaraty. Creio que as duas viagens terão pouco impacto na eleição de outubro”, prevê.
O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida diz que o presidente vai tentar auferir ganhos eleitorais e não deve tratar de política externa. “No funeral, (Bolsonaro) terá presença quase marginal. Na ONU, será algo constrangedor para a política externa brasileira. Em nenhuma das três ocasiões anteriores ele discorreu sobre agenda externa, como é de costume dos representantes. A primeira participação, em 2019, foi patética”, diz.
“Ele discorreu sobre sua vitória nas eleições como um marco importante para salvar o Brasil do comunismo e, depois, continuou tratando da agenda interna. Não imagino que haverá mensagem especial sobre agenda externa. Não tocará nos temas que chamam atenção na comunidade internacional, como a fome. De 2019 a 2022, os discursos não se encaixam nos padrões, são bizarros e esquizofrênicos do ponto de vista da representação do Brasil nos debates sobre a agenda mundial.”, acrescenta.
O cientista político André Rosa analisa que a ida ao funeral da rainha, apesar de uma ação protocolar, também impacta na imagem do Bolsonaro, caso ele opte por uma estratégia de um discurso diplomático e menos agressivo, sobretudo em meio ao hiato das relações entre Rússia e Inglaterra, que se posicionou favorável às sanções do Ocidente.
“A projeção do discurso também é algo com alto impacto de disseminação, e, devido ao fato de estar em uma situação desconfortável nas pesquisas, qualquer evento que possa aumentar a sua popularidade se torna positivo”, observa.
“Tanto a ONU quanto o funeral são espaços midiáticos que podem ajudar na imagem do presidente, mas não a ponto de uma virada na reta final, mas de capitalizar instrumentos visando à disputa do segundo turno.”
Danilo Morais, professor de Ciência Política da pós-graduação do Ibmec, frisa que Bolsonaro tentará pegar carona na ampla visibilidade dos dois eventos para se promover eleitoralmente, adotando um tom doméstico em detrimento de assuntos internacionais, com acenos ao eleitorado. Essa será a quarta participação de Bolsonaro na ONU. Em 2020, ele discursou por videoconferência, por causa da pandemia de covid-19.