Fake news derrotaram nova constituição do Chile

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Foto: Martin Bernetti/France Presse

A opção Rejeito já vinha levando vantagem nas pesquisas de opinião pública no Chile nos últimos meses. Conheça cinco motivos pelos quais os eleitores preferiram dizer “não” ao texto redigido pela Assembleia Constituinte desde julho de 2021. Agora, o Chile iniciará um novo período de diálogo e negociação, na tentativa de, por fim, livrar-se da Constituição de 1981. Começa um momento mais complexo e desafiador para o governo de Gabriel Boric, que terá de se afastar um pouco do grupo de amigos com os quais se elegeu, dialogar mais com a oposição, buscar a moderação política e tentar assumir uma postura mais de estadista do que de revolucionário.

Em primeiro lugar, a desinformação teve um peso importante nesse resultado. A disseminação de “fake news” foi ampla e era sentida no domingo, nas ruas de Santiago, quando entrevistei eleitores nos centros de votação. Entre os argumentos falsos que mais ouvi entre votantes da opção “rejeito” estavam os de que as fronteiras ficariam totalmente abertas aos imigrantes, de que no sul os indígenas poderiam tomar livremente terras que pertencem a grandes fazendeiros e até mesmo que o governo se transformaria em dono das casas e apartamentos das pessoas, para delas cobrarem aluguel. Nada disso está no texto constitucional.

Em segundo lugar, houve uma forte desaprovação ao conceito de plurinacionalismo. A leitura dos eleitores do “rejeito” foi de que isso dividiria os chilenos, de que deixariam de ser um só país, e que, com isso, valores culturais e religiosos estariam em risco. O plurinacionalismo não foi interpretado como uma maneira de reconhecer a existência dos povos originários e permitir políticas de inclusão social, cultural e idiomática. E sim, de que abrisse uma brecha para reivindicações territoriais que ameaçariam a propriedade privada e de benefícios econômicos que seriam exclusivos dessa população. Numa possível reescritura da Carta, esse conceito deve cair ou ser bastante mais específico e limitado, por pressão dos eleitores do “rejeito”.

Em terceiro, é importante entender que o Chile de hoje é diferente daquele das manifestações de 2019. Naquela época, o que levou as pessoas às ruas de modo massivo foi uma reivindicação de uma nova relação entre o Estado e a sociedade e um questionamento do modelo econômico chileno. Não que essas pautas não estejam mais sobre a mesa, tanto que as milhares de pessoas que lotaram o centro de Santiago no encerramento da campanha do “aprovo” continuam reforçando essas demandas. Mas o Chile de 2022 é um país impactado pela pandemia, em uma situação econômica pior, com alta inflação para os padrões locais e maior insegurança e casos de violência. Os eleitores do “rejeito” votaram pensando de modo mais pragmático em seus problemas cotidianos _principalmente econômicos e de segurança_ e não se preocuparam muito com as questões de fundo que moveram o processo constitucional desde o início.

Outra razão é que mais pessoas compareceram às urnas. Com a obrigatoriedade do voto e uma multa alta a quem não comparecesse, 80% dos eleitores foram aos centros de votação. Deste modo, conheceu-se a opinião de enormes redutos que não vinham se manifestando nas últimas votações, haviam preferido permanecer alheios à situação e se mostraram, ao final, contrários a todo o processo que se iniciou em 2019. Para que se tenha uma ideia, a opção “rejeito” obteve mais votos (7,8 milhões) do que o próprio Boric (4,6 milhões), que foi o presidente mais bem votado da história do país.

Um episódio que pode parecer menor, mas que teve impacto entre muitos eleitores, foi o ocorrido em Valparaíso na última semana de campanha. Para uma plateia de 3 mil apoiadores do “aprovo”, vários artistas realizaram shows e performances. Uma delas, de um grupo chamado “Las Indectectables” consistia em retirar do ânus de um dos atores uma bandeira chilena, afirmando que o ato simbolizava “o aborto do velho Chile”. Tanto organizadores da campanha do “aprovo”, como o governo e diversos líderes da oposição repudiaram o episódio grotesco. Entre os eleitores que entrevistei no domingo, porém, muitos citavam esse episódio como uma das razões pelas quais votariam pelo “rejeito”.

Folha