Extrema-direita afunda centro-direita no país

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Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

O que um senador republicano de Kentucky, nos EUA, e um candidato a governador de São Paulo, no Brasil, podem ter em comum? Ambos enfrentam um dilema. Mitch McConnell lá e Tarcísio de Freitas aqui abraçam, neste ano, a retórica de uma direita moderada em meio às campanhas eleitorais de seus respectivos partidos, mas, ao mesmo tempo, tiram proveito da ascensão ao poder, nos EUA em 2016 e no Brasil em 2018, de candidatos populistas de extrema-direita.

Nos EUA, a associação com o radicalismo de Donald Trump, que rendeu polpudos frutos poucos anos atrás, tornou-se agora uma preocupação real: há alguns meses, analistas davam como certo que os Republicanos triunfariam nos midterms americanos em novembro próximo, conduzindo Mitch McConnell de volta à cadeira de líder da maioria republicana. Mas a radicalização do Partido Republicano e a decisão da Suprema Corte dos EUA de derrubar a lei Roe vs. Wade (que garantia o direito ao aborto nos EUA) revelaram-se como um tiro pela culatra e acabaram dando gás à campanha dos Democratas. As numerosas vitórias de candidatos radicais nas primárias republicanas contribuíram para que os democratas agora tenham chance real de manter a maioria no Senado e na Câmara dos Representantes.

Aqui no Brasil, Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem um problema semelhante: o ex-ministro do governo Bolsonaro, que gosta de falar das “obras do Tarcísio” e se apresenta como técnico sensato, optou por aliar-se a quadros como seu correligionário Douglas Garcia, cuja recente agressão contra a jornalista Vera Magalhães fez as redes bolsonaristas vibrarem, mas afastou o candidato do eleitorado moderado. Da mesma forma, a aliança entre Tarcísio e radicais como o candidato a deputado federal Frederico d’Ávila, conhecido por xingar o Papa Francisco de “vagabundo”, prejudica os esforços de atrair os centristas. As tentativas de controlar os radicais expõem o risco do embate entre a extrema-direita e a direita moderada: quando Tarcísio repudiou, nas redes sociais, a agressão de Garcia contra a jornalista, foi chamado de traidor por grupos bolsonaristas que bebem, há anos, da fonte do radicalismo anti-democrático.

Do mesmo modo, Mitch McConnell tornou-se alvo de trumpistas radicais quando ousou reconhecer, em janeiro de 2021, a vitória de Biden nas eleições e parabenizou-o pela conquista, postura hoje inaceitável em seu partido. Trump xingou McConnell de “saco desprezível de deslealdade.”

As dificuldades de Mitch McConnell dão uma ideia do dilema que Tarcísio de Freitas pode chegar a encarar em outubro, quando pelo menos uma ala do bolsonarismo – e parte dos seus eleitores – se recusar a reconhecer o resultado das eleições presidenciais, caso Bolsonaro as perca. Na hipótese de Tarcísio se eleger governador, e Bolsonaro perder nas urnas e questionar o resultado, uma ruptura entre eles é quase inevitável: de olho nas eleições presidenciais de 2026, Tarcísio não terá por que apoiar a narrativa bolsonarista de fraude eleitoral.

A aposta de McConnell e de Freitas ainda pode vingar, mas ambos estão brincando com fogo. Se Trump voltar à Casa Branca em 2024, McConnell deve ser uma de suas primeiras “vítimas”. Algo semelhante pode ocorrer no Brasil caso um bolsonarista ou o próprio Bolsonaro retorne ao poder em janeiro de 2027.

Estadão